Carolina Cantarino, Cristiana Gonzalez, Diego Vicentin, Carolina Scartezini e Marta Kanashiro | IoT nas tramas da ficção
Carolina Cantarino Rodrigues[1]
Cristiana Gonzalez[2]
Diego J. Vicentin[3]
Maria Carolina Scartezini Cruz[4]
Marta Mourão Kanashiro[5]
Apresentação
Brasil, 2019. Risos nervosos, expressões incrédulas e paralisia diante do espetáculo absurdo[6] das práticas e discursos que nos violentam cotidianamente. Seguimos esgotados com a incessante negação da política, da vida e do pensamento – negacionismo que ressoa a pulsão de morte do presente neoliberal.
Neoliberalismo e genocídio (GEORGE, 2002), aceleração e aniquilação (SANTOS, 2018), Antropoceno e fascismo (VALENTIM, 2018) caminham juntos nas avaliações que prefiguram cenários de um horror indizível. “Agora chegamos no ponto em que a lógica da exclusão se transformou, aqui, em lógica do extermínio” (SANTOS 2018, p. 7).
Como criar modos de dar expressão e nomear as forças vigentes na atualidade sem ser tragado por seu vórtex letal? Talvez passar rapidamente sem se demorar para desviar do perigo de ser por elas engolido. Também não menosprezar seu complexo funcionamento, levando em conta que há muitos modos de morrer (SANTOS, 2018).
É desse lugar de fala e ponto da história que as pesquisas, as vidas, os pensamentos, os modos de estar e agir no mundo estão colocados. Diante da violência, do absurdo e do esgotamento, continuaremos vergonhosamente insistindo em ser burocratas do pensamento? Esse ponto de partida nos obriga ainda a outras questões: como fazer e criar sentido na produção de pesquisa? Que formas podem assumir nossas teorias e metodologias a partir desse ponto de desmonte em que nos encontramos?
Se estamos diante de algo inominável, é com a impossibilidade de nomeação que devemos lidar também na hora de produzir pesquisas, teorias, metodologias. A invenção, a experimentação passam por esse lugar, por esse momento em que não é possível atribuir nomes.
Para Foucault (1995), qualidades inominadas passam também por uma estética da existência ou uma arte de viver que são inerentemente vinculadas à intensidade, à invenção, à experimentação constantes e permanentes. É isso que possibilita organizar estratégias e técnicas e se vincular a outros modos de vida possíveis, ou a tornar possíveis modos de existências que não o eram até então. É desse tempo e espaço do vínculo com o inominável que precisamos nos reapropriar. É o que possibilita ocupar táticas e estratégias, técnicas de existência e insistência na vida. É uma vontade política que não se adapta mais aos fundamentos e códigos que regulam a vida, que não se adapta mais a certezas e verdades, dogmas e hierarquias preestabelecidos.
Essa estética da existência é tanto uma transformação de si, como lugar de invenção e criação que sejam insurgentes a interesses, docilidades e utilidades. Se por um lado podemos nos reapropriar do inominável por meio disso que é invenção e experimentação, por outro, também podemos nos aproximar do esgotamento como uma progressiva desconexão com fundamentos já dados. É o esgotamento do possível como visto por Deleuze (1992), que suspende a utilidade prática daquilo que estava dado. Diante do momento de pulsão de morte, precisamos assumir essa desconexão, que requer aquilo que Nietzsche (2014) nos apresenta como “aguda indiferença”, que no limite é a exaltação da vida, da criação.
Brasil, 2019. Um grupo de pesquisadores de uma universidade pública se reúne para escrever. Neste momento, já não podemos nos colocar do mesmo modo diante da escrita e da pesquisa. Do papel da escrita, do papel de pesquisadores, do papel do conhecimento. Qual papel nos caberá, agora?
Ao fazer essa pergunta, não queremos recusar nenhum desses papéis. Por isso iremos rasgá-los em fragmentos de escrita, para fazer ressoar outra pergunta: como fazer do papel, da escrita, um combate à política de morte?
Movidos por esses questionamentos é que propomos adentrar as tramas tecidas com a chamada Internet das Coisas (IoT, sigla em inglês), termo que vem sendo utilizado para descrever um cenário de conectividade ubíqua entre objetos técnicos. Os objetos produzidos e consumidos nesse meio são interoperáveis, trocam informações e se regulam reciprocamente. A Internet das Coisas é uma outra internet que reatualiza a utopia cibernética de um mundo hiperconectado numa grande circulação na qual tudo se comunica. Trata-se de uma rede de comunicação pensada primordialmente para conectar as máquinas entre si (machine-to-machine communication). Cabe então perguntar: de quais maneiras o humano se acopla a esse modo de comunicação?
Mobilizando a escrita como uma tecnologia de visualização (HARAWAY, 1995), propomos dar a ver algumas das forças em jogo nos saberes, poderes e modos de subjetivação ativados em meio à IoT e seu universo tecnopolítico. Inspirados pela leitura de Ursula Le Guin (2014), procuramos abrir pela ficção um caminho outro de encontro com o mundo todo vivo (LISPECTOR, 2009) da IoT, buscando encontrá-la em seu próprio meio, para fazer com ela uma realização experimental (STENGERS, 2017). Da ficção, extraímos ainda a possibilidade de experimentar modos especulativos de escrita (HARAWAY, 2016) já que o que nos importa é fazer ver as promessas de futuro delineadas nas simulações, prospecções, tendências e projeções envolvendo a IoT. Tais promessas funcionam como profecias autorrealizáveis que nunca se completam do modo como foram planejadas, ainda que essas ficções do poder queiram reduzir as ilimitadas possibilidades de relação com as tecnologias aos futuros pré-figurados em meio à vigilância, controle, automatização e quantificação da vida.
Nesse sentido, quando o vir a ser e a antecipação do futuro tornam-se o lugar-tempo de embate político (SANTOS, 2003), as ficções especulativas tornam-se politicamente relevantes e nos permitem criar modos diferentes de nos enredarmos, com a escrita, na trama da IoT. Para tanto, preferimos não homogeneizá-la numa narrativa totalizante ou única, mas nos deixar afetar pela complexidade do emaranhado de linhas de força que as compõem. Por isso, nos modos especulativos de escrita aqui experimentados, aderimos às interrupções e bifurcações que farão a escrita ir diferindo de si mesma ao longo deste artigo[7], a partir dos distintos materiais que ela encontra (imagens, conceitos, enunciados). Como modo de combate às forças da inexorabilidade e unidimensionalidade que desejam homogeneizar, rebaixar e negar a vida, o movimento de diferenciação da/na escrita torna-se metodológica e politicamente importante. Há muitos modos de viver.
Promessas de futuro
O novo sempre vem. A sucessão de gerações costuma ser usada como fundamento para essa afirmação. Nas redes celulares, cada geração tecnológica traz consigo ao menos uma promessa de novidade. A digitalização do sinal (2G) permitiu a entrada de novos usuários no sistema e o envio de mensagens de texto (SMS). Pouco depois (2,5G) a rede transmitia arquivos multimídia para aparelhos com tela colorida e câmera integrada. A navegação na Internet e a utilização mais intensa de aplicativos foram promessas da terceira geração (3G). A quarta geração (4G) prometeu entregar conexão de banda larga móvel com performance comparável às redes por cabo, capaz de suportar streaming e outras aplicações que demandam baixa latência. O 5G, por sua vez, promete entregar a tão falada Internet das Coisas (IoT, em inglês) e ainda servir de base para uma incógnita “quarta revolução industrial” que também atende por “indústria 4.0”.
