João Miguel Lima | Despojos urbanos
TÍTULO: Despojos urbanos
RESUMO: Asfaltamento, calçamento, cimentação, construção. Nas cidades, o solo nu, permeável, foi coberto. Está escondido sob camadas de concreto. No ir e vir cotidiano das cidades, poucos são os espaços que permitem pisar a terra diretamente. As cidades se projetam por sobre dunas, rios, lagoas, constituindo superfícies impermeáveis. Fronteiras que criam a cidade e a natureza; um lá, um cá e todos os seus ciclos interrompidos. Água de chuva não se infiltra; esparrama-se, torna-se enchente, enxurrada. Os raios solares não são absorvidos; batem, voltam. As folhas secas, caídas, que revestiam a terra para formar uma camada fértil de material orgânico em decomposição – a serrapilheira –, agora se acumulam no pavimento. Acumulam-se, como sinais de abandono; folhas que devem ser varridas como lixo. Despojos, aquilo sem serventia, aquilo que não se quer. Folhas secas, caídas pelo chão, despojos urbanos desimportantes. Mas o desimportante é bom para a poesia, como disse Manoel de Barros. O que aprendemos com o tempo de decomposição? Como nos decompor nesse processo, entendendo que a cidade não dissociada da concepção moderna de “natureza”? Passei a recolher folhas das ruas e das calçadas. Recolhi dezenas delas para acompanhar a mutação dessas folhas em casa. No processo de perecimento, mudam cores, cheiros e formatos de um dia para o outro. Com os meus dedos, sinto mudarem as texturas. Trabalhar com folhas requer conhecer seus tempos, e cada espécie de árvore tem o seu. À medida que ressecam, as folhas se retorcem; parece que a vida não cessou. Numa virada de experimentação, comecei a criar um objeto de folhas – uma espécie de capa, uma sobrepele de folhas secas. Uma composição, com folhas costuradas umas às outras – um tecido de despojos urbanos. Com ele, às vezes me cubro, brinco de me vestir. Hundertwasser falou que somos cinco peles (5 skins), indissociáveis: a epiderme, as roupas, as casas, as “identidades” (que ele entende como família, país, natureza e outras pessoas), e, por fim, a terra e o universo. Então eu me visto, envolvo-me com as folhas e me sinto com outra pele. Pele com pele, cidade sobre pele, peles que compartilhamos. Com quanto tempo as folhas mudam? Com quanto tempo nós mudamos? Sentindo no corpo que compartilhamos peles, lançamo-nos à potencialidade de compartilharmos mundos.
FICHA TÉCNICA
Fotógrafo: João Miguel Diógenes de Araújo Lima
País de produção: Brasil
Anos: 2015, 2016, 2017.
LIMA, João Miguel Diógenes de Araújo. Despojos urbanos. ClimaCom – Cosmopolíticas da Imagem [online], Campinas , ano. 4, n. 10. Nov. 2017 . Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/?p=8038
SEÇÃO ARTE |COSMOPOLÍTICAS DA IMAGEM |Ano 4, n. 10, 2017
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