Luiz Marques[1]
Este é o terceiro de uma série de seis artigos sobre as crises socioambientais contemporâneas e suas possíveis soluções ou mitigações numa perspectiva de decrescimento administrado. Os dois artigos anteriores publicados nesta coluna quinzenal tiveram por objetivos: (1) argumentar sobre a necessidade de um decrescimento administrado, de modo a evitar ou minimizar o decrescimento caótico, que se afigura probabilíssimo no horizonte dos próximos decênios, mantida a dinâmica expansiva do capitalismo globalizado; (2) demonstrar que apenas essa perspectiva de decrescimento administrado, se conduzida no âmbito de um programa de aprofundamento da democracia, poderia nos dar tempo suficiente para evitar o que deve ser a qualquer custo evitado: um aquecimento médio global superior a 2 oC acima do período pré-industrial, previsto igualmente para os próximos decênios.
O presente artigo aborda o declínio da biodiversidade causado pela expansão do capitalismo, e os próximos três tratarão da escassez hídrica, da poluição industrial e da exorbitante concentração do poder econômico, político e ideológico nas mãos de megacorporações que manipulam as formas tradicionais de representatividade política, com vistas a manter suas taxas de lucro e a neutralizar os esforços de nossas sociedades para se desviar de sua atual trajetória de colapso socioambiental.
Biodiversidade, a infraestrutura que sustenta toda a vida e a mudança de paradigma
A recente declaração de Cristiana Pașca Palmer, secretária-geral assistente da ONU e secretária-executiva da Convenção da Diversidade Biológica, define bem o que está em jogo na destruição em curso da biodiversidade e o que é necessário para reverter esse processo [2]:
“Podemos pensar na diversidade biológica como a ‘infraestrutura’ que suporta toda a vida no planeta. Quando perdemos espécies por extinção, a teia da vida é destruída e isso, por sua vez, afeta a resiliência dos ecossistemas e a capacidade da natureza de fornecer os serviços de que os humanos se beneficiam – garantindo nossa comida, o ar que respiramos, a água que bebemos ou os momentos de paz e serenidade que desfrutamos na natureza. A conservação e proteção da natureza, dos ecossistemas e das espécies é um pilar essencial de qualquer estratégia para garantir sistemas naturais totalmente funcionais a longo prazo. A restauração ecológica de terras degradadas através de meios naturais deve ser outro componente-chave. Em última análise, a mudança de paradigma que talvez seja necessária é a ampla compreensão de que a Terra é um sistema de elementos interconectados e que os sistemas sociais e econômicos dos seres humanos estão inseridos no sistema da natureza, e não o contrário”.
Os ecossistemas naturais, ou os “recursos naturais”, como preferem chamá-los os economistas, não são um “fator de produção”, não são um subsistema da economia, disponível para que o Homo oeconomicus produza “valores agregados”, termo absolutamente enganoso (os que acham que a mercadoria suco de manga, por exemplo, agrega “valor” à manga, que tentem fabricá-lo sem a fruta e sem todo o ecossistema que a torna possível). Ao contrário dessa ilusão, a atividade econômica humana é apenas um fator de interferência crescentemente destrutiva nos equilíbrios naturais, dos quais a humanidade depende umbilicalmente. Estamos rumando indubitavelmente para uma “hipobiosfera” (uma biosfera sem florestas e, portanto, muito empobrecida) e para outro estado de equilíbrio climático, com temperaturas médias globais superiores a 2 oC em relação ao período pré-industrial. Torna-se agora imperativo optar entre continuar a submeter esses equilíbrios naturais ao sistema econômico capitalista, gerador de crescimento a qualquer custo, ou abandonar esse sistema para salvaguardar nossas chances de sobrevivência como sociedade e como espécie numa biota planetária já no limite de sua resiliência. É importante lembrar que, além de encerrarem os grandes tesouros da biodiversidade planetária e além de sua beleza única, as florestas são fundamentais na conservação dos regimes hidrológicos e no armazenamento de carbono, sendo insubstituíveis, portanto, para conter o aquecimento global. Com elas, já se tornou extremamente difícil manter a estabilidade climática do Holoceno, graças à qual foi possível toda a civilização. Sem elas, essa possibilidade torna-se praticamente impossível, como mostra a Figura 1.
Figura 1 – Aumento da temperatura média global, custos de mitigação da temperatura (em bilhões de dólares ao ano) e ano de pico das emissões, com e sem florestas | Fonte: Frances Seymour, Jonah Busch, “Forests Deserve More Respect When It Comes to Climate Action”, World Resources Institute, 7/XI/2017.