Uma das promessas vinculadas ao 5G é nada menos que uma reestruturação das forças produtivas tão profunda quanto a provocada pela computação em rede no século XX e pela eletrificação no século anterior. A “quarta revolução industrial”, tal como formulada por Klaus Schwab (2019), fundador e secretário-executivo do Fórum Econômico Mundial, antecipa e planeja uma ruptura no modo de produção industrial-capitalista que envolve a Internet das Coisas, biotecnologia, Inteligência Artificial, computação quântica, nanotecnologia, impressoras 3D e cidades inteligentes. Ela antevê mudanças drásticas na relação entre as forças produtivas, o trabalho e o consumo. Na perspectiva das sucessivas revoluções, estamos vivendo a terceira revolução industrial desde meados do século XX que se caracteriza pelas tecnologias da informação, pela computação em rede e pela progressiva digitalização do mundo. Schwab (2019) reconhece que a quarta revolução industrial propõe aprofundar tendências inauguradas pela terceira, especialmente do ponto de vista da aceleração e da escala. Pouco importa, aqui, se essa perspectiva está certa do ponto de vista histórico. O que interessa é a ficção. O que nos importa é notar que há um trabalho de antecipação e planejamento das tecnologias e das forças produtivas que é feito em determinados circuitos de poder (como o Fórum Econômico Mundial, mas também em organizações definidoras de padrões tecnológicos como o 3GPP e a ITU) que exercem influência decisiva sobre o modo como se configuram nossas infraestruturas de informação e comunicação.
O 5G pretende funcionar como a infraestrutura de transmissão de dados (em alta velocidade) que viabilizará as mudanças para a “indústria 4.0”. A automação deve atingir níveis ainda maiores e fábricas inteiras terão suas atividades controladas à distância. No agronegócio a utilização de redes de informação deverá ajudar a controlar e manejar mais eficientemente rebanhos e estoques de grãos. Na indústria médica, além do controle e da verificação de equipamentos médico-hospitalares, há a possibilidade de cirurgia remota e da multiplicação de equipamentos de monitoramento das condições de pacientes. Um dos projetos aprovados para desenvolvimento e implementação no âmbito do plano nacional de IoT prevê o “monitoramento remoto para controle de sepse em crianças com câncer” bem como “monitoramento remoto aplicado à qualidade do sono”[8] A saúde é um dos campos mais sensíveis em relação à segurança e tratamento de dados. Dados médicos podem ser decisivos para melhores tratamentos, bem como para a discriminação de pessoas de acordo com suas condições de saúde, criando e reforçando desigualdades. O “ataque hacker” com efeitos mortais sobre pacientes cuja medicação será controlada por dispositivo IoT me parece algo mais raro que a utilização inapropriada de dados dos pacientes pelo “capitalismo de vigilância” (Zuboff, 2018) e por formas algorítmicas de exercício de poder.
No espaço urbano o impacto do 5G promete ser drástico. É onde a Internet das Coisas e a quarta revolução industrial encontram as tão faladas “cidades inteligentes”. Podemos rechear o texto com serviços e objetos que vão ficar “inteligentes”. A revolução nos sistemas de transporte (público e privado) inclui veículos autônomos controlados por redes 5G. As mudanças previstas nas redes de distribuição de energia, de iluminação pública, e nos sistemas de segurança e monitoramento devem contar com a infraestrutura 5G. Até sistemas de navegação para drones estão sendo testados a partir da 5G[9]. Tudo isso pretende ser sustentado pela rede celular de quinta geração que, para isso, promete entregar o que vem sendo chamado de comunicação ultraconfiável de baixa latência (Ultra Reliable Low Latency Communication – URLLC).
Um fator decisivo para o ganho na performance de transmissão da rede está ligado principalmente à adoção de mecanismos de gestão como o slicing (ou fatiamento) que cria uma rede privada, exclusiva para determinada empresa ou serviço, dentro da infraestrutura da operadora de rede. Práticas como essa são questionadas pelo princípio de neutralidade da rede nos serviços de Internet por cabo. Já as empresas operadoras de rede celular (ou móvel) têm se mostrado curiosamente imunes ao princípio que estabelece tratamento igual aos pacotes que trafegam na Internet (vide práticas de zero-rating). A questão é justamente até onde se estendem as fronteiras da Internet[10].
Esse cenário e seus diversos planos convertem as promessas de futuro em graves ameaças. No plano geopolítico, a importância do 5G tornou-se mais evidente a partir do conflito entre Estados Unidos e China. Os EUA e alguns países da Europa lideraram o processo de invenção e implementação das redes celulares desde a geração analógica. Qualcomm, Intel, Cisco e IBM são exemplos de empresas norte-americanas que exercem influência decisiva sobre o mercado global de TICs. A primeira, é detentora das patentes essenciais de padrões sem os quais não é possível montar smartphones regularmente. A empresa recebeu oferta de compra que foi vetada por ordem do presidente dos EUA de sua concorrente, Broadcom. O negócio teria valores próximos a 160 bilhões de dólares, configurando a maior negociação da história da indústria tech[11]. O veto à continuidade das negociações entre Qualcomm e Broadcom justificou-se pela suspeita sobre relações da Broadcom com “entidades estrangeiras”.
A China vem investindo fortemente nas redes móveis ao menos desde a terceira geração quando a Huawei e ZTE desenvolveram equipamentos 3G por encomenda da maior operadora do mundo, China Mobile. O sistema chinês diferia dos padrões adotados na Europa e nos EUA e foi implementado principalmente na China e alguns países da África. Já na passagem para os sistemas 4G as empresas chinesas trabalharam de maneira próxima aos organismos de padronização como o 3GPP e a tecnologia chinesa atingiu mercados do capitalismo desenvolvido. A indústria chinesa detém patentes essenciais de uma variante do sistema LTE (4G). Já não é de hoje que uma nova hegemonia na indústria de eletrônicos vem sendo anunciada por aqueles que acompanham de perto a estratégia chinesa no campo da definição de padrões técnicos e da propriedade intelectual[12]. Uma hipótese considerada é a de que se a batalha está perdida e não é possível equiparar-se à China no 5G, é melhor juntar-se a eles.
Mas isso não está resolvido. A ofensiva de Trump pode atrasar a implementação do 5G em mercados centrais e garantir algum tempo de recuperação à indústria estadunidense. A Huawei pode ser afetada mortalmente pela impossibilidade de negociar com empresas americanas que lhe fornecem componentes (como Qualcomm e Intel), mas, sobretudo com a necessidade de ter que criar uma variante do Android diferente da Google. A medida deve causar prejuízo aos dois lados, não por menos Qualcomm e Intel estão trabalhando nos bastidores contra o veto. A Huawei representa 11 bilhões de dólares apenas para a Qualcomm. A balança comercial com a China é uma questão para a administração Trump. Mais que isso, parte da elite estadunidense entende que a “segurança nacional” depende de uma liderança inquestionável do país em ciência e tecnologia.
