Dossiê “Políticas vegetais”
| ano 9, n. 23, 2022 |
EDITORIAL
O futuro é vegetal! Essa é a principal conclusão deste dossiê que reúne em um ecossistema mágico e complexo de estudo, pesquisa e criação diversas plantas: cana-de-açúcar, soja, algodão, aveia, milho, girassol, jenipapo, tâmara, araucária, sumaúma, açaí, dendezeiro, jabuticabeira, bromélias, lírios, erva-mate… e muitas outras. As plantas não são nem objetos de investigação e criação artística, nem panos de fundo inertes de paisagens humanas demais, nem tampouco meros recursos naturais e commodities. As plantas neste dossiê são sujeitos, parceiras, companhias, alteridades significativas e radicais… Convocam uma forte política de vitalidade para o pensamento-ação. Para elas interessa pensar o chão, no chão e com o chão. Interessam os lugares, os territórios, os contextos, as práticas, os materiais, as condições, as relações… tudo que torna a vida possível. E esse chão pode ser do sertão, da Amazônia, da cidade, do quilombo urbano, do museu, do jardim, da horta, do laboratório, do ateliê, da aldeia, da sala de aula, do livro, da fotografia… Um chão, portanto, que não é feito apenas de terra, e nem se opõe aos céus. É um chão onde se sente a respiração da floresta, se investiga um campo de relações dos corpos com a terra, se instaura uma mesa de trabalho a céu aberto, se mobiliza uma agrofloresta em festa e uma ecologia indomável, se deseja uma educação pelas plantas por vias não cognitivas, se experimenta cadernos em movimento de florestar e LivrosVivos, se ensaia uma dança como resistência ao Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno…, se pensa com uma constelação de imagens monstruosas, se costura novos modos de nomear o nosso tempo presente – Desterro, Vitaloceno, Plantroposceno… -, se convida a um olharpassarinho sobre as comunidades, se propõe a agroflorestar as imagens, a aprender com as nuvens e a altarear e (des)montar os encontros com os mais que humanos, se ativam práticas femininas de cuidado e atenção ao mínimo, ao infraordinário, se mobilizam aberturas aos ecossistemas errantes, se percebe que precisamos investir urgentemente em criar condições para ativar blocos de devires árvore-erva-mato-bicho-rio-nuvem-floresta… Um chão onde lembramos que não estamos sós, onde acessamos uma poética do chão, onde sentimos que rizomar é verbo para elas e onde não esquecemos que sem folha não tem orixá.
Nos materiais aqui apresentados os vegetais são parceiros dos gestos que problematizam perspectivas monoculturais e antropocêntricas, interrogam as religiosidades e escritas que atacam o cosmos e colonizam as espiritualidades, florescem possibilidades para além dos regimes representacionais, desafiam o estranho sonho de clareza e transparência e revelam a insuficiência daqueles que se contentam com a mera denúncia das tempestades de poeira e progresso que chegam. As plantas pedem e forçam encontros com saberes e práticas fundamentados em novas abordagens ontoepistemológicas, em políticas queer, ecofeministas, antirracistas e decoloniais, elas convocam abertura de novas perspectivas para ciências, artes e filosofias, propondo, inclusive, renegociações do que podem ser ciências, artes e filosofias. Os encontros com as ciências, por exemplo, em especial as biológicas, agronomia, botânica, ecologia, aparecem em termos de críticas e desconstruções necessárias, mas também, em termos de alianças e simbioses desprogramadas com artes, filosofias, conhecimentos e práticas originárias. Arriscamos dizer que este dossiê pode nos fazer pensar que ciências, artes e filosofias não são exclusivamente humanos, pois que aqui as plantas pensam, problematizam, classificam, nomeiam, conceituam, desenham, fotografam, e tudo isso não é mera metáfora. Em parte porque os autores aqui