Territórios & políticas públicas rurais
Édson Luis Bolfe[1]
Daniela Biaggioni Lopes[2]
Elisio Contini[3]
TERRITÓRIO
Nesta última década, tem ficado mais clara para a sociedade a importância de um olhar para as espacialidades das ações antrópicas. Santos (2006, p. 13) destaca que “a geografia alcança neste final de século a sua era de ouro, porque a geograficidade se impõe como condição histórica, na medida em que nada considerado essencial hoje se faz no mundo que não seja a partir do conhecimento do que é território”.
A expressão de ações regionalizadas pode ser abordada em torno do conceito de território, que teve seu início no âmbito geográfico associado ao conceito de “espaço vital”, enquanto aspecto fundamental no processo de “desenvolvimento” das Nações, no contexto do expansionismo europeu do final do século XIX. Esse “desenvolvimento” dependeria da conquista e controle de novos territórios. Ratzel (1990) já destacava que o território é um elo indissociável entre uma dimensão físico-natural (solo e seus recursos naturais) e uma dimensão política do espaço (que se confunde com o estatal). Neste sentido, o entendimento de território tinha como fundamento a base físico-natural do Estado-Nação, com seus recursos naturais, população, fronteiras etc.
[…] a sociedade que consideramos, seja grande ou pequena, desejará manter sobretudo a posse do seu território sobre o qual é graças ao qual ela vive. Quando essa sociedade se organiza com esse objetivo, ela se transforma em Estado (RATZEL, 1990, p. 76).
Ao longo do tempo, este conceito ultrapassou questões físico-naturais e ensejou importantes debates em várias vertentes do conhecimento, envolvendo áreas das ciências humanas e enfatizando outras categorias de análise geográfica, particularmente aspectos de espaço e região. Essas análises envolvem e valorizam uma multiplicidade de outros aspectos, dentre eles as relações sociais e de poder, redes de circulação e comunicação e multiescalaridade. Saquet (2004) enfatiza que o território é resultado e condição da relação social-natural, sendo apropriado e ordenado por relações econômicas, políticas e culturais compreendidas interna e externamente em cada lugar.
Um território é produzido, ao mesmo tempo, por relações políticas, culturais e econômicas, nas quais as relações de poder inerentes às relações sociais estão presentes num jogo contínuo de dominação e submissão, de controle do espaço geográfico. O território é apropriado e construído socialmente, fruto do processo de territorialização, do enraizamento; é resultado do processo de apropriação e domínio de um espaço, cotidianamente, inscrevendo-se num campo de poder, de relações socioespaciais (SAQUET, 2004, p. 128-129).
O território não é apenas o resultado da superposição de um conjunto de sistemas naturais e um conjunto de sistemas de coisas criadas pelo homem. O território é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. […]. (SANTOS, 2000, p. 96).
O debate atual em torno do conceito de território tem assumido outros conceitos correlatos, como territorialidade e espaço. Este debate assume uma importância imprescindível para os aspectos relacionados aos processos de ordenamento rural em suas múltiplas dimensões, especialmente, política, econômica e social. Entende-se que há diferenciações entre espaço e território, ou seja, estes conceitos não são sinônimos. “O território é uma construção histórica e, portanto, social, a partir das relações de poder (concreto e simbólico) que envolvem, concomitantemente, sociedade e espaço geográfico (que também é sempre, de alguma forma, natureza)” (HAESBAERT; LIMONAD, 2007, p. 42). Saquet (2010) também destaca que o espaço corresponde ao ambiente natural e ao ambiente organizado socialmente, enquanto que o território é produto de ações históricas que se concretizam em momentos distintos e sobrepostos, gerando diferentes paisagens, logo, é fruto da dinâmica socioespacial.
A territorialidade, por sua vez, assume dimensões múltiplas sob o ponto de vista do espaço geográfico. Haesbaert (2007) enfatiza que assim como o território, o debate conceitual da territorialidade também assume múltiplas dimensões, desde uma concepção mais ampla que a do território, perpassando pela percepção da territorialidade como algo mais restrito, ou seja, uma simples “dimensão” do território, além da abordagem que separa e distingue a territorialidade e o território. Santos (2006) já ressaltava que espaço geográfico pode ser definido como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações. Pode-se compreender este espaço simultaneamente às disposições físicas das coisas e práticas sociais que aí ocorrem. Portanto, o espaço pode ser concebido como produto e produtor das interrelações entre homem-natureza-sociedade oriundas, por exemplo, por políticas públicas.
Políticas públicas e territórios
Ao pensar em políticas públicas e as possíveis relações com o conceito de território, é essencial entender o Estado como um dos elos que atua na organização espacial das ações da sociedade, com capacidade alta de influência. Compreender o território e suas inter-relações, desde sua base física até os atores sociais nele envolvidos e suas relações de identidade e poder, torna-se fundamental tanto para se estudar o espaço geográfico como para analisá-lo como um instrumental nos estudos das políticas públicas aplicadas ao meio rural e às mudanças climáticas.