No início de 2018, um memorando interno ao Conselho de Segurança Nacional do governo dos EUA foi vazado para a imprensa[13]. Sua proposta: ação direta do governo dos EUA no desenvolvimento e implementação da infraestrutura 5G de modo centralizado como meio de garantir hegemonia econômica, tecnológica e de cibersegurança. O memorando enfatiza que não há como garantir segurança da infraestrutura 5G implementada e operada por empresas estrangeiras. Isso deixaria o sistema vulnerável não apenas à vigilância e à espionagem, como também a ataques diretos ao funcionamento de infraestruturas críticas, como a produção e distribuição de energia e sistemas de transporte. Na semana do vazamento, o responsável pelo memorando foi afastado do conselho de segurança. O General Brigadeiro Spalding se aposentou de suas funções na Aeronáutica e vem se manifestando amplamente sobre as ameaças que o 5G representa especialmente levando em conta o predomínio chinês[14].
Um ano depois, no começo de 2019, especialistas em cibersegurança da agência de inteligência australiana simularam ataques a sistemas 5G da Huawei. O relatório interno novamente foi tornado público colocando em xeque a confiabilidade da empresa, apontando para seus laços com o governo chinês. Pouco depois desse relatório, o governo Trump publicou a lista de “entidades estrangeiras” com as quais as empresas americanas não podem nutrir relações comerciais senão com expressa autorização do governo. A Huawei, claro, consta na lista. Esses episódios são utilizados no embate de narrativas da guerra comercial e tecnológica entre EUA e China. O clima de armistício é tal que, na China, a cabeleira do presidente Trump virou um objeto para limpar privadas tornando-se sucesso de vendas[15].
Ora, mas o que cabe a nós reles mortais? Qual a preocupação do usuário final num país da periferia do capitalismo? Todas. Desde o desemprego estrutural que não é novo, mas deve expandir-se para o setor que mais emprega e gera renda entre nós: os serviços. Até o controle fino de nossas atividades mais rotineiras a tal ponto em que não vamos poder perceber o poder exercido por nossos dispositivos (e indiretamente por aqueles que definem seu funcionamento) sobre nossos modos de existência.
Anotações
1a Anotação: Notícia que chega de longe. Algumas palavras não ditas. Um poema.
Não há melhor forma de começar esse relato do que reproduzindo, entre aspas e palavra por palavra, o que foi publicado hoje no jornal Valor Econômico[16]:
“Em duas semanas será inaugurado em São Paulo o açougue ‘gourmet’, uma parceria da empresa JBS com o supermercado Pão de Açúcar. Um grande momento histórico está se aproximando, quando a Grande Circulação envolverá novos espaços. A área de 125 metros quadrados na loja Real Parque será exclusiva para os cortes de alto valor agregado da linha 1964, e contará com uma câmara especial para a maturação a seco, processo conhecido como “dry aged”. Joesley Batista afirmou no lançamento do projeto que ‘produtos seguros, nutritivos e saborosos devem também manter o compromisso com o bem estar humano e animal’. Há mil anos nossos heroicos antepassados submeteram o território global ao poder do Agro Estado. Uma façanha ainda mais gloriosa está diante de nós: enquadrar a infinita equação da natureza à Grande Circulação de dados, de fluxos e que cospe fogo e informações. Todos os seres vivos estarão integrados no planeta. Espera-se agora submeter ao jugo benéfico da razão o desconhecido, incluindo habitantes de outros mundos, do pasto, das fazendas, do meio rural, que ainda se encontrem em estado selvagem de liberdade e, por isso, ainda sofrem maus-tratos. Se não compreenderem que levaremos a eles a felicidade matematicamente infalível da tecnologia IoT, o nosso dever é obrigá-los a serem felizes. Mas antes de recorrermos às armas, ao abate, ao confinamento, recorreremos à quantificação.
Em nome do Capitão, nosso benfeitor, anuncia-se a todos os dispositivos, a todos os sensores conectados do Agro Estado:
Todos que se sentirem capazes, façam uma prece, componham uma ode, escrevam poemas, contabilizem e compartilhem tudo que sabem sobre a beleza e a grandeza do Agro Estado!
Este será o primeiro lote de informações a ser compartilhado e disseminado como marketing pela Grande Circulação aos consumidores que frequentarem o espaço do açougue gourmet.
Viva o Agro Estado! Viva todos os sensores! Viva o Capitão!”
No momento em que transcrevi essas exatas palavras senti um frio na barriga, um rubor nas faces, um estado corpóreo de excitação. Sim: integrar o imprevisível mundo natural. Sim: dissolver a curva selvagem em uma linha reta de figuras quantitativas, corrigir o movimento do mundo com protocolos, categorias e indicadores, impor uma ordem imaginária às coisas[17]. A uni-dimensionalidade é grande, divina, sábia, veloz…
Sou a C-192490, apenas mais uma entre matemáticos que ajudou a desenvolver a tecnologia da Grande Circulação. Na última etapa, selamos nosso pacto com o poder oligárquico. Salve o modelo primário-exportador! O poder do atraso finalmente mostrou toda sua potência ao reprimarizar a economia, atacar os problemas de eficiência do presente com um ímpeto futurista. Como disse nosso benfeitor, vamos reestabelecer a ordem a este Mundo, não deixaremos que ideologias nefastas destruam nossos valores e tradições. A tradição associada à IoT vai nos brindar um futuro melhor, mais igualitário e meritocrático. Quando o projeto se completar, teremos expandido o controle do processo e alcançado a magnificência. Tudo será customizado para os clientes das butiques de carne, um do-it-yourself das proteínas. Se em algumas zonas o gado bebe cerveja, recebe massagem e passa por sessões de relaxamento[18], a Grande Circulação expandirá o modelo, promovendo o avanço tecnológico na agricultura enquanto atende a “vontade do consumidor”, nosso estimado 3% que hoje consome 200 mil toneladas/ano[19] de carne premium só na nossa Área. Sabemos que é ilusão aceitar que uma progressão (aritmética) de alimentos, supondo que ela se produza, compensará a progressão (geométrica) de desigualdades. A escassez alimentar ronda nossas cabeças e o vazio dos estômagos; quando isso acontecer, ela afetará apenas os mais vulneráveis, que, por sua vez, não provocarão crises políticas e instabilidade social. Eles simplesmente já não fazem parte da contabilidade nacional. Não há o que corrigir, portanto. A população marginalizada não fez por merecer, dispensa nossa atenção.
Mas os bois sim. E os 3% de consumidores de bois gold também. Consumidores/usuários sim que sabem trabalhar e a eles cabe a igualdade de direitos e a eles é direcionado o desenvolvimento rural sustentável.