reunidos sabem que não escrevem, pintam, desenham, fotografam, dançam, editam, montam, desmontam sozinhos, sabem que nossa parte vegetal canta, grita, pergunta, esculpe, escreve…, que não é possível pesquisar e criar sem tê-las junto. Mas, também, porque há um esforço por dar visibilidade e dizibilidade às potências próprias dos vegetais, aos seus modos de existir extraordinários. E esse esforço envolve pesquisadores do Brasil, que estão em São Paulo, Campinas, Santos, Mogi-Mirim, Peruíbe, Sorocaba, São Carlos no estado de São Paulo, Rio de Janeiro, no estado do Rio, Fortaleza, no Ceará, Belém, no estado do Pará, Caldas, Uberlândia em Minas Gerais, Pelotas, no Rio Grande do Sul, João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba, Florianópolis, Santa Catarina, Goiânia em Goiás, Curitiba no Paraná. E que estão, também, na Argentina, em Bariloche e Córdoba, em Tokyo e Satoyama, no Japão e em Manhattan, em Nova York, em Paris, na França e no Canadá. Estão em jardins, praças, canteiros, museus, sítios, aldeias, casas de cultura, em Movimentos Sem Terra, em universidades, institutos de pesquisa, laboratórios, salas de aula, parques nacionais… E como para as plantas interessa fazer de todo lugar um chão habitável, cultivável, germinativo estes cientistas, artistas, jardineiros, agricultores, dançarinos, poetas, editores… são também polinizados, cultivados. Deixam aqui todo um campo de possibilidades de novos encontros e criações ao buscarem ganhar intimidade com as plantas sem repor as lógicas antropocêntricas e modernas que marcam o Antropoceno.
São artigos, ensaios, vídeos, performances, danças, fotografias, desenhos, monotipias, colagens, moda-manifesto, bordados, escritas, instalação, livro-objeto, exposições, cursos, oficinas, vivências, poesias… que apresentam diversas formas de criação, convivência, agência e cuidado entre plantas e inúmeros seres. Dão visibilidade a miríades de histórias multiespécies, aos emaranhados que compõem e fazem algo se tornar planta: pedras, terras, rios, nuvens, sol, insetos, fungos, sapos, pássaros, gentes, conceitos, signos, máquinas, algoritmos, pixels, plásticos… Dão a ver as conexões que todos temos com as plantas, exemplificando situações, emaranhados, modos de fazer, autores, poéticas e caminhos para darmos contorno e lugar a elas. Esse conjunto de experiências aqui organizado entre ensaios, artigos, arte e laboratórios, nos convida a pensar em outros mundos possíveis e habitáveis que podem surgir quando damos atenção às alianças que mantemos com as plantas. Isso porque as plantas são seres que sabem o que estar conectado, simultaneamente, à terra/Terra. Fazem da política sempre da política uma cosmopolítica. Ou seja, sabem fazer corpo com um mundo todo vivo e sair das dualidades local-global, sujeito-objeto, organismo-meio, terra-céu… E esse fazer corpo envolve arranjos e composições que se fazem com e entre muitos: águas, ares, solos, Sol, rios, nuvens, ventos, animais, fungos, bactérias, outras plantas, humanos, livros, filmes, artigos, fotografias, danças… Envolve, também, um tornar-se sensível e hábil para levar a sério os vegetais, para adentrar suas visões (Pereira, 2021), dar expressão aos seus pontos de vida, e transformar palavras, imagens e sons em laboratórios de experimentação das plantas como “alteridades significativas” (Haraway, 2021). Porque fazer política é também fazer alianças com as materialidades e modos de existir das vidas vegetais, que coconstroem o mundo/ar/água/terra que somos/vivemos.
HARAWAY, D. O manifesto das espécies companheiras: cachorros, pessoas e alteridade significativa. Trad. Pê Moreira. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo Produções e Empreendimentos Culturais LTDA, 2021.
PEREIRA, D. A visão das plantas. São Paulo: Todavia, 2021.
