A regra do jogo é a encruzilhada de Exú: fabulando futuros climáticos para o patrimônio afro-baiano | Bruno Amaral de Andrade e Maria Alice Pereira da Silva
Bruno Amaral de Andrade[1]
Maria Alice Pereira da Silva[2]
“No chão da Bahia, onde a encruza é lei,
Exu, no jogo da vida, é o mestre e o rei.
Com dados de axé e cartas de itã,
Fabulamos futuros, amanhã e já. Laroyê!
Que a roda gire e o caminho se abra,
Nesta dança sagrada de escolha e palavra.”
(criado pelo autor)
Prólogo: narrativa da encruza – o jogo que se joga na vida
Laroyê! Quem fala aqui não são estes autores, mas a própria encruzilhada, a voz que se move entre as linhas e as intenções. Vocês acham que desenharam um jogo? Eu digo: Eu sou o jogo, e vocês, meus peões desavisados, já estão jogando a vida desde que o sol nasceu. Prestem atenção, pois vou lhes contar como essa tal de “Encruzilhadas Climáticas” se desdobra, não em papelão, mas na carne e no suor da Bahia que sangra e canta. Os 21 patrimônios, os terreiros, os quilombos, os parques sagrados – esses não são peças, são gente, são memória, são futuro. Vejam, pois a roda já gira e o primeiro desafio se impõe.
O tabuleiro, que vocês chamam de modular, é a própria Bahia se desdobrando no acaso. Hoje, o Terreiro da Casa Branca (Salvador) aparece ligado por um Corredor de Influência ao antigo Quilombo do Urubu (atual Parque São Bartolomeu, Subúrbio Ferroviário), e bem ali, do lado, a Baía de Todos-os-Santos se inquieta. Meus jogadores, esses sete atores sociais com suas agendas miúdas e seus poderes grandiosos, recebem suas fichas: a líder quilombola, o burocrata do instituto de preservação, o pesquisador acadêmico, o empresário da construção, a ativista barulhenta, o magnata do turismo e o político de mil bocas. Ah, a líder quilombola, a “Guardiã do Saber”, ela puxa uma carta de Ameaça: “Maré Roxa: Vazamento de Petróleo”. Um Marcador de Risco é colocado na Baía. “Efeito de Ruptura Epistêmica: A sabedoria dos pescadores sobre o ciclo das águas é descreditada. Mais um Marcador de Esquecimento na Baía”. Exú ri, pois a pretensão da ciência do capital se mostra frágil. A Guardiã move sua peça para o quilombo, buscando ali o Axé da comunidade. O burocrata do instituto de preservação, pálido, sente o peso. Ele se move para a Baía e pensa: “E agora, jogo meu poder de Tombamento ou guardo para uma ameaça maior? Afinal, sou o Guardião da Ordem, mas minha ordem é lenta”.
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/09/2025
Aceito em: 15/10/2025
[1] Grupo de Pesquisa EtniCidades: Estudos Étnicos e Raciais em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia. Email: brunodeandrade.arq@gmail.com.
[2] Núcleo de Pesquisa em Direito do Patrimônio Cultural, Universidade Federal de Ouro Preto. Email: mariaalicearq12@gmail.com.
A regra do jogo é a encruzilhada de Exú: fabulando futuros climáticos para o patrimônio afro-baiano
RESUMO: Este ensaio argumenta que o jogo de tabuleiro “Encruzilhadas Climáticas” opera como uma manifestação prática da pedagogia das encruzilhadas, subvertendo hierarquias de saber ao materializar a cosmologia de Exú em suas mecânicas e narrativas. Analisamos o jogo como um dispositivo que assume Exú como mediador entre mundos, aumentando a realidade dos saberes ancestrais na academia ao transformar conhecimentos como a oralidade e o ritual em tecnologias encantatórias eficazes para a reinvenção de mundos. A partir de categorias de análise da epistemologia exuniana — nomadismo, imprevisibilidade, relação e corporeidade — demonstramos como o desenvolvimento do jogo critica a linearidade colonial ao operar em um tempo espiralado, onde os dilemas míticos (itãs) irrompem no presente para (des)estabilizar o futuro de povos e comunidades tradicionais. Finalmente, articulando as ideias de corpo-território com a noção de governança espiritual afro-brasileira, e considerando a necessidade de reativar o animismo em face da crise do Antropoceno, Capitaloceno, Plantationoceno e Chthuluceno, exploramos a tensão semi-cooperativa entre os jogadores como uma simulação cosmopolítica que debate risco, mediação e responsabilidade, posicionando o jogo como uma forma de ciência divinatória para a fabulação de futuros alternativos de resiliência climática ao patrimônio cultural afro-diaspórico, quilombos, terreiros e parques sagrados, na Bahia. Adicionalmente, inserimos uma narrativa disruptiva, contada pela própria voz de Exú, que perpassa uma rodada do jogo, revelando o jogo como uma performance contínua da vida e suas inesgotáveis encruzilhadas.
PALAVRAS-CHAVE: Pedagogia das Encruzilhadas. Jogo de Tabuleiro. Emergência Climática. Governança Espiritual. Patrimônio Cultural Afro-Baiano.
The rule of the game is Exu’s crossroads: fabulating climatic futures for afro-bahian heritage
ABSTRACT: This essay argues that the board game “Climatic Crossroads” operates as a practical manifestation of the pedagogy of crossroads (pedagogia das encruzilhadas), subverting knowledge hierarchies by materializing Exu’s cosmology within its mechanics and narratives. We analyze the game as a device that embraces Exu as a mediator between worlds, thereby enhancing the relevance of ancestral knowledges in academia by transforming traditional practices such as orality and ritual into effective enchanted technologies for the reinvention of worlds. Drawing upon analytical categories from Exu’s epistemology—nomadism, unpredictability, relationality, and corporeality—we demonstrate how the game’s development critiques colonial linearity by operating within a spiraled time, where mythical dilemmas (itãs) erupt into the present to (de)stabilize the future of traditional peoples and communities. Finally, by articulating the ideas of body-territory with the notion of Afro-Brazilian spiritual governance, and considering the imperative to reactivate animism in the face of the Anthropocene, Capitalocene, Plantationocene, and Chthulucene crisis, we explore the semi-cooperative tension among players as a cosmopolitical simulation that debates risk, mediation, and responsibility. This positions the game as a form of divinatory science for the fabulation of alternative futures of climatic resilience for Afro-diasporic cultural heritage, including quilombos, terreiros, and sacred parks in Bahia. Additionally, we embed a disruptive narrative, voiced by Exu himself, which traverses a round of the game, revealing the game as a continuous performance of life and its inexhaustible crossroads.
KEYWORDS: Pedagogy of Crossroads. Board Game. Climate Emergency. Spiritual Governance. Afro-Bahian Cultural Heritage.
ANDRADE, Bruno Amaral de; SILVA, Maria Alice Pereira da. A regra do jogo é a encruzilhada de Exú: fabulando futuros climáticos para o patrimônio afro-baiano. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-regra-do-jogo/
