Aprendendo com as plantas: devires, sabedorias vegetais e lampejos à educação em ciências | Tiago Amaral Sales e Fernanda Monteiro Rigue
Tiago Amaral Sales[1]
Fernanda Monteiro Rigue[2]
Retiro semelhanças de pessoas com árvores
de pessoas com rãs
de pessoas com pedras
etc. etc.
Retiro semelhanças de árvores comigo.
Não tenho habilidade pra clarezas.
Preciso de obter sabedoria vegetal.
(Sabedoria vegetal é receber com naturalidade uma rã no talo.)
E quando esteja apropriado para pedra, terei também sabedoria mineral.
– Manoel de Barros (2016, p. 40)
Manoel de Barros nos inquieta a entrar em velocidades com as plantas e, quando também estivermos preparados, com os minerais. Obter sabedoria vegetal, como sabiamente o poeta mobiliza em suas escritas, é, para nós, habitar entre velocidades intensivas a partir do encontro com estes seres que as ciências naturais classificam dentro do reino Plantae. Vidas multicelulares, com suas células vegetais protegidas por paredes celulósicas e permeadas, geralmente, por cloroplastos que lhes dão a coloração verde graças à clorofila, e a potência de realizar a fotossíntese, elas fazem parte de nossos dias do início ao fim. Quiçá, não existiria dia e, muito menos, vida animal – logo, também humana – sem as suas presenças na Terra.
Dormindo, sonhando com mundos outros, não podemos nos desvincular dos nossos corpos humanos que nos possibilitam experimentar-perambular a materialidade terrestre. Mesmo de olhos fechados, seguimos respirando enquanto há força em nossos corpos. O oxigênio que nos permite estar vivo – e que também oxida e degrada as nossas células – é disponibilizado na forma acessível aos nossos pulmões por meio da profunda beleza fotossintética que Caetano Veloso conseguiu tão bem materializar na música Luz do Sol. Antes mesmo de acordar, já constatamos nos recantos oníricos que, é graças a elas que podemos existir como tal.
Abrimos os olhos, ainda meio cansados, e temos um dia todo pela frente. Ao comer algo rapidamente antes de sair de casa para os nossos exercícios diários, percebemos que tudo provém delas: a farinha do pão, as frutas, os legumes, o café. Repetimos: tudo delas. Até o que aparenta não ser, como a carne e os derivados de leite, sem elas não existiria. As leveduras e outros fermentadores as fazem companhia na produção de alimentos que nos preenchem e sustentam. “Cada vez que comemos, tentamos compensar nossa incapacidade de absorver imediatamente essa energia que as plantas exploram. Nosso corpo não passa de um arquivo do que o Sol oferece à Terra” (Coccia, 2018, p. 92). Sem as plantas, junto do astro solar, não somos, não resta energia para as nossas vidas fluírem, se fazerem presença. Talvez, nada exista, nem nós mesmos.
As plantas, captando a energia do sol, tudo produzem. Acessar a sabedoria vegetal começa por ativar o reconhecimento da sua profunda força terrena, a sua presença intensiva como seres que mobilizam a vida terrestre. A fundo, tudo foi feito pelo sol, como já cantavam Os Mutantes desde meados da década de 1970[3]. E, graças a elas, se criou um mundo, como assim conhecemos. Quiçá, múltiplos mundos[4], multimundos coexistindo em devir-vegetal. (Leia o ensaio completo em PDF).
[1] Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas, Mestre e Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Integrante do UIVO – Criação, arte e vida (UFU); e do GPECS – Gênero, corpo, sexualidade e educação (UFU). E-mail: tiagoamaralsales@gmail.com
[2] Doutora (2020) e Mestra (2017) em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Licenciada em Química pelo Instituto Federal Farroupilha – Campus São Vicente do Sul (2015). Professora do curso de Licenciatura em Química do Instituto de Ciências Exatas e Naturais do Pontal – Universidade Federal de Uberlândia (ICENP/UFU). E-mail: fernanda_rigue@hotmail.com
[3] Em referência ao álbum Tudo foi feito pelo sol, lançado em 1974 pela banda brasileira Os Mutantes, e à música com o mesmo título nele presente, de autoria de Sérgio Dias.
[4] Inspirado na fala de Ailton Krenak presente na live Filosofia ameríndia: por um outro modo de pensar e viver… Mediada por Suely Rolnik, que aconteceu na plataforma do Youtube do Canal Agenciamentos Contemporâneos no dia 23 de junho de 2021, disponível no endereço https://www.youtube.com/watch?v=g4_hnApXhrU&ab_channel=agenciamentos (Acessado em 23/06/2021).
Recebido em: 15/09/2022
Aceito em: 15/10/2022
Aprendendo com as plantas: devires, sabedorias vegetais e lampejos à educação em ciências
RESUMO: Este texto intenta-se em produzir, a partir de escritas-oficinas (PONTIN; GODOY, 2017), movimentos e relações possíveis com as plantas capazes de rizomar na educação em ciências a partir de lampejos, devires e sabedorias vegetais.
PALAVRA-CHAVE: Devir-vegetal. Sabedoria vegetal. Educação em Ciências.
Learning with plants: becomings, plant wisdoms and flashes into science education
ABSTRACT: This text intends to produce, from writing-workshops (Pontin; Godoy, 2017), possible movements and relationships with plants capable of rhizome in science education from glimpses, becomings and plant wisdom.
KEY-WORDS: Becoming-vegetable. Vegetable wisdom. Science Education.
SALES, Tiago Amaral Sales; RIGUE, Fernanda Monteiro. Aprendendo com as plantas: devires, sabedorias vegetais e lampejos à educação em ciências. ClimaCom – Políticas vegetais [online], Campinas, ano 9, n. 23., dez. 2022. Available from:https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/aprendendo-com-as-plantas/