O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) apontou que os oceanos aqueceram 0,11°C por década no período entre 1971 e 2010. Alterações como essa afetam a dinâmica dos ecossistemas, em especial daqueles que sofrem influência direta do mar, como as regiões costeiras. Nessas zonas, a vulnerabilidade é alta, tanto pelas ações e alterações do clima quanto pela urbanização e concentração de atividades econômicas.
É no esforço de compreender essa vulnerabilidade dos ecossistemas que a sub-rede Zonas Costeiras, da Rede Clima, foca suas pesquisas nos efeitos das mudanças do clima sobre a biodiversidade, analisando como os parâmetros físicos, geológicos, químicos e biológicos dos ambientes marinhos, estuarinos e costeiros estão sendo impactados. Um dos intuitos das pesquisas é identificar como tais ecossistemas podem contribuir para a mitigação e adaptação dessas regiões.
A sub-rede tem participação de alguns grupos de pesquisa ainda isolados e espalhados pelo país. Tais grupos focam suas análises nos processos costeiros e estuarinos, como elevação do nível do mar e acidificação, erosão e progradação costeira, ocorrência de eventos extremos e hidrodinâmicas dos estuários. O foco desses estudos são os grandes ecossistemas marinhos e costeiros, com destaque para os recifes de corais, manguezais e marismas, banco de macroalgas, pradarias submersas, costões rochosos, praias arenosas e lagoas costeiras.
A Rede de Monitoramento de Habitats Bentônicos Costeiros (ReBentos), coordenada pelo oceanógrafo Alex Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), é um desses grupos. Segundo Margareth Copertino, professora do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e coordenadora da sub-rede Zonas Costeiras, a ReBentos, embora recente, é uma das maiores expectativas na geração de novas pesquisas e tem tido grande impacto em nível nacional, respondendo algumas importantes perguntas sobre o estado da arte e a saúde geral dos ecossistemas costeiros brasileiros. Já o recém-criado Grupo Brasileiro de Estudos sobre a Acidificação dos Oceanos (BrOA), também vinculado à sub-rede, e coordenado pelo Instituto Oceanográfico da Furg, configura-se, para Copertino, na primeira grande iniciativa integrada e multidisciplinar de estudo dos problemas da acidificação no Brasil.
A sub-rede também estabeleceu parcerias com grupos de pesquisa mais consolidados, como é o caso do Grupo de Oceanografia de Altas Latitudes (Goal), da FURG, que foca seus estudos climáticos na Antártica e entorno e o projeto Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld), também da FURG, que já armazena dados de séries temporais de até 30 anos, os quais, nas palavras de Copertino, muito revelam sobre as dinâmicas e tendências de mudanças de longo prazo.
Embora com tantos grupos promissores compondo a sub-rede, a coordenadora salienta que o monitoramento dos ambientes costeiros, de forma sistemática e contínua, ainda engatinha no Brasil. “Alguns grupos estão fazendo pesquisas experimentais independentemente, mas eu ainda as vejo como iniciativas isoladas, fragmentadas, que não necessariamente responderão às grandes perguntas”. Os maiores desafios das pesquisas, ela comenta, encontram-se nas lacunas de conhecimento quanto ao funcionamento dos ecossistemas para a maioria das regiões da costa brasileira. “Se existissem séries temporais longas de dados oceanográficos, hidrológicos e biológicos conseguiríamos compreender melhor as tendências regionais das últimas décadas ou século nas alterações no nível do mar, salinidade, nutrientes e pH, e na ocorrência, distribuição e abundância das espécies, o que nos ajudaria a avaliar com maior precisão a perda histórica de biodiversidade dessas regiões”.
Outro problema levantado por Copertino é a dificuldade em trabalhar com os modelos globais de escala muito ampla. Segundo ela, a inexistência de modelos climáticos regionais para as escalas espaciais necessárias dificulta a avaliação dos impactos. No intuito de justamente sanar tais deficiência, a principal aposta da sub-rede está na implantação do Sistema de Monitoramento da Costa Brasileira (SiMCosta), um sistema observacional de longo prazo que monitorará toda a costa brasileira, obtendo dados oceanográficos em modo contínuo e em tempo real que auxiliarão na produção de cenários climáticos futuros. O projeto, coordenado pelo oceanógrafo Carlos Garcia, do Instituto Oceanográfico da Furg, é, segundo Copertino, uma das maiores iniciativas brasileiras em termos de integração no monitoramento. Ainda em fase de implantação, o SiMCosta pretende instalar, até o final do ano, cinco boias iniciais para medição. Outras boias, para cobrir toda a costa brasileira, serão instaladas a partir de 2016.
Segundo o último relatório de atividades da Rede Clima, que engloba o período de trabalho entre 2009 e 2013, os resultados das pesquisas realizadas pela sub-rede Zonas Costeiras são de vital importância para a composição de políticas públicas, tanto as de conservação da biodiversidade, a partir do manejo dos ecossistemas, quanto as de gerenciamento costeiro e ocupação das orlas. Para os pesquisadores, o planejamento estratégico baseado na compreensão dos impactos e das dinâmicas locais de resposta às alterações ambientais é imprescindível para o futuro dessas regiões.
[Esta matéria integra a série dedicada às pesquisas desenvolvidas pelas sub-redes da Rede Clima]