Por Daniela Klebis
Expressar a inquietude diante das mudanças climáticas é um desafio que se afoga na enxurrada de informações e notícias, que de tão ruidosas, tornam-se mudas. E como evitar esse afogamento e recuperar o senso de continuidade? Como ir além de limites de sentidos que parecem cada vez mais restritos? Problematizar o humano e o comunicar um mundo em transformação compreende explorar as potências criadas por escritas que emergem de encontros, de criações de afetos, de articulações e laços entre pensamentos, ideias, sensações e materiais heterogêneos. Experimentar para criar as brechas que possibilitem escapar do mutismo de consensos determinados. Para o coordenador da Rede CLIMA, Paulo Nobre, a busca por novos dizeres que sejam capazes de despertar ações conjuntas com as mudanças climáticas passa por um reencontro com o sensível. “Ninguém tem resposta para as mudanças climáticas. E agora não temos mais ninguém que vai nos dar a solução. Mas e se não fizermos diferente, acabará o humano?”, questiona.
A comunicação precisaria, dessa forma, voltar-se para desenvolver responsabilidades comuns, criar afetos, compreensões. “Nossa espécie já acabou quando perdemos a sensibilidade de ver que o que fazemos causa a fome no mundo”, diz. Segundo ele, as mídias sociais nos libertaram da dependência dos “donos da verdade” para dizermos o que achamos que seja verdade, mas o que queremos dizer?
Propondo questionar como as articulações entre públicos, ciências e políticas se inventam na contemporaneidade e como problematizar o humano na relação com as mudanças climáticas, o I Encontro da Sub-rede Divulgação Científica e Mudanças Climáticas, nos dias 7 e 8 de maio, respectivamente, no Museu da Imagem e do Som (MIS), em Campinas, e na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), em Limeira, deu abertura a experimentos com imagens, palavras e sons como modos de interrogar o colocar-se no mundo, um mundo em constante e rápida transformação. O evento reuniu pesquisadores e artistas em torno do tema do desaparecimento.
Compartilhar – ao invés de informar – e, assim, buscar outras maneiras de produzir linguagem e despertar afetos com relação ao ambiente e às pessoas. Para o geógrafo Carlos Queiroz, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), compartilha-se aquilo que se configura, para nós, como afeto, como mobilização, “desde os aspectos conceituais e metodológicos, mas essencialmente, os aspectos da sensibilidade em face de algo que denominamos a potência criativa da linguagem na estética-política das imagens”.
Queiroz é líder do Grupo de Pesquisa RASURAS – Imaginação Espacial, Poéticas e Cultura Visual. Seu grupo aposta também nesse dizer-sensível, na busca por aquilo que escapa, que pode e não pode, ao mesmo tempo. Segundo ele, o desafio que se coloca vem do fato de vivermos em um mundo cujos horizontes estão povoados por palavras e imagens que autorizam, sedutoramente, “o que podemos”, com as quais devemos romper e rasurar, buscando uma “gramática-desobediente”, como define o professor. “Todos nós estamos aqui, de alguma maneira, comprometidos a inventar outros modos de dizer e sentir, e foi assim que comecei a pensar o humano que não se contenta, perenizado pela inquietude”, diz.
O dizer e o sentir – e abrir-se para ouvir – favorece a inclusão de outras formas de pensar. Como sugere a antropóloga e professora da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Raquel Wiggers, a maior parte dos projetos desenvolvidos com as populações do Rio Amazonas são fundamentados em valores e pensamentos urbanos que não se comunicam com o modo de viver das sociedades florestinas. “É preciso entender a lógica do outro”, aponta.
Nesse movimento de pensar e sentir o outro, com o outro, a ecóloga Alessandra Penha, da Universidade Federal de São Carlos (UfsCar – Araras), enfatizou a diversidade da vida e das espécies. Penha falou do desaparecimento e resgate das florestas nativas do interior do Brasil, que hoje são pequenos arquipélagos, pulverizados e ameaçados. De acordo com ela, uma grande quantidade de espaços indecisos, desprovidos de função, difícil até de dar nome. Que não pertencem nem ao domínio da sombra, nem ao da luz. “Estão situados nas margens, nas orlas dos bosques, ao longo das estradas e dos rios, nos cantos mais esquecidos da cultura. Cobrem superfícies de dimensões tão modestas, tão dispersas como as esquinas perdidas de um prado. Eles têm uma coisa em comum: todos são refúgio para a biodiversidade. Em todas as demais partes, esta foi expulsa”, comenta.
Resgatar essas formas de vida implica um desafio de comunicar sua importância, transcendendo a argumentação econômica, inventando diálogos de proximidade, de parcerias dos espaços com as populações rurais, industriais e urbanas. “Implica superar a resistência de ouvir o modo do outro. A comunicação ainda é muito falha, porque, muitas vezes, ela nem começa”, diz.