Ecologias indomáveis[1]: descolonização do sensorium ecológico em um acontecimento natural cultural de 10.000 anos de idade[2]〡Natasha Myers
Natasha Myers[3]
Tradução: Marina Souza Lobo Guzzo[4]
Introdução: projetos de descolonização do conhecimento feminista
Nesta ordem mundial da pós-verdade, onde fatos alternativos ameaçam desvendar até mesmo as afirmações científicas mais estáveis, pode parecer totalmente uma blasfêmia questionar se mais ciência ou até melhor ciência é o que precisamos para responder às circunstâncias terríveis que se desenrolam ao nosso redor. É evidente que as instituições científicas, os programas de pesquisa e os dados estão sob grave ameaça [5]. E, ao mesmo tempo, o que deveria preocupar os estudiosos da tecnociência feminista, é que, é precisamente neste clima, que muitos parecem estar se fixando mais ferozmente no mito da ciência como o exercício da objetividade desinteressada, em serviço de assegurar verdades universais. Note os protestos contra a “politização da ciência” por volta da Marcha da Ciência de abril de 2017, e contra os esforços para tornar essa marcha mais inclusiva.
Os estudiosos feministas da tecnociência, há muito, sabem que a ciência é mais e mais do que aquilo que ela afirma ser. Mas muitos cientistas e seus públicos ainda se agarram à idéias míticas que assumem uma divisão limpa entre ciência e política. Por isso, talvez pudéssemos tirar um momento para perturbar o desejo de um projeto de conhecimento feminista que aspira ao status de uma ciência. Sim, precisamos de ciências fundamentadas em feminismos interseccionais. Mas também precisamos investir nossos esforços para gerar formas robustas de saber (e não saber) [6] que possam estar ao lado e transversalmente à ciência.
No que se segue, especulo sobre as possibilidades de um modo de investigação feminista descolonial que possa construir sobre as melhores partes da ciência – suas formas situadas, encarnadas e responsivamente sintonizadas de conhecimento [7] – enquanto simultaneamente recusa sua lógica fundacional: as formas colonial, capitalista, militar, mecanicista e neo-darwinista através das quais a ciência ganhou sua tração como o único árbitro da verdade. Este é um chamado para um modo robusto de saber que pode romper com as próprias forças que a ciência projetou para servir: aqueles desejos capitalistas e coloniais por formas de conhecimento que facilitem a gestão de terras e corpos [8]. Por muito tempo, essas forças moldaram o mundo. (Leia o artigo completo em PDF).
Recebido em: 15/09/2022
Aceito em: 15/10/2022
[1] A escolha da palavra indomável para a tradução se deu após uma busca de várias possibilidades junto com a autora para “Unfrid-able” – que é uma palavra inventada por ela, para dar sentido a algo que não pode ser reduzido, que não tem controle, nem grade.
[2] Myers, N. (2017). Ungrid-able Ecologies: Decolonizing the Ecological Sensorium in a 10,000 year-old NaturalCultural Happening. Catalyst: Feminism, Theory, Technoscience,3 (2) 1-24 http://www.catalystjournal.org | ISSN: 2380-3312 © Natasha Myers, 2017 | Licensed to the Catalyst Project under a Creative Commons Attribution Non-Commercial No Derivatives license
[3] Professora na York University. Email: nmyers@yorku.ca
[4] Professora na UNIFESP. Email: marina.guzzo@unifesp.br
[5] Veja o notável trabalho de Michelle Murphy, Matt Price, Nick Shapiro e muitos outros na Iniciativa de Governança de Dados Ambientais lançada para salvar os dados ambientais da administração Trump esforços para fechar a EPA. https://envirodatagov.org
[6] Ver de la Cadena (2015)
[7] Ver Haraway (1997), Barad (2007), e Myers (2015a).
[8] Ver, por exemplo, Murphy (2017).
Ecologias indomáveis: descolonização do sensorium ecológico em um acontecimento natural cultural de 10.000 anos de idade
RESUMO: No ensaio fotográfico que se segue, compartilho algumas notas de campo de dois anos em uma colaboração de longo prazo de pesquisa e criação com a premiada dançarina e cineasta Ayelen Liberona. Devir Sensor (Becoming Sensor) mistura arte, ecologia e antropologia em uma tentativa de fazer ecologia de outra forma. Parte de um projeto de pesquisa etnográfica de longo prazo em um parque urbano em Toronto, Devir Sensor especula sobre protocolos para uma ecologia indomável, de um acontecimento natural e cultural com 10.000 anos de idade. Neste projeto, Ayelen e eu nos engajamos nas mediações expansivas da arte e nas atenções artísticas da etnografia para refazer o caderno do naturalista. Esta história mais do que natural de uma savana de carvalhos no High Park de Toronto oferece uma abordagem para cultivar um modo robusto de saber fundamentado em políticas queer, feministas e decoloniais.
PALAVRAS-CHAVE: Arte. Políticas Queer. Ecologia.
Ungrid-able ecologies: decolonizing the ecological sensorium in a 10,000 year-old natural cultural happening
ABSTRACT: In the photo essay that follows, I share some field notes two years into a long- term research-creation collaboration with award-winning dancer and filmmaker Ayelen Liberona. Becoming Sensor mixes art, ecology, and anthropology in an attempt to do ecology otherwise. Part of a long-term ethnographic research project on an urban park in Toronto, Becoming Sensor speculates on protocols for an ungrid-able ecology of a 10,000 year-old natural cultural happening. In this project, Ayelen and I engage the expansive mediations of art and the artful attentions of ethnography to remake the naturalist’s notebook. This more-than- natural history of an oak savannah in Toronto’s High Park offers one approach to cultivating a robust mode of knowing grounded in queer, feminist, decolonial politics.
KEYWORDS: Art. Queer politics. Ecology.
MAYERS Natasha, ecologias indomavéis: descolonização do Sensorium ecológico em um acontecimento natural cultural 10.000 anos de idade. ClimaCom – Políticas vegetais [Online], Campinas, ano 9, n. 23, dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ecologiais-indonmaveis/