Por Daniela Klebis e Meghie Rodrigues
Como tornar possível uma comunicação que seja capaz de gerar novos afetos e problematizar a adaptação como palavra de ordem quando o assunto são as mudanças climáticas? Foi com esse convite à criação que a exposição Afetos Nascentes, realizada no Museu da Imagem e do Som (MIS) em Campinas, entre os dias 14 e 19 de novembro, reuniu público, artistas, cientistas, palestras, oficinas, imagens e filmes para, juntos, articularem espaço, palavras e sensações para repensar nossa relação com a água. “Com esta exposição, queremos um espaço coletivo de criação audiovisual que propicie vazar sentidos outros. Ressecar os funcionamentos dominantes. Inundar o mundo com outras sintaxes. Promover alianças múltiplas entre cosmopolíticas distintas. Ampliar a disponibilidade de modos de existir e lidar com as mudanças climáticas. Experimentar a noção de adaptação para além das fixações como adequação, acomodação e ajustamento ao que já está dado. Convidar à criação de mundos”, propôs Susana Dias, coordenadora da Sub-rede Divulgação Científica e Mudanças Climáticas, da Rede CLIMA e uma das organizadoras da exposição, em dizeres que originaram o texto de apresentação do evento.
A água, ou melhor, sua ausência, permeou as apresentações do evento. Objeto de atenção no estado de São Paulo desde que o abastecimento do Sistema Cantareira entrou em crise, os discursos sobre a falta de água encontram-se inundados de assincronias entre o que a mídia mostra e o que o governo defende, acumulando frustrações e ansiedades, conforme pontuou Renzo Taddei, professor da Universidade Federal de São Paulo. “A questão que se coloca é: como sincronizar as emoções de modo a levar as populações a se comportarem de maneira mais sustentável?”, apontou o antropólogo, durante a palestra Dimensões ontológicas do ausente: corporalidades e materialidades, depois que a chuva não veio, realizada durante o primeiro dia do evento.
O maior desafio, nesse sentido, está relacionado outra pergunta que podemos colocar: como dar visibilidade ao problema da seca? “A seca tem que ser feita existir. Ela é o único fenômeno climático caracterizado pela ausência, por algo que não está. E nós temos uma dificuldade tremenda para lidar com ausências”, observou. Por ser difícil perceber quando ela começa e acaba, a seca é um fenômeno que sofre muita especulação e, também, muita evasão de responsabilidades. “As secas são muito mais um desastre político do que a natureza que supostamente tenha saído do curso”, critica. O antropólogo sugeriu que um caminho possível seria o de atentar para os modos pelos quais as populações se relacionam com a água, observando como distintos materiais e corpos transformam-se na sua ausência, e procurar, então, criar maneiras de agir a partir desse entendimento. “A água só pode ser usada emocionalmente. Tem toda diferença do mundo pensar na água como tendo um uso racional ou emocional”, disse.
A dimensão sensível também foi objeto da intervenção Aqüiescrituras, do Humor Aquoso, grupo de pesquisa da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp. A projeção de imagens e sons evocando a fluidez da água teve por intuito provocar e tonar visível outros tipos de sensações. “Não uma sensação nossa com relação à água, mas a sensação do que a água proporciona em termos de constituição de imaginário ou cultura. Não é na nossa relação com a água, é pensar a água como se ela tivesse uma existência própria”, observou Antônio Carlos Amorim, professor da FE-Unicamp e coordenador do Humor Aquoso. Fugir das representações já dadas, de acordo com Amorim, seria um modo interessante de fazer nascerem outros afetos na relação das pessoas com a água. Ele conta que, por isso, o intuito do grupo “foi trabalhar a água de uma maneira não-representacional, subtraindo o máximo possível do que viesse a ser uma representação da água que pudesse ser reconhecida ou trabalhada na lógica da recognição”.
Além de emoções e sensações, a memória foi outro elemento explorado como possibilidade de recriar leituras e experiências na relação com a água, ao trazer à tona lembranças relacionadas a rios. Na contação de histórias trazidas pelas artistas Nina Neder e Mirna Rolim Cantos de Rio Correr, narrativas em torno do rio Piracicaba buscaram evocar as memórias do público, que foi instigado a compartilhar suas próprias histórias tendo o “rio” como tema. Ao lembrar que, normalmente, as pessoas dizem que o rio “corta” uma cidade, “passa” por outra – mas, na verdade, são as cidades que nascem na beira dos rios -, as artistas produziram uma inversão de perspectiva, instigando outros afetos para aquilo que consideramos “natural” quando se trata de pensar as paisagens.
A exposição Afetos Nascentes explorou o tema escolhido para o dossiê da próxima edição da ClimaCom, que tratará da questão da adaptação. A chamada para submissão de artigos e produções artísticas e culturais será lançada dia 15 de dezembro.