Gostaria de seguir à risca as instruções do Capitão e, em nome do nosso Agro Estado, escrever poemas e entregá-los ao fluxo da Grande Circulação. Mas minhas mãos, habituadas ao cálculo e às cifras, não tem poder de elaborar rimas e assonâncias. Vou apenas anotar o que vejo e registrar o que penso. Será que, se essas notas são uma expressão de tudo que vivemos, a vida matematicamente perfeita do Agro Estado, já não estaríamos diante do mais belo dos sonetos? Eu penso que sim, no fim será tudo poesia.
Enquanto escrevo esses pensamentos ainda sinto minha face arder. Acho que é a mesma sensação de quem usa uma prótese por longos anos. Ela é e ao mesmo tempo não é parte de você. E pensar que, depois de todo o cuidado de anos com algo que se assemelha a um pedaço do seu corpo, será preciso arrancá-lo com dor e entregar tudo ao Agro Estado.
Mas estou pronta para essa missão, assim como muitos sensores. Estou pronta.
2a Anotação: Um dia de boi. Porco atolado. Balé ao quadrado.
Muitas vezes fui obrigada a ler e ouvir coisas incríveis sobre a época em que as pessoas eram livres, isto é, viviam em um estado de desorganização selvagem e em constante instabilidade. Mas o que me pareceu mais impressionante foi como o estado naquela época – ainda que sua associação com o agronegócio fosse embrionária – permitia que pessoas e animais vivessem sem os dispositivos de IoT, sem exercícios e passeios obrigatórios, sem calcular calorias e saber o horário certo das refeições, sem a regulamentação exata das horas de sono? Levantavam-se e deitavam-se para dormir quando lhes desse na cabeça. Encontrei documentos com relatos sobre ruas que ficavam iluminadas toda a noite, e não quando os dispositivos detectassem movimento. Pessoas andavam nas ruas e dirigiam elas mesmas seus carros a noite inteira. As crianças eram responsabilidade dos pais. Indivíduos não se responsabilizavam pelas suas doenças nem segurança, ninguém competia entre si para trabalhar mais horas e conseguir um job.
Não sei com qual finalidade se lia tanto Kant se essa bagunça é uma espécie de lento assassinato coletivo, equivalente a matar milhares de vidas em 50 milhões de anos. Totalmente insustentável. Terei de concluir mais tarde: o interfone tocou. Levanto os olhos: S-275, é claro. Em meio minuto ela estará aqui. Veio buscar-me para o Passeio de Inauguração. Quando ela entrou, a válvula da lógica ainda zumbia com toda força dentro da minha cabeça, e por inércia comecei a falar sobre a fórmula que acabara de determinar, em que entrávamos todos nós, junto com os dispositivos e sua dança digital…Mas algo havia acontecido. Havia um traço novo no rosto de S que eu não conseguia apreender e transformar em expressão numérica.
Acontece que, quando amanheceu, o pasto havia se esvaziado. Coisa repentina, de se esfregar os olhos. Isso me afetou da mesma maneira que os termos irracionais ou irredutíveis da matemática. Mas era preciso dissimular meu desconcerto e iniciar o tour da proteína. Todos nós temos um tempo diário especialmente concedido para eventos imprevistos, mas isso está restrito ao intervalo entre 13hs e 14hs50min. Ainda era manhã.
Então comecei a explicação para os novatos:
– Antes da Guerra dos Quinhentos Anos, quando o campo dominou as cidades, avanços nas áreas da genética, nutrição e manejo levaram fazendas e granjas a desenvolverem a criação de animais de forma intensiva, resultando em problemas quanto ao bem-estar animal. Hoje, entendemos ser possível desenvolver novas práticas na criação que assegurem bons índices de produtividade e alta qualidade do produto, sem colocar o bem-estar dos animais em risco. No caso especifico da bovinocultura de corte, essas práticas assumem papel de destaque na compreensão de elementos importantes para a produção de carne. Dentre esses elementos, destacam-se: o animal em si (suas necessidades e desejos) e o ambiente de criação (ambiente físico e social, caracterizado pela disponibilidade de recursos e possibilidades de respostas adequadas, além das ações de manejo e as pessoas nelas envolvidas). O bem-estar animal indica, portanto, como o boi está lidando com as condições em que vive. Um animal está em bom estado de bem-estar (quando indicado por evidência científica) se estiver saudável, confortável, bem nutrido, seguro, for capaz de expressar seu comportamento inato, e se não está sofrendo com estados desagradáveis, tais como dor, medo e angústia.
O café da manhã coletivo com os recém-chegados havia terminado. Cantamos harmoniosamente o Hino do Agro Estado. Em harmoniosas filas de quatro pessoas, fomos para o elevador. O zumbido dos motores era quase imperceptível, descemos rapidamente cada vez mais para baixo, o coração apertou de leve… Ainda faltava toucinho na cidade, mas havia uma novidade: os leitões e porcas tinham ganhado um espaço a mais nas suas celas. Na Fazenda Inferior a densidade da granja havia sido reduzida e os animais podiam se movimentar de acordo com as instruções dos sensores e expressar seu comportamento natural.
Eu me perguntei logo em seguida: por que essa dança digital é tão bela? Resposta: porque o movimento é controlado, porque todo o sentido da dança está na subordinação estética absoluta, na ideal falta de liberdade. E se é verdade que nossos antepassados entregavam-se à dança nos momentos mais inspirados de suas vidas (cultos religiosos, paradas militares), isso significa apenas uma coisa: desde tempos imemoriais o instinto de controle é organicamente inerente ao homem, e nós, na nossa vida atual, apenas conscientemente…
Fiquei sabendo depois que fazia dias que os bois vinham desaparecendo. Apareciam nas ruas, nas encostas, na porta das casas, dentro da igreja. Uns bois calmos, confiantes indiferentes. Bom, pensei: são bois vadios, desgarrados de boiadas; qualquer dia desistem, ou eles mesmos voltam para o pasto, assim como vieram — sem aviso, sem alarde. Ou de algum jeito os dispositivos iam dar conta deles. Afinal, a Grande Circulação vinha sendo desenvolvida para isso, para que, de seres nômades e errantes, passássemos a ser sedentários.
Voltei para casa e, enquanto mastigava o almoço, percebi que era observada por dois, três pares de olhos bovinos.
3a Anotação: Visões no Túnel. Clube do Churrasco. Os Ruminantes.
Tive um sonho estranho, quase me atrasei para a reunião no Auditório Central. Conto depois. No vagão do caminho subterrâneo me apressei para o lugar onde, sobre a carreira, brilhando ao sol, ainda imóvel, ainda sem o espírito do fogo, ali, era possível avistar os elegantes micro-corpos da Grande Circulação. Fechando os olhos, imaginei as fórmulas: mais uma vez calculei mentalmente qual era a velocidade inicial necessária para lançar a “Grande Circulação” da Terra. A cada átomo de segundo, a massa/velocidade da “Circulação” se transforma (o combustível da explosão se consome). A equação se mostrou muito complexa, com proporções transcendentais. Estava tão imersa no sólido mundo numérico, alguém se sentou ao meu lado, esbarrou em mim de leve e disse: “Desculpe”. Resolvi esconder minha cara na tela e foi quando li: “Por meio de informações incontestáveis, recentemente foram descobertas pistas de uma organização movida pela ideologia de gênero que até agora tem escapado, e cujo objetivo é a liberação do jugo benfeitor do Agro Estado”.
