Educação ambiental libertadora e pluriversal: como educar-nos uns aos outros mediatizados pelo mundo de muitos mundos? | Matheus Henrique da Mota Ferreira
Matheus Henrique da Mota Ferreira[1]
Sobre o educar do-discente e a dialogicidade diante do mundo
Um processo educacional calcado na transmissão de informações (sobre o mundo, o ambiente ou quaisquer outros ‘objetos’) está inserido na lógica bancária: um professor, detentor de saberes, ‘faz depósitos’ nas ‘contas vazias’ de seus alunos, em suas cabeças/mentes/espíritos pensadas como empobrecidas. Felizmente, o pensamento pedagógico brasileiro possui já uma longa tradição de crítica a essa forma educacional que faz apenas reproduzir modelos de opressão social.
Para Paulo Freire, humanos se educam em comunhão e mediatizados por um mundo pleno de objetos cognoscíveis. A partir de uma dinâmica dialógica, desenha-se um ato cognoscitivo permanente, que põe e repõe objetos nas interações dialógicas, os quais provocam novas mediações no interior de uma reflexão crítica que é sempre já comunicativa (que se faz com os outros e com os objetos). Na educação como “prática problematizadora”, não há distinção entre um momento em que o educador ‘absorve’ conteúdos do mundo e outro em que ele os ‘transmite’ aos educandos. Ambos os momentos estão integrados em um único “que-fazer do educador-educando”, uma única atividade cognitiva-dialógica elaborada coletivamente, para a qual os objetos do mundo aparecem como “incidências da reflexão” que circulam na atividade de ensino-aprendizagem como uma crítica recíproca e continuada de saberes que são feitos juntos (Freire, 1970, p.79).
A educação problematizadora é, nesse paradigma, uma educação libertadora, que depende de uma “situação gnosiológica”, uma situação onde o conhecimento se produz conforme um objeto cognoscível se torna mediatizador dos sujeitos-cognoscentes que comungam. Neste processo, se dá a superação da “contradição educador-educandos” (Freire, 1970, p.78), o que faz de todos os agentes envolvidos educadores-educandos/educandos-educadores. Quando a problematização coletiva e intercomunicante do mundo supera essa contradição (que é o cerne do modelo ‘bancário’ de reprodução da opressão), se indica o caminho da libertação como afirmação da dialogicidade; afirmação de que a condição do ato gnosiológico era sempre-já dialógica.
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/09/2024
Aceito em: 15/11/2024
[1] Pesquisador-bolsista pelo PPGF/UFRJ. Email: matheushmf01@gmail.com
Educação ambiental libertadora e pluriversal: como educar-nos uns aos outros mediatizados pelo mundo de muitos mundos?
RESUMO: Parafraseando Paulo Freire, queremos propor a hipótese de que uma educação ambiental que possa exceder — sem abandonar — a dimensão crítica e a libertação humanizante deve se pautar pelo princípio de que: ‘agora, diante de conflitos ontológicos, ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: humanos e não-humanos se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo de muitos mundos’. Para chegar a essa hipótese, começamos percorrendo a pedagogia do oprimido de Freire e os princípios de uma educação libertadora, problematizadora e dialógica; seguimos com uma breve exposição do campo da ecologia política, sua história recente e suas relações com a educação ambiental no contexto brasileiro; para então desenvolver os limites desta ecologia política diante da conformação de um cenário contemporâneo de conflitos entre mundos/ontologias, como compreendido pela ontologia política e sua aparentada cosmopolítica. Diante da emergência do pluriverso, ‘o mundo em que caibam muitos mundos’ de que falam os zapatistas, como devem ser reconcebidos o pensamento ecológico e a educação ambiental? Essa é a questão que queremos abrir com este ensaio, no intuito mais de criar uma rede dialógica e problematizadora diante deste desafio, do que de oferecer quaisquer respostas finais.
PALAVRAS-CHAVE: Educação ambiental. Pluriverso. Ecologia política. Ontologia política. Educação libertadora.
Liberatory and pluriversal environmental education: how do we educate each other in communion mediated by the world of many worlds?
ABSTRACT: Paraphrasing Paulo Freire, we want to propose the hypothesis that an environmental education that can exceed — without abandoning — the critical dimension and humanizing liberation must be guided by the principle that: ‘given the reality of ontological conflicts, no one educates anyone, just as no one educates themselves: humans and non-humans educate each other in communion, mediated by the world of many worlds’. To arrive at this hypothesis, we begin by going through Freire’s pedagogy of the oppressed and the principles of a liberatory, problematizing and dialogical education; we continue with a brief exposition of the field of political ecology, its recent history and its relationship with environmental education; and then develop the limits of this political ecology when faced with the conformation of a contemporary scenario of conflicts between worlds/ontologies, as understood by political ontology. Faced with the emergence of the pluriverse, “the world in which many worlds fit”, as the Zapatistas say, how should ecological thinking and environmental education be reconceived? This is the question we want to open up with this essay, with the aim of creating a dialogical and problematizing network in face of this challenge, rather than offering any final answers.
KEYWORDS: Environmental education. Pluriverse. Political ecology. Political ontology. Liberatory education.
FERREIRA, Matheus Henrique da Mota. Educação ambiental libertadora e pluriversal: como educar-nos uns aos outros mediatizados pelo mundo de muitos mundos?. ClimaCom – Desvios do “ambiental” [online], Campinas, ano 11, nº. 27. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/educacao-ambiental-libertadora/