Alda Maria Abreu | Ativando animismos
Título: Ativando animismos
Resumo: Ativando animismos é uma Série Fotográfica criada pela pesquisadora Alda Maria Abreu a partir do encontro da proposta de trabalho Corpo Oráculo com as Imediações Aberrantes do VII Seminário Conexões.
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28 de novembro de 2017
VII Seminário Conexões – Centro Cultural Casarão/UNICAMP
Barão Geraldo – Campinas/SP
Primeiramente foi necessário conceber para mim um corpo-oráculo, um outro modo de existência, um outro modo de ver e sentir. Foi preciso fechar os olhos intoxicados pela visão cotidiana rasa e superficial do mundo proto-físico culturalmente etiquetado, para abrir terceiros, quartos, quintos olhos… olhos sedentos por uma visão múltipla, não linear, oracular, tendo em vista colocar em prática a metafísica dos atos livres que move a presente pesquisa.
Como olhar e ver o mundo para além da história antropocêntrica?
Como olhar e ver cosmovisões inauditas?
Para responder a estas perguntas foi necessário mergulhar nas dobras temporais de experiências de governabilidade animal, vegetal e mineral. E a partir daí renovam-se as perguntas: O que pode uma filosofia nascida de um corpo prenhe? Ou melhor, o que pode fazer ver um pensamento nascido de corpos prenhes? Prenhes de ilimitado? Prenhes de novas ecologias? Prenhes de uma nova raça de homens? uma nova humanidade? O que pode um corpo que carrega dentro de si o fora em forma de semente?
Em meio a estas perguntAções, ungido pelas forças vulvânicas das terras de Barão Geraldo, sob as bênçãos poderosas das mulheres do Centro Cultural Casarão, o encontro do corpoMãe que habita a pesquisadora com os afetos aberrantes das imediações do grupo de trabalho aumentou vertiginosamente suas potências de olhar, ver e agir, permitindo assim que Gaia, o grande ventre, o grande olho, a mãe que tudo vê, a pachamama das cosmovisões inauditas viesse à tona. E foram essas insurreições de Gaia que atravessadas nas palavras de Isabelle Stengers inocularam os olhos da pesquisadora e, reativando animismos, ganharam corpo nas fotografias desta série.
A fim de honrar a criação de conexões, de protegê-las contra os modelos e normas, pode ser necessário empregar um nome. O animismo poderia ser o nome atribuído a essa arte rizomática. Reativar o animismo não significa, então, que tenhamos sido animistas. Ninguém jamais foi animista, porque nunca se é animista “no geral”, apenas em termos de agenciamentos que geram transformações metamórficas em nossa capacidade de afetar e sermos afetados – e também de sentir, pensar e imaginar. O animismo, no entanto, pode ser um nome a serviço da recuperação desses agenciamentos, uma vez que nos leva a sentir que a reivindicação de sua eficácia não nos cabe. Contra a insistente paixão envenenada por desmembrar e desmistificar, o animismo afirma o que todos os agenciamentos exigem para não nos escravizar: que não estamos sozinhos no mundo. (STENGERS, 2012)[1]
O dançarino animista “vê o mundo em que dança seu corpo” (Langer 1953). E se é fato que não estamos sozinhos no mundo, como afirma Stengers, na esteira da filósofa americana Susanne Langer, há uma arte rizomática da vidência que de fato nos permite
“ver o mundo”, e o ato expressivo proposto por esta Série fotográfica nada mais é do que o resultado das visões desta arte, deste rizoma: as insurreições de Gaia. Certamente tratam-se de fotografias que tangenciam a linguagem do sonho e do delírio, buscando ser expressão daquilo que subjaz à forma, buscando responder às falências da cultura ocidental moderna, dito antropoceno, para responder por meio daquilo que reside no entre-mundos da imagem da força-forma, imagens que residem no sonho de uma humanidade porvir, ainda sem nome, idade ou tempo, ainda germinal, ainda animista.
A Série Fotográfica Ativando animismos é uma tentativa de responder a estas e outras perguntAções que a presença oracular de Gaia fez operar na anarco-arqueologia da maternidade, a partir das Imediações Aberrantes e das posteriores conexões produzidas pelo Seminário. Salve Salve Gaia, intrusa visão da vida viva que ainda resiste nos ventres, posto que o mundo não existe e ainda estamos todos por nascer.
[1] STENGERS, Isabelle. Reativar o animismo. Caderno de Leituras, n. 62, Edições Chão da Feira, Belo Horizonte, mai. 2017.
FICHA TÉCNICA
Concepção| Alda Maria Abreu
2017 – Brasil
AUTORA
Alda Maria Abreu
Dançarina/performer, pesquisadora, produtora e arte educadora, Alda Maria Abreu é bacharel em Artes Cênicas e mestre em Psicologia Clínica, uma artista independente que atua na cena cultural do eixo São Paulo-Bahia-Portugal há mais de 10 anos. Atualmente encontra-se nômade, num devir-transoceânico entre Brasil e Portugal, enquanto dedica-se às pesquisas de seu doutorado, intitulado “Metafísica dos atos livres”, sob a orientação do filósofo Peter Pál Pélbart do Núcleo de Estudos da Subjetividade da PUC/SP. Desde 2016 participa do SENSELAB – rede internacional de artistas sediada em Montreal (Concordia University), onde colabora com uma produção de pensamento híbrida, no cruzamento entre filosofia, arte e ativismo. Criadora do LAB EROS – laboratório de práticas corporais e experimentos erótico-filosóficos sobre o tempo, e em paralelo aos seus estudos teóricos, realiza eventos performáticos que visam a criação de dispositivos expressivos que dialoguem e efetuem danças-pensamentos livres das coleiras da dita dança contemporânea. Androgyne – Sagração do Fogo (2015) e Visões da Terra (2017), recentemente publicados na seção de vídeo-arte da Revista ClimaCom, e Théos (2018), são frutos de longas trajetórias e parcerias artísticas, como por exemplo junto à Taanteatro Companhia em São Paulo, ao LAC – Laboratório de Atividades Criativas de Lagos/Portugal, às artistas do coletivo Gameleira Artes Integradas em Salvador/BA, bem como uma série de artistas audiovisuais independentes, dentre os quais destaco Victor Negri e Lea Taragona, presentes em Peyote – Jardim dos Tempos (2016), imersão ecopoética criada em site specific fruto de sua última residência artística realizada no Centro Cultural São Paulo. E-mail: aldamariaabreu@gmail.com
ABREU, Alda Maria. Ativando animismos. ClimaCom – Ecologias Radicais [online], Campinas, ano. 5, n. 11. Abr. 2018 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=9090
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