Deslizando entre escalas. Sobre corpos fluidos, fronteiras porosas e curto-circuitos imunológicos | Marisol Marini, Joana Cabral de Oliveira e Guilherme Wanke
Marisol Marini [1]
Joana Cabral de Oliveira[2]
Guilherme Wanke[3]
Idealmente pensado como um texto sem título, de forma a provocar e tensionar o estabelecimento de fronteiras, sua reflexão volta-se para delimitações porosas. A narrativa que antecede o título anuncia, entre outras coisas, a permeabilidade entre mundos e vidas. Trafegamos entre. Deslizamos com. Há corpos e mundos que escapam à delimitação rígida de fronteiras. Mas há também vidas e sujeitos que têm suas demarcações ameaçadas.
Diluímos os pensamentos em uma ação de coautoria, que é também feito com muitas autoras e entes. Percorremos escalas. Pensamos com fronteiras porosas. Exploramos seus limites fluidos, por isso o desejo de não demarcar aqui uma fronteira rígida. Assumindo no entanto que, paradoxalmente, sem fronteiras não há atravessamentos.
Que a delimitação/nomeação nos poupe da gestão das expectativas quanto ao desdobramento da narrativa, indicando que outras fronteiras devem ser borradas. Conclusões? Não são possíveis. Virão ideias e afetos que se recusam a aceitar encerramentos, a menos que eles sejam provisórios, parciais ou ilusórios.
Finais abertos talvez sejam convenientes para os tempos vindouros. De processos que nos colocarão diante de desafios indeterminados, o que nos exigirá imaginar novas possibilidades, investir em outras formas de existência. Encarar os presentes e futuros abertos, porosos, instáveis. São tempos – como outros igualmente críticos de nossa história – que exigem a compreensão de que o futuro está em disputa e terá que ser imaginado e construído coletivamente. Ainda tão aberto e sem forma, encontra-se (des)pelado.
Se a ficção científica tradicionalmente fantasia futuros a partir das problemáticas postas no presente, se nos permite nos interrogarmos sobre os caminhos possíveis e desejáveis face às condições sócio-materiais existentes, no atual presente em crise nos cabe “desprogramar o futuro” (LAPOUJADE, 2013), patinar na imaginação sem pretensões de achar que é possível encontrar saída, ansiar por salvação. Talvez não haja ideia mais oportuna e afável do que a sugestão do pensador indígena Ailton Krenak (2019): contar histórias para adiar o fim do mundo. A necessidade de revisão, desaceleração, imaginação e calma estão cada vez mais evidentes. E escolher que caminho trilhar, como sugere a Lagarta, de Alice no País das Maravilhas, só faz sentido quando se sabe para onde se quer ir (leia o artigo completo em pdf).
Recebido em 28/10/2020
Aceito em 24/11/2020
[1] Doutora em Antropologia Social pela USP. Pesquisadora de pós-doutorado – Departamento de Política Científica e Tecnológica, UNICAMP. E-mail: marisolmmarini@gmail.com
[2] Professora do Departamento de Antropologia da Unicamp. E-mail: jcdo@unicamp.br
[3] Artista, quadrinista e designer gráfico. E-mail: guilherme.wanke@gmail.com
Deslizando entre escalas.
Sobre corpos fluidos, fronteiras porosas e curto-circuitos imunológicos
RESUMO: O trabalho percorre escalas de imunidade, provocando a imaginação de alternativas de cuidado e proteção diante dos limites dos paradigmas imunológicos apresentados. A narrativa constroi-se a partir do deslizamento entre texto e imagem – ou texto-imagem e imagem-texto. De forma experimental e vacilante, o argumento coloca em relação escalas e corpos distintos, relacionados a imaginários imunitários diversos. É no sentido de explorar as distintas fronteiras e suas porosidades específicas que diferentes corpos – corpo dermatítico, Terra e populações – são colocados em relação. Considerando que a porosidade dos corpos extrapola-os para além das fronteiras da pele, interessa-nos atentar para os movimentos de misturar-se e diferenciar-se do mundo, ações que demandam ou têm como efeito a instituição de uma imunidade. Deslizando entre mundos e fronteiras disciplinares, em diálogo com conceitos da antropologia, sociologia, filosofia, biologia e arte, a reflexão pretende colocar em questão a fluidez e permeabilidade dos corpos. O propósito é problematizar o paradigma imunitário que opera com vocabulário bélico, na lógica da destruição, incorporação e eliminação. Reconhecendo a centralidade das discussões sobre fronteiras, uma vez que há vidas e sujeitos que têm suas demarcações ameaçadas, cujas existências podem ser aniquiladas, reivindicamos a relevância de se imaginar e investir em outros paradigmas imunitários: coletivos, distribuídos, pulsantes.
Palavras-chave: Imaginários imunológicos. Tecnologias biomédicas experimentais. Corpos e corporalidade.
Slipping between scales.
On fluid bodies, porous boundaries and immunological short-circuits
ABSTRACT: The article addresses scales of immunity, provoking us to imagine alternative care and protection before the limits of the existent immunological paradigms. The narrative is constructed sliding between text and image – or text-image and image-text. Experimentally and erratic, the argument relates different scales and bodies, associated with different immune imaginaries. The different bodies – dermatitic body, Earth and populations – are placed in relation, seeking to explore the different borders and its particular porosities. Considering that the porosity of bodies extrapolates itself beyond the borders of the skin, we are interested in paying attention to the movements of mixing and differentiating themselves from the world, actions that demand or have the effect of establishing an immunity. Sliding between disciplinary worlds and borders, in dialogue with concepts from anthropology, sociology, philosophy, biology and art, the reflection aims to question the fluidity and permeability of bodies.The purpose is to problematize the immune paradigm that operates with military methaphors, a logic of destruction, incorporation and elimination. Recognizing the centrality of discussions about borders, since there are lives and subjects that have their demarcations threatened, whose existence can be annihilated, we claim the relevance of imagining and investing in other immune paradigms: collective, distributed, pulsating.
KEYWORDS: Immunological imaginary. Experimental biomedical technologies. Bodies and Embodiment.
MARINI, Marisol; OLIVEIRA, Joana Cabral de; WANKE, Guilherme. Deslizando entre escalas. Sobre corpos fluidos, fronteiras porosas e curto-circuitos imunológicos. ClimaCom – Epidemiologias [Online], Campinas, ano 7, n. 19, Dez. 2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/deslizando-entre-escalas/