Liberação? Só podia ser uma provocação: como são persistentes os instintos criminosos da espécie humana. Digo “criminosos” conscientemente. A liberdade e o crime são tão indissoluvelmente conectados entre si como… Bom, como a velocidade de um carro autônomo. Se v=0 ele não se move, assim como se liberdade = 0, não há crime.
Acho que preciso revisar no desenho da Grande Circulação se os tópicos fundamentais da Filosofia do Clube do Churrasco foram bem incorporados. Além da máxima principal, “Deus em Davos[20]” e do item 1, “Homem não come quiche”, é preciso assegurar que todos estejam programados para entender que foram os homens que receberam no décimo mandamento as instruções sobre como devem se comportar com as mulheres e os animais. E uma vez que a queda do homem é atribuída a uma mulher e a um animal, cabe à Irmandade do Homem excluir as mulheres e os animais do poder. A nós cabe apenas obedecer, manter o nosso bem-estar, assegurar a produtividade.
Passei o dia ruminando sobre como os dispositivos femininos estavam corroídos de preconceitos e pseudo-valores. Ao cair da noite – anúncios, prenúncios, bulícios. Senti meu corpo febril, mas isso não era possível. Sei que temos a obrigação de nos mantermos saudáveis. Como cidadã de bem, em meu interior tudo vai bem, com precisão e simplicidade… Respirei profundamente duas vezes (isso é muito útil antes de ir dormir). De repente, um odor imprevisto me fez recordar de algo muito desagradável… Logo descobri: era o cheiro do pasto. À noite, quando iam fechar as janelas para dormir e davam com os olhos com o clarão do acampamento rural, as pessoas procuravam se convencer de que não estavam vendo nada. Mas todo mundo sabia que frequentemente surgiam brigas, e seus estremecimentos repercutiam longe, derrubavam paredes distantes e causavam novas brigas, até que os empurrões, chifradas, ancadas forçassem uma arrumação temporária. O boi que perdesse o equilíbrio e ajoelhasse nesses embates não conseguia mais se levantar, os outros o pisavam até matar, um de menos que fosse já melhorava o bem-estar — mas só enquanto os empurrões vindos de longe não restabelecessem a angústia. Nas ladeiras os bois mais fracos caíam de puro cansaço com o esforço de se manterem de pé contra a avalanche que vinha forcejando de cima, caíam e iam rolando por baixo dos outros, derrubando mais alguns até alcançarem o amparo de um muro, um barranco, uma árvore, e aí ficavam moídos, quebrados, gemendo. Muitos morriam ali. Tudo muito selvagem, convulsivo, multicolorido. Mas a gente era impotente.
Não faz mal, é preciso reconhecer que eles estão aqui para nos alimentar, trazer progresso. Se há quem não entenda, e fica de pé atrás chamando de dominação, a culpa é do atraso, que é grande. Mas eles vão nos alimentar assim mesmo, vão tocar para a frente de qualquer maneira. Quem não gostar que coma menos.
Sentei um pouco, mas logo senti uma lambida áspera no pescoço. Contive o sobressalto e falei:
– Quem não deve não teme.
– Aí que está o seu erro. Você fala como se não tivesse acontecido nada. Direitos? Que direitos?! Quem não deve não teme! Tudo isso já morreu.
Não tenho culpa se estou doente. Mesmo assim me levaram lá para dentro. Eu reagi. Muitos me seguraram. Gritei, xinguei, mordi. Eles me amarraram.
Humano-máquina, máquina-máquina
De quais modos o humano adentra a Grande Circulação? Atentos às relações que estão sendo propostas nas simulações, promessas e projeções, as potencialidades da hiperconexão ativam um modo de subjetivação na medida em que a relação entre o humano e a máquina pode ser convertida numa relação máquina-máquina através de novas modalidades de automatização. Nessas ficções, a automatização é o que extingue o humano. De quais modos ele pode desaparecer? Há muitos modos de morrer…
Podemos seguir os rastros dessa extinção nas tramas da IoT através dos modos pelos quais as novas tecnologias de informação e comunicação se conectam à vigilância e ao controle. Shoshana Zuboff (2018) nos oferece um indício instigante ao afirmar que a automatização torna-se relevante porque produz informação. Permanecer conectado à Internet é um modo de mobilização crucial para a versão atual do capitalismo que se alimenta da extração e análise de dados, da conversão dos fluxos vitais em informação.
Nesse sentido, a automatização é um modo de engajamento dos corpos na mobilização incessante que o capital faz da vida para destiná-la à acumulação pela acumulação. A automatização é um modo de subjetivação que se espalha como um gás, afetando os corpos como um feitiço na medida em que suas práticas não se confinam mais em determinados espaços, tempos, sujeitos e instituições: suas práticas nos atravessam.
De quais maneiras a automatização converte o humano em máquina e permite que a equação homogeneizante máquina-máquina seja alcançada, convertendo as ilimitadas possibilidades de relação com as tecnologias, reduzindo-as a um automatismo maquinal? No sonho cibernético sonhado pela máquina capitalista e seu desejo de funcionar de modo auto-regulado, a máquina sonha o humano assujeitado em ações e comportamentos previsíveis que, assim, poderá ser a ela acoplado. Quais outras imagens fazem parte desse sonho?
A história do capitalismo também pode ser lida à contrapelo através dos procedimentos técnicos de diversos regimes perceptivos. Paul Virilio (2005) busca investigar a imagem como dispositivo de visualização – que condiciona o que se pode e o que não se pode ver – a partir da sua relação com a guerra. Não haveria somente uma logística das armas, territórios e populações mas também das imagens e dos sons. A guerra se efetua tecnicamente, através das mais variadas tecnologias produtoras de imagens e sons, dentre elas o cinema, com o surgimento da imagem em movimento na virada do século XIX para o XX.
Ao se dedicar ao cinema e suas relações com o pensamento, Gilles Deleuze (2007) apresenta os procedimentos pelos quais a imagem em movimento do cinema moderno (dentre eles, a montagem e seus cortes sucessivos) produziu uma subjetividade automática. Através da produção de vibrações dirigidas diretamente ao córtex cerebral, essas estimulações nervosas fazem nascer corpos sensório-motores viciados nos efeitos físico-químicos que os choques sensoriais podem provocar (a surpresa, o espanto, o susto, o choro e outras emoções suscitadas pelas narrativas dramáticas em seu encadeamento de ações). O espectador converte-se num autômato espiritual ao ser afetado por um automatismo que hipnotiza e o impossibilita de pensar: corpos que se tornam incapazes de parar para pensar na medida em que estão prazerosamente ocupados respondendo aos estímulos recebidos.
Os modos pelos quais a imagem-movimento afeta o pensamento faz com que Deleuze (na companhia de Paul Virilio) afirme que ela está desde o seu início comprometida de algum modo com a guerra, a propaganda de Estado e o fascismo. “O autômato espiritual tornou-se o homem fascista” (DELEUZE, 2007, p. 199). Além do Autômato, a Múmia é a outra personagem evocada em A Imagem-Tempo para dizer de um estado de paralisia e anestesia que acomete os corpos tornados impotentes para pensar.