A construção do conceito de desenvolvimento territorial no Brasil a partir da década de 90, bastante influenciada pela experiência europeia, traz a discussão do caráter e papéis do Estado e da sociedade na articulação da participação e gestão social, e na diversificação e inovação econômica dos territórios (Guimarães, 2011). Na época, “estratégias territoriais” começaram a ser pensadas e estudadas, principalmente visando um papel protagonista do Estado.
A partir da década de 2000, essas ideias começam a ser praticadas: o Ministério do Desenvolvimento Agrário deu início a programas de desenvolvimento rural por meio dos “Territórios das Rurais” (Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais – PRONAT), que em 2008, foram a base para o Programa Territórios da Cidadania. O objetivo deste programa abarca as dimensões múltiplas do espaço geográfico.
O Programa Territórios da Cidadania tem por objetivo promover e acelerar a superação da pobreza e das desigualdades sociais no meio rural, inclusive as de gênero, raça e etnia, por meio de estratégia de desenvolvimento territorial sustentável que contempla: I-integração de políticas públicas com base no planejamento territorial; II-ampliação dos mecanismos de participação social na gestão das políticas públicas de interesse do desenvolvimento dos territórios; III-ampliação da oferta dos programas básicos de cidadania; IV-inclusão e integração produtiva das populações pobres e dos segmentos sociais mais vulneráveis, tais como trabalhadoras rurais, quilombolas, indígenas e populações tradicionais; e, V-valorização da diversidade social, cultural, econômica, política, institucional e ambiental das regiões e das populações (BRASIL, 2008, p.1).
Guimarães (2011) discute a aplicação do enfoque de estratégia territorial em sentidos diferentes, mas não necessariamente conflitantes, se aperfeiçoados conjuntamente:
Um sentido possível seria o território como uma construção social e política, geralmente objetivando a ativa participação das representações sociais em uma ação nitidamente intersetorial nas estratégias de desenvolvimento. Outro sentido teria o território como uma base física de recursos (físicos, humanos, sociais e econômicos, etc.) para compor projetos, a participação social como uma estratégia consultiva e legitimadora da ação governamental e o desenvolvimento como resultante da execução de diversos projetos setoriais com baixa integração sistêmica. O primeiro se caracterizaria pelo seu caráter emancipatório e ascendente, e o segundo pelo seu caráter gerencial e descendente (GUIMARÃES, 2011, p. 45).
Os conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento sustentável também foram intensos nas últimas décadas, em debates paralelos às questões territoriais, e também vêm se integrando paulatinamente ao pensamento sobre o desenvolvimento territorial.
No Brasil, como em outros países do continente e do mundo, o debate atual sobre o desenvolvimento territorial rural se fundamenta, em primeiro lugar, na observação da persistência interligada da pobreza rural e da desigualdade regional, e se enquadra na discussão mais ampla sobre o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade (DELGADO et al., 2007, p. 12).
No meio rural, este debate é intensificado quando são analisados os fatores relacionados à legislação ambiental, políticas públicas, pobreza rural, produtividade e mudanças climáticas, e esta aproximação entre os conceitos de desenvolvimento sustentável e desenvolvimento territorial é primordial.
A formulação de políticas públicas a partir de estratégias territoriais construídas de forma participativa é um caminho possível e desejável. No contexto das mudanças climáticas, a eficiência nesta formulação e implementação de boas políticas públicas será fator essencial para a diminuição dos riscos e adaptação da agricultura, o que influencia diretamente a sustentabilidade e competitividade do setor nos territórios.
Bases territoriais e apoio a políticas públicas rurais
O agronegócio é responsável por aproximadamente 23% do Produto Interno Brasileiro e quase 50% do valor das exportações. As perspectivas para os próximos anos são elevadas e segundo projeções recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA, 2016), a produção brasileira de grãos deverá passar os atuais 196,5 milhões de toneladas para 255,3 milhões na safra 2025/2026. Na cadeia de carnes (bovina, suína e aves), projeta-se um incremento de 29,8% até 2025: mais 7,8 milhões de toneladas, nos próximos 10 anos.
Grande parte desta condição foi alcançada em função da pesquisa agrícola e pela implementação de políticas públicas ao longo das últimas décadas. O Governo Federal tem reforçado sua política agrícola, a exemplo do aumento de recursos destinados ao Plano Agrícola e Pecuário 2016/2017, com proposta de R$ 202 bilhões para financiamento e custeio da safra de verão. A própria criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973 e vinculada ao MAPA, foi um instrumento de política pública para a modernização da agricultura na década de 70 que contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas e inovações que tornaram a agricultura brasileira em grande produtora e exportadora de alimentos, fibras e energia. Na lei que criou a Embrapa (5.851, de 7 de dezembro de 1972), o artigo 2 define como finalidades da empresa: I – promover, estimular, coordenar e executar atividades de pesquisa, com o objetivo de produzir conhecimentos e tecnologia para o desenvolvimento agrícola do País; e Il – dar apoio técnico e administrativo a órgãos do Poder Executivo, com atribuições de formulação, orientação e coordenação das políticas de ciência e tecnologia no setor agrícola.
