Corpo-rio | Fabiane Andrade Batista

Título | Corpo-rio

O rio molda, redesenha e esculpe corpos em suas correntezas. “Corpo-Rio” é uma travessia entre pintura e palavra, um convite para sentir as águas que nos atravessam e compõem. Na Amazônia, em gestos cotidianos e rituais ancestrais, a conexão com as águas se refaz, seja no som do banzeiro que embala, no banho de ervas que cura, nos banhos de chuva, nas viagens de barco e pés descalços sobre pedras submersas. Nas pinceladas e versos, um corpo que já não se separa daquilo que o cerca, aprendendo com o rio a levar, lavar e transbordar.

 


| FICHA TÉCNICA |

Pintura digital
Ano| 2025

Mestre em Educação em Ciências na Amazônia (PGEEC) na Universidade do Estado do Amazonas. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). É educadora e aspirante a pintora e escritora.

Corpo-rio
O rio desliza.
Corre sem pressa, mas sempre indo.
É espelho, caminho de barcos, estrada líquida.
Calmo, cheio, leva pedaços da terra consigo.
O rio é paisagem
vasto, barrento, dourado ao entardecer.
É casa, ventre, olho, boca.
Para quem escuta, o rio fala.
Para quem sente, o rio chama.
E o rio sussurra. Baixinho.
Escuto sua voz entre o barulho das águas,
num chamado que não sei explicar,
mas que me convoca.
Convite para ficar, sentir, e ser com ele.
Com os pés descalços sobre as pedras,
sinto a dança rastejante.
Os seres do rio me roçam os tornozelos,
pequenos cardumes invisíveis,
folhas que boiam sem pressa.
O corpo já não se banha apenas.
O corpo é permeável, atravessado pelo ritmo do rio.
Os povos das amazônias têm raízes na terra onde nascem,
mas também na água que os cercam.
Crescemos entre margens e igarapés,
cheia e vazante.
A água nos compõe.
Somos feitos de rio muito antes de tocar a terra.
Desde o ventre, flutuamos.
Nos primeiros dias de vida,
benzimentos com folhas e orações.
Banho de erva que cura, tira quebranto.
O cheiro do mato fresco na água morna gruda na pele.
E seguimos, sem perceber, carregando as águas conosco.
No rio,
o barco nos desloca e nos desacelera.
tempo suficiente para esquecer os passos apressados.
Sentamos na proa, olhamos o horizonte, sentimos o vento.
O rio passa, e com ele passamos também.
O rio leva e lava.
Ser corpo-rio é desaguar na vida.
Vazar.
É deixar que as águas reinventem a gente.
Talvez no começo o rio fosse só paisagem, linha no horizonte.
Até que um dia o rio não estava mais fora,
estava dentro.


BATISTA, Fabiane Andrade,. Corpo-rio. ClimaCom – Manifesto das águas. [online], Campinas, ano 12, n. 28 jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/corpo-rio/,

SEÇÃO ARTE | MANIFESTO DAS ÁGUAS | Ano 12, n. 28, 2025

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