O que a árvore e o pássaro têm em comum? | Daniela Feriani

A composição do diagnóstico de doença de Alzheimer é complexa, podendo se arrastar por anos. Trata-se de uma investigação minuciosa, que acontece ao longo das consultas, sobre a rotina do paciente. Chega-se ao diagnóstico pela clínica, sobretudo, mas há outros componentes de suporte, como os exames de sangue, de neuroimagens e os testes cognitivos. É sobre estes que falarei aqui.

Daniela Feriani[1]

A composição do diagnóstico de doença de Alzheimer é complexa, podendo se arrastar por anos. Trata-se de uma investigação minuciosa, que acontece ao longo das consultas, sobre a rotina do paciente, com perguntas como: “consegue tomar banho sozinho?’, “cozinha?”, “paga contas?”, “vai ao supermercado?”, “sabe se vestir?”[2]. Chega-se ao diagnóstico pela clínica, sobretudo, mas há outros componentes de suporte, como os exames de sangue, de neuroimagens (tomografia e ressonância magnética) e os testes cognitivos. É sobre estes que falarei aqui.

O mais usado, no contexto de minha pesquisa, é o Mini-exame do Estado Mental (ou Minimental, como os residentes referem). O teste se propõe a avaliar alguns domínios cognitivos, como orientação temporal e espacial, memória, atenção e cálculo, linguagem, raciocínio abstrato, planejamento. A pontuação máxima é de 30 pontos (ver figura 01).

FIG.01 – Mini-exame do Estado Mental

Para alguns pacientes, as perguntas do teste não fazem sentido. Quando questionados sobre que dia é hoje, ouvi respostas como “não há necessidade de saber o dia”, “ah, não me interessa saber isso…”, “eu não ligo pra isso não”, “depois que a gente se aposenta, a gente fica numa boa”, “sei não, não olhei na folhinha hoje!”, o que pode estar de acordo com o contexto no qual vivem em que saber o dia não é importante[3]. Nas perguntas de orientação espacial, é comum o paciente dizer o nome da cidade em que vive, já que muitos vêm de fora, ou que já viveu. Além disso, o teste não parece ter muita maleabilidade. Para a pergunta “que lugar é esse?”, espera-se que o paciente diga “hospital”. Já vi alguns dizerem o nome da universidade onde o hospital fica e o residente, não satisfeito, perguntar novamente. Uma paciente disse ser o “lugar dos médicos” e o residente insistiu para que ela dissesse o nome (“mas como chama aqui?”).

Dificilmente eles se lembram das três palavras. Além da dificuldade mnemônica, há dificuldades de outra ordem. Numa consulta, quando o residente pediu para falar quais eram aquelas palavras, a paciente disse “amor, saúde… tem que ter coisas boas, né? Pra casa da gente…”. Sobre repetir a frase “nem aqui, nem ali, nem lá”, ela ficou confusa, não entendeu o que era para fazer e disse “eu tô sentada aqui…”. O residente pediu novamente para ela repetir a frase. E a paciente não compreendeu: “então eu tô na rua!”. “Não, é pra repetir ‘nem aqui, nem ali, nem lá’”, insistiu o residente. “Então onde eu vou?”, obteve como resposta.

(leia o texto completo aqui)

[1] Antropóloga formada pela Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP. Atualmente, é bolsista de Jornalismo Científico (Mídia Ciência) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, com o projeto “A demência como outro mundo possível: ações de divulgação científica” [2024/05623-0]. Email: danielaferiani@yahoo.com.br Instagram: @soproseassombros

[2] Durante a minha pesquisa de campo com pessoas em processo demencial, acompanhei as consultas nos ambulatórios de neurologia e psiquiatria de um hospital universitário. Sentada no canto da sala com um caderno e uma caneta, tentava me passar despercebida, na medida do possível, para não atrapalhar a dinâmica entre residente [estudante], paciente, acompanhante e médico. No hospital universitário pesquisado, a consulta é realizada pelo/a residente, quem faz as perguntas para o/a acompanhante e para o/a paciente, quando isso for possível. Após essa investigação, o médico entra na sala e o/a residente faz um resumo do que foi visto e falado até então. Médico e residente avaliam o caso, discutindo a hipótese diagnóstica, o que fazer com os sintomas, possíveis medicamentos e outras recomendações, como fazer exercício físico, estimulação cognitiva, etc.