Cristiana Pașca Palmer está encarregada de preparar e coordenar o próximo encontro da Convenção da Diversidade Biológica em Pequim, em 2020. Os dados que informarão a pauta desse encontro são particularmente alarmantes, a começar pela constatação de que a extração de madeira, o avanço da fronteira agropecuária, os incêndios, a mineração, as grandes hidrelétricas, a urbanização e as estradas abertas na floresta em decorrência desses fatores continuam destruindo, e numa velocidade crescente, as florestas do planeta, sobretudo as florestas tropicais, habitat da maioria esmagadora das espécies vegetais e animais.
Antes da completa ocupação do ecúmeno pelos homens e da generalização da agricultura e da criação de rebanhos, cerca de dez mil anos atrás, “havia seis trilhões de árvores neste planeta. Hoje, há aproximadamente metade desse número”. Essa avaliação reportada num editorial da revista New Scientist[3] é confirmada por um estudo coordenado por Thomas W. Crowther, da Yale University, segundo o qual há hoje cerca de 3,04 trilhões de árvores no planeta, com quase metade delas nos Trópicos, onde as florestas são muito mais densas: “cerca de 1,3 trilhão de árvores existem nas florestas tropicais e subtropicais, 0,74 trilhão nas regiões boreais e 0,66 trilhão nas regiões temperadas”[4].
A aceleração do desmatamento na Idade contemporânea, mais ainda a partir dos anos 1950 e ainda mais no século XXI, é simplesmente alucinante. Nos últimos dez mil anos, houve uma destruição média de 300 milhões de árvores por ano. Hoje, essa taxa multiplicou-se por 50. Crowther e colegas estimam, com efeito, que “mais de 15 bilhões de árvores são cortadas por ano”. No que se refere à área de perda florestal no século XXI, os últimos levantamentos do Global Forest Watch (GFW) mostram que de 2001 a 2017 houve perda bruta de 337 milhões de hectares (3,37 milhões de Km2) de cobertura florestal, o equivalente a 8,4% da cobertura florestal planetária ainda remanescente no início do século. E a curva nesse período de 17 anos é claramente ascendente, como mostra a Figura 2.
Figura 2 – Perda bruta de área de cobertura florestal (área com mais de 30% de dossel florestal) entre 2001 e 2017 em milhões de hectares. | Fonte: Global Forest Watch, junho de 2018
As Paisagens Florestais Intactas
As maiores vítimas dessa curva do colapso da biodiversidade na Terra são as chamadas Paisagens Florestais Intactas (PFIs[5]). Últimas fronteiras das “matas virgens” e de outros ecossistemas ainda não suprimidos ou degradados pela expansão econômica de escala, as PFIs armazenam 40% do carbono total da floresta tropical acima do solo, embora compreendam hoje apenas 20% da área de floresta tropical[6]. Em 2000, elas cobriam 12,8 milhões de Km2 (9,8% da superfície terrestre não coberta de gelo), 82% dos quais compostos de florestas, concentradas sobretudo no Brasil, Rússia e Canadá. As PFIs tropicais representavam então quase a metade dessa área (48%) e as boreais pouco mais de um terço (36%). Em 2017, as PFIs recobriam apenas 11,68 milhões de Km2, uma perda total de 1,12 milhão de Km2 ou 9,3% dessa área em relação a 2000. A maior parte da perda ocorreu nas áreas tropicais, onde, repita-se, concentra-se maior biodiversidade e maior densidade de armazenamento de carbono. Desde 2000, vários países perderam ao menos metade de suas PFIs, entre os quais o Paraguai, Romênia, Laos e a Guiné Equatorial. E outros países, como a República Centro-Africana, Nicarágua, Mianmar, Camboja, Angola, Austrália, Camarões e Libéria perderam ao menos um terço delas. O mapa da Figura 3 oferece uma visualização dessas áreas de perda entre 2000 e 2016, com destaque para o Brasil, a República Democrática do Congo, a Indonésia e as florestas boreais da Rússia e do Canadá.