Editores | Susana Dias, Marina Guzzo e Fabíola Fonseca
Editoração | Susana Dias, Rayane Barbosa, Paulinha Pinto
Revisão | Susana Dias
| Sumário | Dossiê “Políticas vegetais” |
| Ano 9, n. 23, 2022 |
SEÇÃO PESQUISA
ARTIGOS
Renata Mocelin Penachio
Mais precariedades por vir: plantas de cana-de-açúcar dentro de uma tempestade de poeira e progresso
Alberto Luiz de Andrade Neto
Natasha Myers com tradução de Marina Souza Lobo Guzzo
Botannica Tirannica: da genealogia do preconceito às possibilidades de um ecossistema errante
Giselle Beiguelman
Cruising en el edén: vegetación, poder y deseo queer
Diego Orihuela Ibañez
Gabriel de Araujo Silva
Teresa Castro com tradução de Marina Souza Lobo Guzzo
Plantas companheiras de escrita: des-bordando o Antropoceno
Susana Dias, Emanuely Miranda, Larissa Bellini, Mariana Vilela, Rayane Barbosa, Paulinha Luiz Pinto, Milena Bachir, Natália Aranha e Joana Salles
FLUXO CONTÍNUO
Devolver o mistério ao humano – ressonâncias cosmopoéticas e alteridades radicais
Carolina Cantarino Rodrigues
Fabíola Simões
ENSAIOS
Atentar aos “transparentes” multiespécies: notas sobre o filme angolano Ar condicionado
Priscila Fazio Rabelo
LivrosVivos: palavras, imagens, plantas e gentes em criação
Alik Wunder, Lilly Baniwa, Vera Moura Tukano, Janilton Pinheiro Tukano, Mawanaia Waurá, Leandro Silveira Guarani e Naldo Yupurí Tukano
Gabriela Leirias
iapoti’kaba: memórias de uma árvore
Eduardo Silveira
Reflorestar a Bíblia: uma prática vegetal e ecofeminista
Emanuely Miranda
Experimentações vegetais por entre caminhos perfor/rizo/máticos…
Marcos Allan da Silva Linhares
Mapeamento afetivo das existências múltiplas
Valéria Scornaienchi
Roberta Paixão e Lúcia de Fátima Dinelli Estevinho
Aprendendo com as plantas: devires, sabedorias vegetais e lampejos à educação em ciências
Tiago Amaral Sales e Fernanda Monteiro Rigue
Uma educação pelas plantas: aprender por vias não cognitivas
Diego Winck Esteves
A escrita vegetal: uso de plantas enteógenas na ampliação da percepção
Claudio Filho e Juliana Valbert
Terrenos incultos e jardins emergentes: a vida das plantas em interstícios urbanos
Arthur Simões Caetano Cabral
Cointuindo com plantas e mais-que-plantas
Anais-karenin
Pequenas composições com plantas, cacos e ideias para pensar o que (não) acontece[1]
Ana Maria Hoepers Preve
Árvore-ser: manifesto poético-filosófico à vida na terra-mundo
Bruno Vilela Vasconcelos
SEÇÃO ARTE
ARTES
Sol Terena
Etnografia cultural da flora mágica brasileira
Walmor Corrêa
Marina Guzzo
Gestos afetivos das múltiplas existências
Valéria Scornaienchi
Fricções: faíscas entre a casa e jardim
Bruno de Andrade Campos
Vitaloceno, para uma cabeça vegetal
Mariana Vilela
Conexões vegetais, espécies companheiras
ZayMPereira
Rafael Ribeiro
Telma Hoyler
Caró
Francisco Moura
Eleonora Miranda Artysenk
Rosana Torralba, Valéria Scornaienchi, Vane Barini, Vani Caruso e Vera Figueiredo
Maria Alice Bozzola Grou
Paulo Manaf
voltar para casa, mata do zumbi
Carla Lombardo
Felipe Barros
ENCONTROS JARDINALIDADES: poéticas sobre natureza, corpo e cidade
Gabriela Leirias, Faetusa Tezelli, Manoela Rabinovitch
Castigo das commodities (série). Soja, açúcar e milho
Teresa Siewerdt
Heloisa Pisani
Alik Wunder e Marli Wunder
Ana Angélica
Pindorama, no começo tudo era floresta
Teresa Siewerdt
LIVROS
ESCOLA CAIÇARA DA JUREIA – Educação caiçara na comunidade da Cachoeira do Guilherme, Iguape/SP
Paulo Cesar Franco
LABORATÓRIO-ATELIÊ
Cadernos em movimento a florestar
Lucia Estevinho e Keyme Lourenço (Coord.)
