Imagens e corpo sob constelações infectas | Mariane Schmidt da Silva
Mariane Schmidt da Silva [1]
Figuras – Série 1, Sem título, 2017. Fotografias produzidas pela autora.
Then the body memory kicks in
And I trust the unknown
Unfathomable imagination
Surrender to future
Oh, how to capture all this love
And find a pathway for it
Like threading an ocean through a needle
River through a keyhole
Can’t fathom the grasp
I can’t grasp the fathom
(Björk, Body Memory, 2017)
Memórias do corpo: amor, futuro e desordem [2]
De ritmo aparentemente inconcluso e sons tecnológicos a música se inicia. É como se houvesse uma floresta ao fundo, como se tudo estivesse à meia luz, e só fosse possível enxergar o contorno das coisas. Uma floresta ocupada por milhares de seres desconhecidos, de espécies não catalogadas. Seres que são como uma mistura do encontro entre vários corpos. Amalgama. Patas, troncos, cabeças e asas. Grunhidos que não sei bem de onde vêm, mas sei que são reais. Que, se ouço a música e fecho os olhos, todo esse mundo se abre, o arrepio percorre a pele, os pêlos se eriçam.
A floresta é real, eu sinto sua umidade, eu sinto o desconforto, eu me sinto como se em outro tempo. A música me carrega pra outro tempo. Um tempo que começa nos ouvidos, e ecoa pelo interior do meu corpo. Milhares de vozes e histórias se fundem entre si, se fundem a mim mesma. As intensidades não param de crescer com as vozes. Essas vozes que estão aqui, agora. Esses seres que estão aqui e agora, a minha volta, respirando em meu pescoço. E pouco a pouco desaparecem.
“E então, a memória do corpo acontece”, Björk diz. A memória do corpo como um caminho. Não apenas ou, não necessariamente, de lembrança, mas de transformação, da concretização do que é incompreensível como força de captura do amor. “Como capturar todo esse amor, e encontrar um caminho para ele?”, talvez seja o principal problema que se move com a música, que vem nos encontrar aqui, nesse mapa que está sendo escrito agora, que também deseja a construção de um corpo pelo qual se passe amor, se multiplique amor. E pode ser que nem se trate de construção, mas da “experiência de uma falta de construção” (LISPECTOR, 1998, p. 27).
(Leia o artigo completo em PDF).
Recebido em: 20/03/2021
Aceito em: 15/04/2021
[1] Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Mestra em Educação pela mesma Universidade. Professora da Educação Básica na Rede Estadual de São Paulo. E-mail: marianessh@gmail.com
[2] Trechos escritos com a música Body Memory do álbum Utopia (2017) da cantora e compositora islandesa Björk. Os termos inseridos entre aspas na seção, correspondem à tradução de versos da música, originalmente em língua inglesa.
Imagens e corpo sob constelações infectas
RESUMO: As imagens, ainda identificáveis, mas já querendo escapar: o contorno de uma mão, a dobra de um braço, o desenho de uma silhueta, as cores meio sangue. Sobre elas, sempre se pode produzir uma nova camada de vida, como um contágio incessante. Neste artigo, pensar com quais corpos temos habitado o mundo: propor operações que desestabilizem corpos forjados entre as placas de petri dos laboratórios e os quadros negros das escolas. Movidos pelos conceitos de Deleuze e Guattari e pelo desejo de criar um Corpo sem Órgãos, a partir da produção de imagens, desenhar um mapa que leve a desestruturação do corpo organizado, entupido. Mapas-imagens que se criam nos encontros com obras de Dora Longo Bahia e Rafael Assef e na experimentação de novos movimentos, entre velocidades e lentidões. A pele que já não é mais pele. Manchas que se dissipam. O movimento da mão que acelera. O corpo fugindo à identidade, como quer Clarice Lispector em “A Paixão Segundo G.H.”, e vibrando sob constelações, ele mesmo sem nome.
PALAVRAS-CHAVE: Imagem. Corpo. Arte. Biologia.
Images and body under infected constellations
ABSTRACT: The images, still identifiable, but already wanting to escape: the contour of a hand, the bending of an arm, the drawing of a silhouette, the colour half blood. Over them, one can always produce a new layer of life, as a never-ceasing contagion. On this article, to think with what bodies we have inhabited the world: to propouse operations that destabilize bodies forged between petri dishes on the laboratories and blackboards on the schools. Moved by Deleuze and Guattari’s concepts and the desire to create a “body without organs”, through the production of images, to draw a map that takes to the disruption of the organized body, obstructed. Maps-images that are created on the encounters with works of Dora Longo Bahia and Rafael Assef and by the experimentation of new movements, between velocities and slowness. The skin that is no longer skin. Spots that dissipate. The movement of a hand that accelerates. The body escaping identity, as wishes Clarice Lispector in “A Paixão Segundo G.H.”, and vibrating under constellations, he, himself, without a name.
KEYWORDS: Image. Body. Art. Biology.
SILVA, Mariane Schmidt da. Imagens e corpo sob constelaçãoes infectas. ClimaCom – Epidemiologias [Online], Campinas, ano 7, n. 19, Dez. 2020. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/constelacoes-infectas/