Bem-vindo ao Antropoceno?

Mostra em Munique explora a chamada “Época dos Humanos” e evoca pensamentos sobre como conviver e nomear o tempo em que vivemos

Por: Meghie Rodrigues

Aberta ao público desde dezembro, a mostra “Willkommen im Anthropozän” ou “Bem-vindo ao Antropoceno”, no Deutsches Museum, em Munique, Alemanha, assume a denominação de Antropoceno – época dos humanos – para o momento que vivemos, embora a nomenclatura ainda esteja em discussão, conforme proposta colocada pela Comissão Internacional sobre Estratigrafia (ICS, na sigla inglês). Um termo que coloca os humanos como uma grande força geológica que pode e deve remodelar a vida através do trabalho e pensamento. As controvérsias em torno do termo (leia sobre na matéria Antropoceno, Capitaloceno, Cthulhuceno: o que caracteriza uma nova época?) não fizeram parte do modo como a exposição foi organizada. O intuito da mostra é reforçar a ideia de que precisamos adquirir consciência dos danos provocados pelo homem devido ao risco que corremos de destruir o planeta (veja vídeo aqui). E essa consciência, parece propor a exposição, está diretamente conectada à imaginação do futuro como algo aberto a expressarmos nossos desejos para ele: “Dessa abertura ao futuro, deriva a impossibilidade de prevê-lo. Por isso queremos convidar as pessoas a imaginá-lo”, conta Helmuth Trischler, diretor de pesquisa do Deutsches Museum e diretor do Rachel Carson Center, instituição coorganizadora da exposição.

Uma parte dessa imaginação fica registrada em uma espécie de “jardim dos desejos”, onde os visitantes têm papel e caneta à mão para escrever, desenhar e inventar sobre o que esperam para o porvir. Os papeis são dobrados em forma de tulipa e “plantados” na entrada da exposição, para serem abertos e expostos na página da mostra na internet, a fim de que as pessoas possam ver o que outras imaginaram, “criando uma troca entre os visitantes e o museu”, explica Trischler.

“Marcos do Antropoceno” (como secadores de cabelos pré-década de 1950 e um motor a vapor do século 19) se misturam a recifes de corais confeccionados em crochê e um protótipo do “Clock of the Long Now” (“Relógio do Longo Agora”, em português), projetado para durar 10 mil anos consumindo energia solar. O relógio conta a passagem do tempo com um tique-taque por ano e um toque de cuco a cada milênio.

A impressão que se tem, ao passar pela exposição, é de que existe, ao mesmo tempo, um risco premente de desaparecimento (de humanos e suas criações) e uma potência de inovação tecnológica que será capaz de gerar soluções para os problemas atuais. A mostra constrói didaticamente um passado universal para os humanos e coloca a necessidade de nos adaptarmos ao Antropoceno, uma adaptação pensada como oportunidade de desenvolvimento de novas tecnologias.

Oficina Gente-árvore, gente-rio, realizada pelo Coletivo Fabulografias durante o evento Afetos Nascentes em novembro de 2014. Veja mais: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=1568

Oficina Gente-árvore, gente-rio, realizada pelo Coletivo Fabulografias durante o evento Afetos Nascentes em novembro de 2014. Veja mais: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=1568

 

Adaptar-se à nova época?

Para José Augusto Pádua, que foi pesquisador-visitante do Rachel Carson Center durante o ano passado, o “adaptar-se” às mudanças climáticas (ou à época em que vivemos) pode trazer consigo algumas concepções que precisam ser questionadas para serem mais potentes. “Adaptação” é um termo de que ele diz não gostar muito por encerrar “uma visão estática do que é o mundo biofísico, como se precisássemos nos adaptar a ele, como se humanidade e natureza fossem duas coisas separadas, num dualismo muito grande que ainda marca o pensamento ocidental”. Ele conta que prefere pensar em uma “interação” ou “co-evolução” entre as formas de vida no planeta – termos que tornariam mais visível o dinamismo do mundo biofísico, já que “é histórico também, no sentido de que se transforma continuamente ao longo do tempo, assim como a ação humana”, observa.

Para Pádua, esta mudança de momento histórico não necessariamente implica em risco para todas as formas de vida no mundo – ou mesmo coloca em xeque a existência da Terra: antes, afeta uma configuração do planeta muito positiva para a vida humana. “Seis graus a mais na temperatura média não destrói a vida no planeta. O planeta continua existindo. O que estamos ameaçando é a civilização humana. Não é uma questão de ‘salvar o planeta’: é uma visão que precisamos superar porque é muito ingênua. O planeta continua, já passou por choques muito maiores do que o que o ser humano pode provocar. No entanto, estamos falando da civilização humana, das estruturas complexas que viemos criando nos últimos milênios, principalmente nos últimos dois séculos”, observa. “O que precisamos”, continua Pádua, “é aprender a viver e conviver nesta nova configuração colocada pelo Antropoceno”. Ou qual for o nome que a nossa época venha a ter.