Contato | Liana Nigri

Título | Contato

A série de trabalho ‘Contato’ foi iniciada durante a residência artística LabVerde na floresta Amazônica em 2018 e faz referência à Terra Preta de Índio, vestígio do uso racional do solo encontrado em toda a Amazônia.
Tal indício se apresenta em forma de manchas espessas na camada superficial da terra em coloração preta ou marrom escuras que geralmente recobrem solos amarelados e avermelhados, predominantes na região.

Arqueólogos informam que são próprias de assentamentos indígenas antigos, onde os povos nativos durante milhares de anos depositaram espontaneamente seus resíduos. O lixo orgânico composto de folhas, galhos, restos de comida, espinhas de peixe, ossos de bichos, cinzas, carvão e cacos de cerâmica eram queimados e acumulados em seus territórios, deixando o solo com elevado nível de fertilidade, o que não é característico da região. Essa pesquisa artística busca então elucidar essa fertilidade decorrente de uma convivência harmônica entre ser humano e a biosfera, entendendo que tudo que é vivo é natureza, não existindo hierarquia entre espécies ou reinos.

A aproximação inicial foi feita através de exercícios experimentais de captura de texturas do tronco de árvores na pele da artista, posteriormente é deixado um trabalho site-specific na reserva florestal Adolph Duke, onde se deu a residência artística. Esta obra consiste em uma escultura em gesso da memória de um corpo em sua contra-forma tentando acompanhar o abraço de um cipó em uma árvore, um  esforço de se dobrar à natureza. Retira-se assim o artista do lugar clássico e distante de sujeito observador de uma paisagem-objeto a ser devorada.

A escolha pelo cipó não é aleatória, ela traz a previsão encontrada em estudos científicos de que com o aquecimento global a diminuição de umidade já em curso na Amazônia será tamanha que a floresta será dominada por cipós, devido a capacidade desta espécie de armazenar água dentro de si.

A partir dessa experiência in loco, o desenvolvimento do trabalho continua em ateliê na busca por impressões de gestos de contato corpo-planta. Criando, esculturas-conchas onde não existe um ou outro, dentro ou fora. Uma investigação de formas secretas que acontecem no entre quase nunca visto dos encontros.

 


Liana Nigri
PPGCA-UFF
liananigri@gmail.com
(21) 991961073

 

 

 

 

 

 

Tomada por uma presença absoluta
Sou absorvida pela paisagem
Somos agora uma
Sem dominador e explorado
Retorno à obviedade essencial de que
não existe separação, nem lado
Aceito o convite de despertar meus sentidos para
sentir o silêncio de barulhos e observar sons
Meus olhos são nutridos por toneladas de verdes
E passo a ver detalhes através das minhas mãos
Reconheço em tamanha
diversidade e superlativos
a leveza do ar
Sou inundada por uma paz e um relaxamento
novos para o meu corpo
Ganho intimidade com a floresta primária e
como uma virgem venço o medo do desconhecido
e faço contato
Descubro meu lugar sagrado, onde vou todo dia
e me permito ser cipó
Uma existência fértil entre
meio ambiente e sociedade se faz possível
vide a Terra Preta de Índio
Agora não existe mais mundo interno e externo,
estamos no entre,
onde não há sujeito nem objeto
e as marcas dessa presença mútua
é o que ensaio materializar

Reserva Florestal Adolpho Ducke, Amazonas
Julho de 2018

NIGRI. Liana. Contato. ClimaCom – Coexistências e cocriações [online], Campinas,  ano 8, n. 20. abril 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/contato-liana-nigri/


 

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