Dessa forma, os conceitos de territorialidade e suas múltiplas dimensões do ponto de vista do espaço geográfico são aplicação em estudos e análises para apoiar políticas públicas rurais pela Embrapa. Como instrumentais utilizam-se sistemas de informações geográficas, modelagens e processamento de dados espacialmente explícitos vinculadas ao uso da terra e às mudanças climáticas. Aqui deseja-se destacar brevemente três resultados em diferentes escalas geográficas e que apoiam as estratégias territoriais de políticas públicas recentes no Brasil.
Zoneamento de Risco Climático
Conforme o MAPA (2016, p. 1), o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC) é um “instrumento de política agrícola e gestão de riscos na agricultura onde o estudo é elaborado com o objetivo de minimizar os riscos relacionados aos fenômenos climáticos e permite a cada município identificar a melhor época de plantio das culturas, nos diferentes tipos de solo e ciclos de cultivares”. O ZARC foi utilizado pela primeira vez na safra 1996 para a cultura do trigo e é revisado e publicado anualmente na forma de portarias pelo Governo Federal. Atualmente, o ZARC contempla mais de 40 culturas agrícolas de ciclo anual e permanentes, como algodão, amendoim, arroz, cevada, feijão, girassol, mamona, milho, soja, sorgo e trigo, além do zoneamento para sistemas integrados (milho com braquiária).
O procedimento adotado atualmente é de fácil entendimento pelos produtores rurais, agentes financeiros e demais usuários. Os parâmetros de clima, solo e de ciclos de cultivares são analisados, a partir de uma metodologia validada pela Embrapa e adotada pelo MAPA. A partir desta metodologia, os riscos climáticos envolvidos na condução das diferentes lavouras de todo o país que podem ocasionar perdas na produção são quantificados. Dentre os riscos destacam-se aspectos da precipitação pluviométrica, temperatura, deficit hídrico, ocorrências de geadas e granizos, disponibilidade de água no solo, evapotranspiração real e potencial, estiagem agrícola e veranicos. As informações são processadas em escala nacional, regional, estadual e municipal, o que gera como resultado anual, a indicação dos municípios para o plantio de determinadas culturas e seus respectivos calendários de plantio, em diferentes regiões edafoclimáticas, a exemplo da Figura 1, onde são apresentadas as principais regiões sojícolas do Brasil definidas pelo ZARC.
Assad et al. (2008, p. 2) destacam que o ZARC “é um conjunto de ferramentas utilizado por parte do Estado, para apoiar o governo brasileiro no planejamento e controle de concessão de crédito de custeio e na oferta do seguro agrícola”. Este instrumento é a ferramenta oficial para a indicação das melhores regiões, cultivares, variedades e períodos de semeadura, com menores riscos e perdas, o que proporciona uma economia expressiva de recursos financeiros (públicos e privados) e elevação de produtividade e de lucro aos produtores. Dessa forma, entende-se o ZARC como um instrumento de política pública realizada em bases territoriais que busca racionalizar o uso dos recursos públicos e estimular a aplicação adequada da tecnologia, para redução dos riscos de perda e elevação da produtividade.
Com a ampliação do debate sobre mudança climática global, a base teórica que constitui o ZARC tem sido utilizada como suporte para a simulação de cenários agrícolas futuros, com base nas projeções feitas pelo IPCC e com o intuito de proporcionar meios para avaliação da vulnerabilidade agrícola do Brasil e das melhores estratégias de adaptação à mudança climática global (Assad et al., 2008, p. 2).
Figura 1 – Regiões geográficas sojícolas definidas pelo ZARC.
Fonte: MAPA-SPA/Embrapa – Disponível em: http://www.agricultura.gov.br
TerraClass – Cerrado
Conforme MMA, MAPA, MCTI (2015, p. 2), o Mapeamento do Uso e Cobertura Vegetal do Cerrado (TerraClass – Cerrado) busca a “caracterização e a análise da dinâmica do uso e da cobertura da terra no Cerrado, através de um monitoramento sistemático e periódico, utilizando sensoriamento remoto e sistemas de informação geográficas”. Estes fatores são considerados cruciais para lidar com o desafio do ordenamento e ocupação territorial de aproximadamente 24% do país. O Cerrado é a segunda maior região biogeográfica da América do Sul e sua área contínua incide sobre os estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná e São Paulo. Esta região tem passado por uma significativa conversão de habitat devido à abertura de novas fronteiras agrícolas e pecuárias, tornando-se importante fronteira agrícola brasileira e transformando os aspectos socioeconômicos regionais.
