Composições sobre a seca no sertão: cosmopolítica, música e antropologia | Paulo Rios Filho e Luiza de Albuquerque Leite Vieira
Paulo Rios Filho[1]
Luiza de Albuquerque Leite Vieira[2]
Introdução
Entre o calor solar e a solidez telúrica, serpenteia um corpo metamorfo: a água. Nesse entremundos, encarnam um compositor e uma antropóloga, costurando, neste ensaio, uma trama de agruras e augúrios do sertão da Bahia, mais precisamente da região sisaleira, território que, em diferentes intensidades, atravessa a vida dos autores deste ensaio. O compositor, que viveu toda a sua infância e adolescência na região sisaleira, criou a obra musical acusmática Crise de Sol, a partir de material sonoro gravado principalmente lá, durante visita à sua família. A antropóloga, também natural da Bahia, porém de uma Bahia muito diferente, transbordante de águas doces e salgadas, conheceu o sertão em pleno convívio com o compositor e sua família. Após realizar uma pesquisa sobre a constituição de refúgios entre as ruínas da plantation nas bandas do Trópico de Capricórnio, a pesquisadora agora volta sua atenção para os ensinamentos que o sertão baiano pode nos dar, diante do Antropoceno[3].
Este texto busca compor um espaço de encontros contaminantes (Tsing, 2022), onde fricções entre modos distintos de ver/falar o sertão, que nem sempre se engajam de forma consonante, podem gerar sínteses disjuntivas (Deleuze; Guattari, 1974, pp. 175-182) ou equívocos produtivos (Tsing, 2005), evocando a prática cosmopolítica de Isabelle Stengers (2018), para buscar formas de convivência em um mundo compartilhado, mas não unívoco. Como sugerem Blaser e La Cadena (2021), trata-se de construir um mundo incomum, onde o comum pode surgir de divergências produtivas reconhecidas, em vez de apagar diferenças.
(Leia o ensaio completo em PDF)
[1] Compositor, professor adjunto do Departamento de Música da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: paulo.r.filho@ufsm.br
[2] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: luiza.vieira@acad.ufsm.br
[3] VIEIRA, Luiza. A resistência dos Jerivás: criar refúgio com a permacultura, em uma paisagem rural em Agudo-RS. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2021. Orientador: José Marcos Fröehlich. Disponível em: http://repositorio.ufsm.br/handle/1/31632
Composições sobre a seca no sertão: cosmopolítica, música e antropologia
RESUMO: Este ensaio propõe uma zona de experimentação criativa e analítica tecida entre a antropologia e a composição musical, tendo como eixo o entrelaçamento de histórias diversas contadas sobre e com a água no sertão baiano, especificamente a região sisaleira. Os depoimentos que compõem a peça acusmática Crise de Sol ocupam um papel central nesse diálogo, porém suas vozes se emaranham com existências diversas, tendo a água como sujeito transversal, ao qual todos respondem nessa polifonia sertaneja. Partindo da noção de ecologia de práticas da filósofa Isabelle Stengers (2021), o texto explora as fricções entre diferentes modos de apreender e narrar o sertão, promovendo encontros que geram equívocos produtivos a partir de um desejo de diplomacia. Esperamos que este texto reflita a entrecostura de práticas criativas e analíticas distintas (musical e antropológica) que se utilizam de ferramentas e estratégias discursivas díspares, fazendo do próprio texto acadêmico um evento cosmopolítico.
PALAVRAS-CHAVE: Ecologia de Práticas. Cosmopolítica. Composição musical. Sertão. Desertificação.
Compositions on drought in the sertão: cosmopolitics, music and anthropology
ABSTRACT: This essay proposes a creative and analytical zone of experimentation woven between anthropology and musical composition, with a central focus on the entanglement of diverse stories told about and with water in the sertão of Bahia, specifically the sisal territory. The characters of the acousmatic piece Crise de Sol play a central role in this dialogue, yet their voices intertwine with other diverse existences, with water as a transversal subject to which all respond in this sertanejo polyphony from sertão. Drawing on the notion of an ecology of practices by philosopher Isabelle Stengers (2021), this text explores the frictions between different ways of perceiving and narrating the sertão, fostering encounters that generate productive misunderstandings out of a diplomatic desire. We hope this text reflects the interweaving of distinct creative and analytical practices (musical and anthropological), which employ disparate discursive strategies and tools, making the academic text itself into a cosmopolitical event.
KEYWORDS:Ecology of Practices. Cosmopolitics. Music composition. Sertão. Desertification.
RIOS, Paulo. VIEIRA, Luiza de Albuquerque Leite. Composições sobre a seca no sertão: cosmopolítica, música e antropologia [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/composicoes-sobre-a-seca/