Hannah Arendt (2010,1999) também relaciona automatismo e fascismo e é dessa relação que emerge a própria banalização do mal. No cumprimento de ordens, na indiferença, nas ações burocráticas, nos códigos morais cegamente seguidos, nas ações repetitivas e funcionais daqueles que seguem atordoados e tranquilos, o humano desaparece. O humano é aniquilado com/nos comportamentos que impedem uma avaliação ética das experiências de vida e de morte. Nesse sentido, a ênfase no desempenho e seus resultados, para a filósofa, constituem uma tendência behaviorista que é letal porque aniquila a possibilidade de pensar. A atualidade da obra de Hannah Arendt é a sua coragem em afirmar que o horror e o mal absoluto do Holocausto não foram obra de seres monstruosos e excepcionais mas foram/podem ser cometidos por qualquer um que se torne automaticamente incapaz de pensar.
Vale sublinhar que, guardadas as diferenças entre suas filosofias, tanto em Deleuze quanto em Arendt, o pensamento não se reduz a uma atividade cognitiva: ele diz respeito diretamente à vida porque é um ato de criação, uma força vital – um modo de conversão dos fluxos vitais que intensifica a potência de criação e diferenciação. Nesse sentido, o pensamento se politiza na medida em que exige o gesto de se parar para pensar, de interromper, fazer falhar os automatismos que ganham cada vez mais velocidade.
“A técnica é um tipo de alimento novo que de uma certa maneira vai no mesmo sentido que os alucinógenos e as drogas químicas” nos diz Paul Virilio (1998, p.145) ao afirmar que a disseminação do funcionamento cibernético – a cibernética social – faz com que as novas tecnologias de comunicação e informação – tecnologias de tempo real – acelerem esse processo, acelerem a própria aceleração. O que interessa aqui é a rapidez e os modos de engajamento dos corpos que essas tecnologias suscitam – excitantes artificiais nos quais estamos imersos e que visam a ativação cerebral de um sistema recompensa no qual a resposta (feedback instantâneo) deve ser – a cada vez e cada vez mais – imediata.
As tecnologias de tempo real alcançam então aquela que seria a última fronteira: a colonização dos corpos. Ao condicioná-lo ao ato reflexo da ação e reação, do estímulo e resposta, à temporalidade da instantaneidade e do imediato, busca-se uma padronização perceptiva e a eliminação de outros modos de percepção e afecção. Qual o preço a ser pago em nome da manutenção-estabilidade desse circuito cibernético hedonista? A substituição da reflexão por um reflexo condicionado, diz Virilio. O comprometimento da capacidade de pensar.
O pensamento – sua temporalidade viva expressa no trabalho e esforço que ele exige como prática e modo de criação – é então suspendido em nome de um sensorialismo banal, rápido e fácil das emoções e sentimentos proporcionados pelos cinco sentidos da percepção humana já que “a lei do menor esforço impõem que se deva produzir somente máquinas para acelerar” (VIRILIO, 1998, p. 136). A meta torna-se o gozo-prazer-alívio como descarga a ser incessantemente buscada, custe o que custar. Tem-se a intensificação da estimulação tornada ilimitada: a busca pela próxima imagem/dose – o próximo post, tweet, curtida, episódio da série… – a provocar o choque perceptivo, que, a cada vez e cada vez mais, deve ser mais intenso e violento. Nessa corrida eliminatória, a hiperestimulação e o próprio estado hipnótico tornam-se insuficientes: a aceleração as converte então em superexcitação, transe, alucinação, delírio.
Caberia então mapear essas tecnologias de feitiço do capitalismo contemporâneo destinadas a engajar os corpos em sua mobilização incessante – a aceleração da aceleração como movimento ilimitado voltado à acumulação pela acumulação.
Muitas abordagens contemporâneas têm-se se dedicado a pensar esse modo de subjetivação e sua configuração num plano sensível, vibrátil, intensivo da realidade. Delas emerge um novo materialismo, que exige uma análise somatopolítica da economia mundial, como propõe Paul B. Preciado (2018), ao defender que o verdadeiro motor do capitalismo atual é o controle da subjetividade através de um complexo material e virtual que visa a indução de estados mentais e psicossomáticos de excitação, relaxamento e descarga (PRECIADO, 2018, p. 42). Trata-se de um circuito global de excitação-frustração-excitação – do qual participam a indústria farmacêutica e a a indústria pornográfica em seus entrelaçamentos com as tecnociências e as tecnologias de comunicação e informação. Para a expropriação da força orgásmica dos corpos, é preciso que eles se mantenham incessantemente motivados, em seu melhor desempenho, através de seu engajamento num circuito de produção industrial de imagens e substâncias químicas no qual circulam testosterona, dopamina, serotonina, Viagra, Prozac, palestras motivacionais, vídeos pornôs, selfies…
A automatização como modo de subjetivação suscitada pelas tecnologias de informação e comunicação ressoa, portanto, um conjunto vertiginoso de dessubjetivações e assujeitamentos produzidos pelo capitalismo que funciona como uma servidão maquínica (LAZZARATO, 2014) ou feitiçaria (PIGNARRE & STENGERS, 2011). As mensagens, conteúdos, ideologias, representações, significados e sentidos dirigidos aos corpos individuais dotados de razão e consciência perdem então sua eficácia diante dos corpos dividuais afetados pelos signos a-significantes e seu modo de comunicação que atinge a dimensão inconsciente, pré-subjetiva, virtual, potencial, intensiva, vibrátil da vida.
Caberia então re-animar o autômato. Desenfeitiçar os corpos considerando o funcionamento maquínico do capitalismo. Como desativar o funcionamento do autômato que existe em nós? Criar modos de desativação do automatismo como modelo de relação homem-máquina, para que outras alianças com as tecnologias possam emergir.
