Breno Filo | Exercícios de Afogamento

Título: Exercícios de Afogamento


UM ARGUMENTO

Com um esforço arqueológico e ecológico entre achados da intimidade, antigos mapas e exercícios de imaginação salpicados com espumas oceânicas, realizo desenhos em materiais um dia desprezados, carcomidos, e imprimo neles novas linhas, encharcadas de memórias inventadas, encontros com águas cósmicas, maquinarias navais, ideais naufragados e multidões afogadas. Esta tecitura de imagens advindas de peças e termos técnicos de marinharia, eu – que um dia abandonei uma imposta aspiração à carreira de náutico – desloco o sentido de existência de diversos objetos de navegação das estantes paternas e, com traços submersos, os transporto para a relação entre o desenho e as trajetórias de uma biografia reconquistada pelo ato de criação.

Num ambiente espiritual de profusos sentimentos oceânicos, embarcações inteiras vão a pique, e nas turbulentas águas são atirados – violentamente – telégrafos dos movimentos, aparelhos desgovernados, cabos avariados, escadas salva-vidas, parafusos infindos, reboques de corpos bélicos e mares tempestuosos… Novos caminhos para uma vida que, anteriormente destinada para o mar, deixada para trás, é reinventada. Do lixo de um derrotado ideal paterno, de um patriarcado que também pode ser compreendido como a tirania de governos que sufocam as vidas periféricas, tanto nas cidades, quanto nos entornos oceânicos plastificados, inúmeras linhas resistentes são sinalizadas pela face da terra.

 

UM PEQUENO TEXTO ACHADO NO DIÁRIO DE BORDO DO ARTISTA

Belém, 29 de junho de 2017.

Em nosso quarto de dormir, calei diversas vezes.

Ele notava meu corpo petrificado e me abraçava febrilmente, por vários minutos. Pense mais alto, me dizia, sem muita insistência. Ele sabia que em algum momento viria, com força, alguma coisa. Fora do quarto ventilado a chuva teimava em despencar. Inquieto eu estava, num gozo sem precedentes. O peito doía a cada arfada. A garganta, travada. Para balbuciar algo foi doloroso. Silenciosamente, beijei o braço que me acalentava e, possuído por uma vontade que perfurou toda a arquitetura de angústias que sustento, levantei subitamente.

Carecido de água, de analgésico e do sagrado caderno, escrevo:

Como fazer dos traços, exercícios de afogamento?

 

Belém, 03 de julho de 2017.

Ele queria que eu fosse marinheiro, mas não pude atendê-lo. No entanto, com sua paixão pelo mar, acidentalmente derramou em mim um oceano. Do corte de Cronos, imprecisos signos amorosos jorraram. De um desejo paterno, restam destroços. De ideais partidos, naufragaram entes e embarcações. Afundaram e lutaram para respirar todos aqueles que não fui, não sou e, talvez, nunca serei.

Afogados permanecem, de exílio em exílio.

Sem cais nem porto seguro.

Em águas de tempos divinos, imemoriais e infindos…

Um dia… Num dia muito inóspito, quem sabe, minha tripulação encontrará algum descanso.

 

EXERCÍCIOS DE AFOGAMENTO, UM PRODUTO DO PROJETO [RE]JEITO BRUTO

A série de desenhos intitulada Exercícios de Afogamento, de autoria do artista Breno Filo é o resultado do projeto “[RE]JEITO BRUTO”, que foi selecionado no Prêmio de Pesquisa e Experimentação Artística da Fundação Cultural do Estado do Pará em 2017.

 


FICHA TÉCNICA

Artista: Breno Filo

Curadoria: Coletivo Brutus Desenhadores

Agradecimentos: Aline Folha, Wlad Lima, Maria dos Remédios, Carol Castelo, André Sá, Lucas Padilha e equipe da Casa das Artes – PA.

 


Breno Filo Creão de Sousa Garcia

Escola de Aplicação da Universidade Federal do Pará (EAUFPA)

E-mail: brenofilo@gmail.com

https://www.instagram.com/brenofilo

 

FILO, Breno. Exercícios de afogamento. ClimaCom – Inter/Transdisciplinaridade [online]Campinasano. 5n. 13. Dez2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=9987


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SEÇÃO ARTE |INTER/TRANSDISCIPLINARIDADE|Ano 5, n. 13, 2018

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