Da logosfera à biosfera: o preservar das línguas de Abya Yala e suas epistemologias | Gabriel D. Gruber


 

Gabriel D. Gruber[1]

A ilustradora e autora Aline Valek (2020), em sua obra Cidades Afundam em Dias Normais, encanta uma história tecida entre fios de passado, futuro e um presente náufrago, onde uma cidade localizada no cerrado convive com seu armagedom. A artista pinta um quadro em textos e texturas onde o fim de um mundo é avassalador mas não instantâneo. As águas que engolem a cidade são uma força irrefreável e imbatível, mas não repentina. Brusco, mas não súbito. Ao lidar com as dinâmicas das permeabilidades linguísticas imediatamente sou reconduzido a pensar que o fenômeno do desaparecimento de línguas, a despeito de ser parte natural da ciclicidade vital das línguas humanas, foi mutado pelo imperialismo/colonialismo em nosso Capitaloceno. Feito o rio descrito por Valek, a gradualidade mansa do processo não subtrai em nada a brutalidade das consequências cataclísmicas nas vidas, sempre iniciando dos mais desprotegidos. Louis-Jean Calvet (1971) cunha o termo glotofagia na tentativa de explicitar a pulsão ocidental pelo altericídio. O tremendo impulso colonial desperto nas entranhas europeias e estadunidenses de levar a extinção e/ou submissão tudo que é o Outro, se desdobra nessa guerra de línguas, como denomina Calvet (1971). Esse predatismo glotofágico como a geopolítica clássica prevê, segundo Kandjimbo (2022), precisa ser combatido por meio de uma geopolítica crítica que se inunde das contranarrativas do eurocentrismo e na restauração de uma nova imaginação política. O frio concreto no abafado dilúvio flutuante da poluição das megametrópoles, o inferno manufaturado entregue às imensidades constelares das florestânias, um falso sagrado entramado ao parasitismo, e a pobreza e proletarização imposta às milhares de humanidades e não-humanos do mundo são podres desdobramentos da mesma raiz desta guerra das línguas. Na indissociabilidade destes fenômenos, seus enfrentamentos também devem ser indesligáveis.

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 01/03/2024

Aceito em: 01/06/2024

 

[1] Mestre em Linguística pelo IEL/Unicamp. Pesquisador membro do grupo de pesquisas multiTÃO (Labjor-Unicamp).
Email: gabriel.dgruber@gmail.com

Da logosfera à biosfera: o preservar das línguas de Abya Yala e suas epistemologias

 

RESUMO: Qual a relação entre as línguas ameaçadas de extinção e as explorações múltiplas da natureza? O presente artigo propõe turvar os limites estabelecidos dos conceitos hegemônicos de língua e linguagem ao explorar as pressões ideológicas que fundiram um descritivismo e um prescritivismo com intenções de dominação local e global na geopolítica predatória que vem dizimando as nações indígenas. Tomando a indissociabilidade dos tratos da logosfera para os resultados na biosfera, são debatidos temas como a instrumentalização da ciência linguística ocidental, a intensa coisificação do cosmos, e os engaiolamentos impostos às línguas endêmicas de Abya Yala. Em conjunto, também é debatido modos de preservação das epistemologias originárias de suas linguagens, vias possíveis para a ciência reencontrar a reverência e sacralidade da vida com os povos de Abya Yala, e um cessar da glotofagia colonial.

 

PALAVRAS-CHAVE: Línguas ameaçadas. Logosfera. Glotofagia. Abya Yala. Línguas indígenas.


Desde la logosfera a la biosfera: la preservación de las lenguas de Abya Yala y sus epistemologías.

 

RESUMEN:¿Cuál es la relación entre las lenguas en peligro de extinción y las múltiples exploraciones de la naturaleza? Este artículo pretende desdibujar los límites establecidos de los conceptos hegemónicos de lengua y lenguaje explorando las presiones ideológicas que fusionan descriptivismo y prescriptivismo con intenciones de dominación local y global en la geopolítica depredadora que ha estado diezmando a las naciones indígenas. Tomando la inseparabilidad de los tratamientos de la logosfera de los resultados en la biosfera, se debaten temas como la instrumentalización de la ciencia lingüística occidental, la intensa objetivación del cosmos y las jaulas impuestas a las lenguas endémicas de Abya Yala. Juntos, también se debaten formas de preservar las epistemologías originales de sus lenguas, posibles formas para que la ciencia redescubra la reverencia y lo sagrado de la vida con el pueblo de Abya Yala, y el cese de la glosofagia colonial.

PALABRAS CLAVE: Lenguas amenazadas. Logosfera. Glotofagia. Abya Yala. Lenguas indigenas.


GRUBER. Gabriel D. Da logosfera à biosfera: o preservar das línguas de Abya Yala e suas epistemologias ClimaCom – Territórios e povos indígenas [online], Campinas, ano 11, nº. 26. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/da-logosfera-a-biosfera/