Um mundo todo vivo tem a força de um Inferno
Quando eu era criança, minha família me levava – quase todo final de semana – pra passear num shopping center. Era década de 80. Tinha uma loja que era uma fotóptica. Punham uma câmera fotográfica disparando o flash na vitrine pra chamar a atenção dos passantes. A luz piscando me atraia. Eu ficava hipnotizada em frente à vitrine posando freneticamente como se aquela lente estivesse lá pra me ver. Eu vi as primeiras filmadoras de uso doméstico. Aniversário de criança de classe média em buffet. Os parentes queriam ficar parados em frente à filmadora pra imagem não sair tremida e eu queria dançar! Eu sabia o que era a máquina enorme, a lente, a luz, o microfone. Eu queria dançar. Dançava, feliz, diante da câmera, a televisão, o cinema, eu dançava pro futuro, dançava pro mundo que não me conhecia. As avós tentavam me segurar – em vão – eu dançava. Dançava nos corredores do metrô. Dançava no corredor do shopping em frente ao flash disparado da fotóptica. Agora por onde eu corro têm câmeras. Algumas sem flash, dentro dos museus, das salas de espetáculo, sem flash, nas portas de todas as lojas, no interior de todas as lojas, nos carros, nos vagões, nas ruas, tem câmeras. Eu corro pelos lugares cheios de lentes – algumas invisíveis, mais eu as sinto, eu sei que elas me veem – em todos os lugares cheios de gente com celulares nas mãos, alguns com flash, eu corro e por onde eu vou as câmeras me seguem, e agora todas as câmeras também têm microfones-ouvidos, eu corro e danço e faço poses pras selfies dos outros que não dançam, só posam, alguns dançam e fazem lives eu danço, eu corro e danço e poso e sorrio… É um mundo todo vivo, todo vigiado por câmeras, algumas invisíveis, eu sinto, e agora as câmeras também têm ouvidos e cérebros que calculam, elas juntam a minha imagem com as imagens de todas as danças que elas já viram, juntam as minhas palavras com um emaranhado, um fluxo, uma rede selvagem de palavras, pensamentos, desejos, de um mundo todo vivo. As câmeras, os microfones, os sensores de som, sensores de movimento, sorria!, você está sendo arrastada pelas lentes dos dispositivos, as telas, as teletelas, e eu danço, danço sem parar, as velhas não me seguram, as velhas do outro mundo, do mundo que já não existe, olham pra mim e falam de mim – ela já sabia, ela já sabia o que a máquina de guardar memórias para os olhos do futuro queria – eu danço, eu corro com os corredores cheios de olhos que sempre me veem, sempre me veem, um mundo todo vivo que me olha, me ouve, me interpela, me pede que eu siga o fluxo das informações, imagens, palavras, desejos, eu danço o meu desejo de ser vista com a força de um Inferno, eu danço pro futuro, eu danço e a minha dança se perde num mar de outras danças em algum canal de compartilhamento de vídeos, na memória saturada dos dispositivos móveis que já não têm espaço pra mais nada, eu danço sem parar, eu falo sem parar, eu forneço informações pros cálculos inventados, eu alimento os cálculos, os cálculos alimentam os bois, a soja, os balões de oxigênio, os sinais de trânsito, a minha dança alimenta as teorias da conspiração, alimenta os movimentos das marés, alimenta as nuvens até que elas desabem. Eu danço e as pessoas não me olham, elas me filmam, elas me filtram pelas telas, me enquadram, me compartilham, mas não me olham, elas olham o vídeo, me sobem na nuvem, me baixam, as nuvens desabam, as pessoas morrem tirando selfies, imagens pro futuro de quem não está mais presente, dados, estatísticas, algoritmos, eu danço. Eu danço os dados, as estatísticas, os algoritmos, eu danço, eu estou presente diante de todas as câmeras, eu estou no futuro do meu passado, eu me vejo dançando no reflexo das vitrines, das janelas do metrô, dos espelhos falsos onde se escondem mais câmeras, tudo tão seguro, tudo é perigoso, tudo é divino, maravilhoso!, onipotente, onipresente, onisciente, tão seguro ser vista sempre, nenhum gesto em vão, nenhum sorriso despercebido, nenhuma expressão perdida, tudo dados tecendo uma trama selvagem de informações que precisam ser analisadas, calculadas, manipuladas, vendidas, eu danço com todos esses dados, analisada, calculada, armazenada pra utilidades obscuras, eu danço e ninguém tenta me impedir, as velhas do presente sabem o que eu estou fazendo. Eu danço para um mundo todo vivo com a força de um Inferno. Danço pras pessoas com seus dispositivos móveis. Danço pra ilusão da privacidade. Pras paredes que me escutam. Pras lentes cegas das câmeras de plástico e seus imperativos para que eu sorria. Pros eletrodomésticos com cérebros digitais. Pras redes de otimização do trabalho no campo. Pros satélites. Pros extraterrestres que um dia encontrarão nosso lixo espacial cheio de dados aleatórios. Eu danço pro mundo todo vivo cheio de pessoas, dispositivos, informações… Oh, maravilha! Eu me admiro diante das câmeras, das pessoas, da dança frenética dos dados crus. Admirável mundo novo onde vivem todos eles!
Referências
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
BAPTISTA, Fabiana Campos. Beckett com Deleuze: tecituras possíveis do esgotamento. Revista Em Tese, v.21, n.2, maio-ago 2015, Belo Horizonte: UFMG. Disponível em: http://www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/emtese/article/view/9495. Acesso em: 15 dez. 2019.
BECKETT, Samuel. O Inominável. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2009.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.
______________ Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.
FOUCAULT, Michel. A. História da Sexualidade III: O Cuidado de Si. São Paulo: Edições Graal, 1985.
GEORGE, Susan. O Relatório Lugano. Sobre a manutenção do capitalismo no século XXI. São Paulo: Boitempo, 2002.
HARAWAY, Donna. Staying with the Trouble: Making kin in the Cthulhucene. Duke University Press, Durham e Londres, 2016.
HARAWAY, Donna. Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu: 5, p. 07-41, 1995.
HENZ, Alexandre de Oliveira. Estética do esgotamento, extratos para uma política em Beckett e Deleuze [Tese] Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: SP, 2005.
LAZZARATO, Maurizio. Signos, máquinas, subjetividades. São Paulo: Edições Sesc São Paulo; n-1 Edições, 2014.
LE GUIN, Ursula. A mão esquerda da escuridão. São Paulo: Aleph, 2014.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo G. H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
NIETZSCHE, Friedrich. Assim falou Zaratustra. São Paulo: Martin Claret, 2014.
PELBART, Peter Pál. Esgotamento e criação. O avesso do niilismo: cartografias do esgotamento. São Paulo: n-1 Edições, 2013.
PRECIADO, Paul B. Testo Junkie. São Paulo: n-1 Edições, 2018.
PIGNARRE, Philippe, STENGERS, Isabelle. Capitalism sorcery – Breaking the spell. Pallgrave Macmillan, 2011.
SANTOS, Laymert Garcia dos. Viva a Morte! São Paulo: n-1 Edições (Série Pandemia), 2018.
SANTOS, Laymert Garcia dos. Politizar as novas tecnologias: o impacto sociotécnico da informação digital e genética. São Paulo: Editora 34, 2003.
SCHAWB, Klaus. A quarta revolução industrial. Brasil: Edipro, 2019.
STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Caderno de Leituras, n. 62, Chão da Feira, 2017.
VALENTIM, Marco Antônio. Extramundanidade e sobrenatureza: ensaios de ontologia infundamental. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.
VIRILIO, Paul. Guerra e cinema. Logística da percepção. São Paulo: Boitempo, 2005.
VIRILIO, Paul. Os motores da história. In: ARAÚJO, Hermetes Reis de (org.). Tecnociência e cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
ZAGUETTO, Ana Paula. O céu é dos robôs (Vídeo. 10 min.), 2005. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=K6klu9K9MLs>. Acesso em: 15 dez. 2019.
ZUBOFF, Shoshana. Big Other, capitalismo de vigilância e perspectivas para uma civilização da informação. In: Bruno, Fernanda et al. Tecnopolíticas da vigilância: perspectivas da margem. São Paulo: Boitempo, 2018.
