A biodiversidade como dupla-fratura: caminhos para o refúgio | Rebeca Verônica Ribeiro Viana, Anne Caroline de Freitas, Gabriel Barco Silva, Paulo Takeo Sano e Ronaldo Andrade dos Santos
Rebeca Verônica Ribeiro Viana[1]
Anne Caroline de Freitas[2]
Gabriel Barco Silva[3]
Paulo Takeo Sano[4]
Ronaldo Andrade dos Santos[5]
Criamos um antídoto: estamos tirando o veneno do colonialismo para transformá-lo em antídoto contra ele próprio.
(Santos, 2023, p. 59.)
No presente ensaio propomos um início de conversa que contribua com a tessitura de reedições, a partir da (auto)crítica, às práticas colonialistas de pesquisa e de educação em biodiversidade. Em nossa visão, é preciso encarar os ambientes de produção acadêmica e currículos formativos, que sem medida, tendem a reproduzir estruturas colonizadas e colonizadoras de apreensão do mundo. Mobilizam-nos dois questionamentos principais. Como repensar a formação e educação em biodiversidade num contexto como o brasileiro, no qual a megadiversidade biológica amalgama-se à megadiversidade de populações tradicionais (Cunha, 2021). Ainda, num momento no qual a crise de erosão da biodiversidade é nomeada como colapso (Marques, 2023), será possível pensar a biodiversidade – em suas possibilidades polissêmicas – como meio para imaginar caminhos para o refúgio?
Malcolm Ferdinand (2022) propõe situar o Caribe como epicentro para o desenvolvimento de um pensamento que integre o colapso ambiental aos lastros da colonização. A região caribenha, onde atracaram-se as primeiras embarcações europeias colonizadoras, congrega uma ampla diversidade de dominações, colonizações, influências, resistências e reelaborações cuja produção intelectual e pensamento crítico segue, de certa forma, ainda desconhecida em nossa porção do mundo (Silva, 2018). Destacamos, aqui – apenas a título de ilustrar a relevância da produção afro-caribenha para a construção do pensamento decolonial – a obra de Frantz Fanon (2020, 2022), Aimé Césaire (2020), Édouard Glissant (2021) – estes, compatriotas do martinicano Ferdinand – e a jamaicana Sylvia Wynter (2017). Por meio do que Ferdinand nomeia como dupla fratura, revela-se, ou por um lado, os efeitos da crise ambiental; ou, por outro, recaem as ideias e práticas racistas do Ocidente fundadas pelos desejos imperiais da Europa. A proposta envolve, então, uma crítica ao pensamento dual nas elaborações epistêmicas vigentes. Ou seja, diante da exposição de questões relacionadas à fratura ambiental, costuma-se manter o silêncio em relação à fratura colonial; ou então, ao se tratar da fratura colonial omite-se as questões ecológicas (Ferdinand, 2022).
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/09/2024
Aceito em: 15/11/2024
[1] Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. Email: rebeca.viana@alumni.usp.br
[2] Programa Interdisciplinar de Pesquisa em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo
[3] Programa Interdisciplinar de Pesquisa em Ensino de Ciências, Universidade de São Paulo
[4] Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo
[5] Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo. Email: rebeca.viana@alumni.usp.br
A biodiversidade como dupla-fratura: caminhos para o refúgio
RESUMO: Neste ensaio, apresentado como um início de conversa, o conceito da dupla-fratura, conforme apresentado por Malcom Ferdinand, é utilizado como linha para a costura de uma educação em biodiversidade que se constitua como refúgio diante do colapso enunciado. Argumentamos tal caminho pode ser tecido a partir da possibilidade de acesso e permanências das diversidades ao meio acadêmico; pelo fomento às práticas de coprodução de conhecimento à pesquisa e educação em biodiversidade; e pela ampliação das redes de colaboração e repertório das grades curriculares de formação de pesquisadores e educadores em biodiversidade, com especial atenção às epistemes e pedagogias produzidas nos aquilombamentos.
PALAVRAS-CHAVE: Educação em biodiversidade. Dupla-fratura. Refúgios.
Biodiversity as a double fracture: pathways to shelter
ABSTRACT: In this essay, we present the concept of “double fracture”, as presented by Malcom Ferdinand, as a thread for sewing a biodiversity education that constitutes a refuge in the face collapse. We argue that such a path can be woven from the possibility of access and permanence of diversity in the academic environment; by fostering practices of co-production of knowledge for research and education in biodiversity; and by expanding collaboration networks and the repertoire of curricular grids for training researchers and educators in biodiversity, with special attention to the epistemes and pedagogies produced in quilombos.
KEYWORDS: Biodiversity education. Double fracture. Shelter.
VIANA, Rebeca Verônica Ribeiro; FREITAS, Anne Caroline de; SILVA, Gabriel Barco; SANO, Paulo Takeo; SANTOS, Ronaldo Andrade dos.. A biodiversidade como dupla-fratura: caminhos para o refúgio. ClimaCom – Desvios do “ambiental” [online], Campinas, ano 11, nº. 27. dez 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-biodiversidade