Nossa casa era a Lua

Título: Nossa casa era a Lua


Resumo: A não-casa forçava certa semelhança com a Lua. Poros imensos abertos nas paredes e chão e uma gravidade que, ao contrário, nos puxava para os cômodos acima. Não havia nada de orgânico na nossa espera. No máximo folhas secas, paredes abandonadas, frestas para outro tempo urgente. Talvez o futuro, mas ninguém sabia quando retornaríamos para lá. Tudo era indicativo de que três anos não chegariam a quatro; até a breve oficina de bicicleta montada pelos filhos do meio e a meia pegada dos pedreiros esquecida na escada. Aquela casa de verdade, mais tarde chamada de mansão, dissimulava certo acolhimento para que sentíssemos como se nunca houvéssemos saído, enquanto ela era reformada. A instalação fora trocada, mas ainda sobrava resto mortal de fita preta isolante para que não nos machucássemos na primeira tentativa de abreviar a escuridão. Agora a comunicação existe na vertical (através dos poços que ventilam frescas e vozes dos cômodos de cima para baixo e vice versa). Meses escorrendo em imagens, avistamos o palácio ainda cinza: um obelisco dilatado e sem ponta que erguemos a suor e sono. Aqui, na casa 22, caminhos abertos e em mim uma urgência de que me conheçam não só pelo que eu não tive, mas pelo eco infinito nos cômodos que eu tenho erguido.


Autor: Edvan Lessa, jornalista e professor. Mestrando em Divulgação Científica e Cultural na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor-Unicamp), e estudante de Biologia da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).