Recebido em: 25/11/2019
Aceito em: 05/12/2019
[1] Professora Doutora da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: carolina.rodrigues@fca.unicamp.br
[2] Doutoranda em Sociologia na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: crizalez@gmail.com
[3] Professor Doutor da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: diego.vicentin@fca.unicamp.br
[4] Mestranda em Divulgação Científica e Cultural na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: carolscartezini@gmail.com
[5] Pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
[6]Estamos em tempos de revisitar o Teatro do Absurdo, o Nonsense, o Surrealismo, o Realismo Fantástico, a Ficção. Gilles Deleuze (1992), explora a figura do esgotado em oposição ao cansado (ou fatigado) a partir da análise da obra de Samuel Beckett. Enquanto o cansado explora o horizonte do possível a partir de determinados objetivos, o esgotado já não se vincula mais a esses objetivos aos quais renunciou. A este interessa explorar e esgotar as possibilidades do possível e renunciar as palavras e as coisas, sua significação. Samuel Beckett, neste sentido, esgota a linguagem e as possibilidades de combinação entre palavras e coisas apontando o fracasso da linguagem como meio para acessar a experiência subjetiva.
[7] A primeira versão deste artigo fez parte de uma intervenção artística “IoT nas Tramas da Ficção: provocar metodologias para politizar as tecnologias” realizada durante o VI Simpósio Internacional da LAVITS (Salvador, 26 a 28 de junho de 2019). Cada um de nós, pesquisadores-performers, selecionou fragmentos dessa e de outras escritas e inseriu em um caldeirão-CPU (sigla para Central Process Unit, ou Unidade Central de Processamento). Além dos textos, cada um dispôs de seu próprio corpo e do corpo dos equipamentos disponíveis na sala onde ocorreu o experimento proposto, para realizar a interação comunicacional entre parceiros humanos e não humanos A informação como processo, as perspectivas de retroalimentação (feedback) da cibernética e dos comandos lógicos dos algorítmicos foram mobilizados e deslocados simultaneamente de diversas maneiras: por meio da fala, do canto, do movimento corporal, da escrita e das projeções audiovisuais, do toque, e da escuta. Os mecanismos de disparo das interações obedeceu ora a uma lógica randômica, pela ativação involuntária de chaves de emissão e captação, seguindo uma lógica rizomática, nos momentos em que conexões voluntárias se mostraram necessárias ou simplesmente aconteceram. Além da dança (contato improvisação) e do jogo cenico de improvisação a dinâmica também foi informada pelo exercício da presença tal como proposto por Marina Abramovic (2010).
[8] Os títulos e pequenos resumos dos projetos aprovados no âmbito do Plano Nacional de IoT podem ser verificados em: https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/onde-atuamos/inovacao/internet-das-coisas/bndes-projetos-piloto-internet-das-coisas (Acesso em: 19/12/2019)
[9] Como atesta relatório da Huawei em: https://www-file.huawei.com/-/media/corporate/pdf/mbb/5g-unlocks-a-world-of-opportunities-v5.pdf?la=en (Acesso em: 19/11/2019)
[10] As redes celulares 5G descendem das telecomunicações que, embora tenham adotado diversos princípios de funcionamento técnico da Internet, está calcada numa indústria que prima pelo controle centralizado e rentabilização máxima de sua infraestrutura e não pretende abrir mão disso. Vide o debate sobre cobranças e baseadas em data caps.
[11] Ver: https://www.androidauthority.com/trump-stop-broadcom-qualcomm-deal-845445/ (Acesso em: 19/11/2019)
[12] Dieter Ernst, pesquisador senior do East-West Center em Honolulu (EUA) vem publicando há mais de 10 anos sobre a estratégia chinesa no campo da definições de padrões técnicos e no registro de propriedade intelectual no campo das tecnologias de informação e comunicação. Ver: https://www.eetimes.com/document.asp?doc_id=1334726&page_number=3 (Acesso em: 19/11/2019)
[13]Ver: https://www.axios.com/trump-team-debates-nationalizing-5g-network-f1e92a49-60f2-4e3e-acd4-f3eb03d910ff.html (Acesso em: 19/11/2019)
[14] Ver: https://www.hudson.org/research/14913-5-g-the-4th-industrial-revolution ; https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-01-04/retired-general-warns-against-letting-china-dominate-5g-networks (Acesso em: 19/11/2019)
[15] Ver: https://www.thesun.co.uk/news/9094387/donald-trump-toilet-brushes-china-trade-war/ (Acesso em: 19/11/2019)
[16] Ver: https://www.valor.com.br/empresas/6300839/pao-de-acucar-e-jbs-abrem-acougue-gourmet (Acesso em: 19/11/2019)
[17] Ver: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/nocao-de-ordem-e-igualdade-norteia-eleitor-conservador-nao-radical.shtml (Acesso em: 19/11/2019)
[18] Ver: https://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,boi-que-produz-a-carne-mais-nobre-do-mundo-bebe-cerveja-e-ate-ouve-musica-classica,70002054525 (Acesso em: 19/11/2019)
[19] Ver: https://www.consumidormoderno.com.br/2018/10/08/uberizacao-da-carne/ (Acesso em: 19/11/2019)
[20] Ver: https://www.youtube.com/watch?v=mWajQ0NBeio (Acesso em: 19/11/2019)
IoT nas tramas da ficção
RESUMO: Neste artigo, propomos avaliar alguns modos de relação com as tecnologias tramadas em ficções com a Internet das Coisas (IoT, sigla em inglês), nome utilizado para descrever um cenário de conectividade ubíqua entre objetos técnicos. Propomos experimentar modos especulativos de escrita para fazer ver as promessas de futuro delineadas nas simulações, prospecções e projeções envolvendo as IoTs e as maneiras pelas quais elas reatualizam a utopia cibernética de um mundo hiperconectado numa grande circulação na qual tudo se comunica. Trata-se de uma rede de comunicação pensada para conectar as máquinas entre si. Cabe então perguntar: de quais maneiras o humano se acopla a esse modo de comunicação?
PALAVRAS-CHAVE: Internet das Coisas. Tecnopolítica. Modos de escrita.
IoT entangled in fictions
ABSTRACT: In this article, we aim to evaluate certain modes of relation with technologies that are interwoven with fictions of Internet of Things (IoT), a name used to describe the scenario of ubiquitous connectivity between technical objects. We propose to experiment with speculative modes of writing to make visible the promises of the future outlined in IoT simulations, prospections, and projections, and the ways in which they re-actualize the cybernetic utopia of a hyperconnected world in a great circulation in which everything communicates. It is a communication network designed to connect machines to each other. It is then necessary to ask: in what ways does the human engage in this mode of communication?
KEYWORDS: Internet of Things. Technopolitics. Modes of writing.
RODRIGUES, Carolina Cantarino; GONZALEZ, Cristina; VINCENTIN, Diego J.; CRUZ, Maria Carolina Scartezini; KANASHIRO, Marta Mourão. IoT nas tramas da ficção. ClimaCom – Povos Ouvir : A Coragem da Vergonha [Online], Campinas, ano 6, n. 16, Dez. 2019. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/carolina-cantarino-rodrigues-cristiana-gonzalez-diego-j-vicentin-maria-carolina-scartezini-cruz-marta-mourao-kanashiro-iot-nas-tramas-da-ficcao