Coletivo Terrinha
Una constelación de imágenes monstruosas
Maia Gattás Vargas
Milena Bachir Alves
Mirabilis Ilustración botánica
María Jimena Nores e Silvana Montecchiesi
Olharpassarinho sobre as comunidades, os manguezais e suas ecologias
Fledson Silva Faria e Soler Gonzalez
Práticas de agroflorestar imagens
Tatiana Plens e Susana Dias
Aprender com as nuvens: ontoepistemologias entre o céu e a terra
Grupo multiTÃO
Manto “Sem folha não tem orixá”
Coletivo multiTÃO
Mesas de trabalho a céu aberto
Susana Dias
Grupo multiTÃO
(Des)montaje transdisciplinar, bioperformance y autoficción
Valéria Cotaimich
ARVORECER DE CASA EM CASA
Ancestralidades mais que humanas – exposição
Coletivo Arvorecer
SEÇÃO JORNALISMO
Pesquisadores avaliam relação entre leptospirose e inundações no contexto das mudanças climáticas
Flávio Gomes-Silva
Entrevista com Andrea Pacheco Pacífico – Refúgio e deslocamento em tempos de pandemia
Leandro Magrini
Gláucia Pérez
Literatura e ficção científica feminista em tempos de fins de mundos
Milena Bachir
Ecofeminismo: uma proposta de ecologia do cuidado diante do Antropoceno
Milena Bachir
PRÓXIMOS DOSSIÊS |
A PARTIR DE FEVEREIRO DE 2023 SERÃO ABERTAS NA CLIMACOM CHAMADAS PARA OS PRÓXIMOS QUATRO DOSSIÊS DA REVISTA:
“DESASTRES”; “POVOS INDÍGENAS E CLIMA”; “BRUNO LATOUR”; “CIÊNCIA.VIDA.EDUCAÇÃO”.
FICHA TÉCNICA | Dossiê “Políticas vegetais”
Editores | Susana Oliveira Dias (Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Universidade Estadual de Campinas), Marina Guzzo (Universidade Federal de São Paulo) e Fabíola Fonseca (Faculdade de Educação Unicamp/Pós-Doutoranda Capes)
Editoração | Susana Dias, Rayane Barbosa, Paulinha Pinto (Labjor-Unicamp)
Curadoria seção Arvorecer de casa em casa | Susana Dias (Labjor – Unicamp)
Revisão | Susana Dias (Labjor-Unicamp)
Capa | Grande – Marina Guzzo. Pequenas – Bruno De Andrade Campos
Grupos | multiTÃO – prolifer-artes sub-vertendo ciências, educações e comunicações (CNPq), Laboratório Corpo e Arte e Laboratório de Estudos Audiovisuais – Olho.
Redes de Pesquisa | Rede Latino-americana de Divulgação Científica e Mudanças Climáticas.
Instituição | Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Faculdade de Educação da Unicamp e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Projetos | Projeto de pesquisa Tema Transversal “Divulgação do conhecimento, comunicação de risco e educação para a sustentabilidade” do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-MC 2a. Fase) – (Chamada MCTI/CNPq/Capes/FAPs nº 16/2014/Processo Fapesp: 2014/50848-9).
Pós-graduação | Programa de Pós-Graduação em Divulgação Científica e Cultural da Unicamp, Programa de Pós-graduação em Educação da Unicamp e Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências da Saúde da Unifesp.