Figura 3 – Paisagens Florestais Intactas em 2016 (verde) e áreas de degradação entre 2000 e 2013 (laranja) e entre 2013 e 2016 (vermelho). | Fonte: Peter Potapov et al., “The last frontiers of wilderness: Tracking loss of intact forest landscapes from 2000 to 2013”. Science Advances, 13/I/2017 e Intact Forest Landscapes
Mantidas as atuais taxas de perda, muitos países tropicais terão perdido a totalidade de suas PFIs em 2030, 2050 ou, no mais tardar, em 2060-2070. Como adverte James Watson, essas “áreas selvagens estão sendo dramaticamente dizimadas. Não podemos restaurá-las. Uma vez eliminadas, os processos que mantêm seus ecossistemas também se vão”[7].
Aceleração do desmatamento nos Trópicos
Segundo o State of the World’s Forests da FAO, de 2016, os Trópicos estão perdendo em média 70 mil Km2 de florestas e aumentando em 60 mil Km2 sua área agropecuária por ano. Essa taxa de perda das florestas tropicais é obviamente dramática, mas as imagens colhidas por satélites e analisadas pelo relatório de junho de 2018 da GFW mostram uma realidade ainda pior que as estimativas da FAO, baseadas em relatórios governamentais nem sempre acurados[8]. As imagens da GFW mostram: (1) uma aceleração do desmatamento tropical, com perdas nunca inferiores a 80 mil Km2 a partir de 2004; (2) um verdadeiro salto no último triênio e (3) uma perda florestal, apenas em 2017, de 158 mil Km2, o equivalente a perder 40 campos de futebol de florestas por minuto todos os dias do ano[9].
Figura 4 – Perda de cobertura florestal nos Trópicos entre 2001 e 2017 em milhões de hectares (área com mais de 30% de dossel florestal). A linha vermelha representa a média de cada triênio. Fonte: Global Forest Watch (GFW) e World Resources Institute, junho de 2018
A Figura 5 quantifica essas perdas e mostra o Brasil e a República Democrática do Congo na liderança dos dez países que mais contribuíram para a diminuição da área das florestas tropicais no mundo em 2017.
Figura 5 – Os dez países tropicais com maior perda bruta de cobertura florestal no mundo em 2017 | Fonte: Global Forest Watch (GFW) e World Resources Institute, junho de 2018
América Latina
Os ataques do agronegócio às florestas latino-americanas intensificam-se. Na Colômbia, a floresta amazônica ocupa um terço de seu território e abriga muitas das 849 espécies colombianas integrantes da Lista Vermelha das espécies em risco de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), tais como onças, lontras gigantes, golfinhos e macacos aranha. O momentâneo vácuo de poder territorial criado pela paz assinada entre o governo e as FARC em finais de 2016, após 52 anos de guerra, desencadeou uma corrida à ocupação da floresta, destruída para dar lugar a pastagens para o gado, para as lucrativas culturas de óleo de palma e de coca e para a mineração e extração de madeira[10]. Essa corrida redundou num aumento de 46% do desmatamento da floresta amazônica colombiana em 2017 em relação a 2016, atingindo-se agora o dobro da taxa média de desmatamento do período 2001-2015. Algo como 4,24 mil Km2 de floresta amazônica colombiana foram suprimidos apenas no ano passado, como mostra a Figura 6.
Como visto na Figura 5, juntas, a Colômbia (4,24 mil Km2), a Bolívia (4,63 mil Km2) e o Paraguai (3,6 mil Km2) perderam 12,5 mil Km2 de cobertura florestal em 2017. Mas essa perda corresponde quase à quarta parte dos cerca de 45 mil Km2(4.519,833 milhões de hectares) de perdas florestais brasileiras no conjunto de seus biomas em 2017, segundo os dados da GFW, como mostra a Figura 7
Figura 7 – Perda de cobertura florestal nos biomas brasileiros entre 2001 e 2017 em milhões de hectares | Fonte: Global Forest Watch (GFW) e World Resources Institute
O ano de 2017 foi o segundo maior, após 2016, em perdas florestais na Amazônia e no Cerrado e o primeiro no que se refere às perdas da Mata Atlântica. No caso da Amazônia, isso se deve sobretudo a incêndios, provocados na esmagadora maioria dos casos por fazendeiros e agravados pela seca que perdura na região sul da Amazônia desde 2016. “A região amazônica [brasileira] teve mais incêndios em 2017 do que em qualquer ano desde o início dos registros em 1999”, afirmam Mikaela Weisse e Elizabeth Dow Goldman, do World Resources Institute [11]. Embora as florestas provavelmente se recuperem desses incêndios, estes as degradam e aumentam significativamente as emissões brasileiras de carbono. Ainda segundo Weisse e Goldman, “os especialistas também estão preocupados que altos níveis de incêndios e degradação florestal estão se tornando o novo normal na Amazônia. As mudanças climáticas combinadas com o desmatamento causado pelo homem estão aumentando a prevalência da seca, tornando a paisagem mais vulnerável a incêndios”.
Esses dados do GFW diferem muito dos anunciados tradicionalmente pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Prodes/Inpe), como mostra a Figura 8
Figura 8 – Dados comparativos do desmatamento da Amazônia segundo o Prodes e o GFW, da University of Maryland entre 2001 e 2017 em milhões de hectares. | Fonte: Global Forest Watch
Enquanto o GFW registra uma perda florestal na Amazônia brasileira de 34,7 mil Km2, entre janeiro e dezembro de 2017, o Prodes acusa uma perda de “apenas” 6.947 Km2 entre agosto de 2016 e julho de 2017. Essa discrepância se deve a metodologias diferentes adotadas pelos dois sistemas de monitoramento florestal. O GFW acompanha o desmatamento de janeiro a dezembro e captura a perda de uma área florestal maior que a do Prodes. Monitora, além disso, a perda de floresta secundária e a degradação florestal causada por incêndios. Sobretudo a resolução das imagens captadas por seus satélites é muito maior, sendo capaz de detectar perdas em terrenos tão pequenos quanto 0,1 hectare, ao passo que o Prodes mede o desmatamento entre agosto e julho, captura apenas desmatamento novo de florestas primárias e não detecta perdas inferiores a 6,25 ha. Quando se discriminam os dados do GFW e estes são comparados com os do Prodes, obtém-se um quadro mais fino do desmatamento da Amazônia em 2017, como mostra o quadro comparativo da Figura 9.
Figura 9 – Dados discriminados da perda florestal de 34,7 mil Km2 na Amazônia entre janeiro e dezembro de 2017: desmatamentos em florestas primárias e secundárias, em áreas menores e maiores que 6,25 ha e devidos a incêndios, em milhões de hectares | Fonte: Global Forest Watch
Os dados assim discriminados mostram que 46% do desmatamento amazônico incidiu sobre florestas secundárias. Perdas inferiores e superiores a 6,25 ha correspondem a 13% e a 18% do desmatamento, respectivamente, e os incêndios correspondem a 23% do total, tendo abarcado neste ano uma área de cerca de 8 mil Km2.
Quem são os responsáveis por levar a Amazônia brasileira à beira do abismo?
Qualquer que seja a metodologia ou o montante considerado, a resposta a essa questão é simples e segura. O maior responsável pela destruição da Amazônia é o agronegócio e, em especial, os grandes criadores de gado, como mostra a Figura 10.
Figura 10 – Desmatamento da Amazônia entre 2000 e 2013 em milhões de hectares, desagregado por tipos de florestas e por atividades econômicas | Fonte: Alexandra Tyukavina et al., “Types and rates of forest disturbance in Brazilian Legal Amazon, 2000–2013”. Science Advances, 3, 4, 12/IV/2017
Como se pode ver, cerca de 230 mil Km2 de florestas primárias foram perdidas na Amazônia Legal no período 2000-2013, sobretudo para dar lugar a pastagens (coluna verde-claro), uma área quase correspondente à do Estado de São Paulo. A predominância do gado ocorre igualmente nas florestas secundárias. Não resta dúvida quanto à correlação entre a destruição em curso da Amazônia e o carnivorismo brasileiro, já que 38% dos rebanhos brasileiros provêm da região amazônica e 80% do gado amazônico é devorado no país.
Segundo o Prodes/Inpe, a Amazônia perdeu entre 1970 e 2017 perto de 800 mil Km2 por corte raso, mais de três vezes a área do Estado de São Paulo. Para se ter uma ideia da intensidade da destruição, “é preciso imaginar”, como sugere Antônio Donato Nobre, do Inpe, “um trator com uma lâmina de 3 metros de comprimento, evoluindo a 756 km/h durante quarenta anos sem interrupção: uma espécie de máquina de fim do mundo. Segundo o conjunto das estimativas, isso representa 42 bilhões de árvores destruídas, isto é, duas mil árvores derrubadas por minuto ou 3 milhões por dia. É uma cifra difícil de imaginar por sua monstruosidade”. Secas crescentes em 2005, 2010 e 2016, incêndios cada vez maiores e uma perda ou degradação do tecido florestal que atingiu cerca de 80 mil Km2 apenas no biênio 2016 – 2017 (GFW) levaram a Amazônia à sua atual situação limite: mantida essa trajetória mais um decênio e ela pode transitar “espontaneamente” para uma vegetação não florestal, como há pouco advertido por Carlos Nobre e Thomas Lovejoy [12].
A biosfera à beira do abismo
Do ponto de vista mais geral do declínio da biodiversidade nas florestas tropicais, a catástrofe já foi, de qualquer modo, posta em marcha. Um inventário realizado em 21 países em 2015 mostra que: “A maior parte das mais de 40 mil espécies de árvores tropicais podem ser agora consideradas como globalmente ameaçadas de extinção”[13]. Em especial na Amazônia, conclui esse inventário, “ao menos 36% e até 57% de todas as espécies de árvores da Amazônia devem provavelmente ser consideradas como globalmente ameaçadas segundo os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza”.
Quando a última floresta tropical tiver sido removida para dar lugar a novos pastos, ainda haverá quem prefira desviar os olhos do colapso da biodiversidade em curso e saborear em paz o seu steak. Sempre haverá também quem se obstine a repetir, como num mantra, que é possível conservar o que resta das florestas tropicais e de sua biodiversidade sem desmantelar a dinâmica expansiva do capitalismo globalizado e o controle do Big Food e da agroquímica sobre nosso sistema alimentar. Os dados acima alinhados de nada valem diante da convicção de que é acima de tudo necessário manter o PIB crescendo. Bastará invocar o indefectível adjetivo “sustentável”, para que todas as contradições entre a lógica da acumulação capitalista e o futuro da biosfera se reconciliem como num passe de mágica. A realidade encontra-se nas antípodas dessa ilusão. E ela se afigura dia a dia mais claramente na aceleração atual do desmatamento e nas projeções científicas sobre o estado terminal da maior parte das florestas tropicais no horizonte do segundo quarto deste século.
* Este artigo foi originalmente publicado no Jornal da Unicamp e gentilmente cedido para publicação na Coluna Assinada da Revista ClimaCom. As fotos são de Antonio Scarpinetti e a edição de imagem de Luis Paulo Silva. O original pode ser acessado no link: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/artigos/luiz-marques/decrescimento-iii-colapso-da-biodiversidade
[1] Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH-Unicamp). Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a. edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do Coletivo Crisálida – Crises SocioAmbientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br).
[2] Cf. “Biodiversity is the ‘infrastructure that supports all life’”. Entrevista concedida ao The Guardian, 28/VI/2018.
[3] “The giving trees”. New Scientist, 12/V/2018.
[4] T. W. Crowther et al., “Mapping tree density at a global scale” Nature,2/IX/2015: “Following almost all of the collected data sources, we define a tree as a plant with woody stems larger than 10 cm diameter at breast height (DBH)”.
[5] “Tecnicamente uma Paisagem Florestal Intacta é definida como um território dentro de uma cobertura florestal atual contendo ecossistemas florestais e não florestais minimamente influenciados pela atividade econômica humana, com uma área de ao menos 500 Km2 (50 mil ha) e uma largura mínima de 10 km (medida como o diâmetro de um círculo inteiramente contido nos limites desse território)”.
[6] Cf. Peter Potapov et al., “The last frontiers of wilderness: Tracking loss of intact forest landscapes from 2000 to 2013”. Science Advances, 13/I/2017.
[7] James E.M. Watson et al., “Catastrophic Declines in Wilderness Areas Undermine Global Environment Targets”, Current Biology, 7/XI/2016.
[8] Cf. Jeff Tollefson, “Tropical forest losses outpace UN estimates”. Nature, 26/II/2015: “Satellite data suggest that forest loss accelerated in the past 20 years”.
[9] Cf. Mikaela Weisse & Elizabeth Dow Goldman, “2017 Was the Second-Worst Year on Record for Tropical Tree Cover Loss”. World Resources Institute, 26/VI/2018.
[10] Cf. Luke Taylor, “The dark side of Colombia’s Peace”. New Scientist, 12/V/2018, p. 7.
[11] Cf. M. Weisse & E. Dow Goldman, cit..
[12] Cf. Thomas E. Lovejoy, Carlos Nobre, “Amazon Tipping Point” (Editorial). Science Advances, vol. 4, 2, 21/II/2018.
[13] Cf. Hans ter Steege et al. “Estimating the global conservation status of more than 15,000 Amazonian tree species”. Science Advances, 1, 10, 20/XI/2015.