Para execução do TerraClass Cerrado foram utilizadas cenas do satélite Landsat 8, sensor Operational Land Imager (OLI), que serviram como fonte de informação para execução do mapeamento do uso e cobertura da terra. As imagens do Landsat 8 foram selecionadas preferencialmente durante o período seco (maio a outubro) do ano de 2013, com o objetivo de obter imagens com a menor cobertura de nuvens possível. O projeto é derivado de uma ação interministerial entre o MMA, MAPA e MCTI e envolveu a união de um grupo de instituições públicas brasileiras com larga experiência em sensoriamento remoto, geoprocessamento e mapeamentos de larga escala, para realizar a primeira versão do mapeamento. As classes de uso e cobertura identificadas e quantificadas foram: agricultura anual, agricultura perene, mineração, pastagem, silvicultura, solo exposto, mosaico de ocupações, urbano, natural (florestal, não florestal e não vegetado) e água (Figura 2). Os resultados obtidos já fazem parte do Programa de Monitoramento Ambiental dos Biomas Brasileiros (PMABB) do MMA que apoiará futuros estudos e análises sobre o uso e cobertura das terras no contexto das mudanças climáticas.
Os resultados do TerraClass Cerrado representam um marco técnico-científico e institucional para a geração de informações estratégicas para a compreensão de processos envolvendo a dinâmica de uso e cobertura da terra no Cerrado brasileiro, bem como para apoiar a elaboração de políticas públicas visando a conservação e o uso sustentável de seus recursos naturais” (MMA, MAPA, MCTI, 2015, p. 61).
Figura 2 – Região geográfica de abrangência e mapeamento do TerraClass – Cerrado.Fonte: MMA/MAPA/MCTI – Disponível em: http://www.mma.gov.br/biomas/cerrado
Plano de Desenvolvimento Agropecuário do MATOPIBA
A Embrapa, ao longo de sua trajetória, tem envidado esforços na geração de pesquisas, desenvolvimento tecnológico, inovação e transferência de tecnologia nos quatro estados do MATOPIBA. A área definida como MATOPIBA compreende 10 mesorregiões, contemplando 73.848.967 ha em 337 municípios (Maranhão-135, Tocantins-139, Piauí-33 e Bahia-30). Abrange três biomas, Cerrado (91%), Amazônia (7,3%) e Caatinga (1,7%). Mais recentemente, a Empresa desenvolveu um projeto especial para apoiar uma atuação estratégica da Embrapa e parceiros na região, no que tange à busca por inovações para a agricultura (EMBRAPA, 2015).
Dentre as ações desenvolvidas estão a caracterização da região em bases territoriais, abrangendo aspectos físico-bióticos, infraestrutura e logística, áreas institucionais e a identificação, uso e cobertura das terras, delimitação e caracterização dos polos de produção agrícola. Inúmeros planos de informações gerados pela própria Embrapa e demais órgãos governamentais foram organizados e servem como base de dados geoespaciais para análises integradas com as áreas sociais e econômicas que buscam apoiar o desenvolvimento agropecuário regional sustentável.
Como exemplo dos planos de informações gerados, destacam-se os dados da aptidão agrícola (Figura 3), onde observou-se uma significativa proporção de terras com elevado potencial para o desenvolvimento de agricultura intensiva (aproximadamente 26 milhões de ha ou 35% da região) no mapeamento, classificadas como tendo boa e regular aptidão. Lumbreras et al. (2015) destacam que na região do MATOPIBA ocorre uma grande variedade de solos, sob condições climáticas diversas, com reflexos em qualidade e vulnerabilidade distintas para o uso agrícola. Apontam ainda que parte dos solos possui grande potencial para agricultura, porém, é frequente a presença de solos de elevada vulnerabilidade à degradação.
Recentemente, o Governo Brasileiro estabeleceu o Plano de Desenvolvimento Agropecuário para a região por meio de Decreto Federal nº 8.447 de 06 de maio de 2015 (BRASIL, 2015). Este Plano de Desenvolvimento prevê a orientação de programas, projetos e ações federais relativos a atividades agrícolas e pecuárias a serem implementados nesta nova fronteira agrícola brasileira. Serão previstas no Plano ações de desenvolvimento territorial, observadas as diretrizes:
i) desenvolvimento e aumento da eficiência da infraestrutura logística relativa às atividades agrícolas e pecuárias; ii) apoio à inovação e ao desenvolvimento tecnológico voltados às atividades agrícolas e pecuárias; e iii) ampliação e fortalecimento da classe média no setor rural, por meio da implementação de instrumentos de mobilidade social que promovam a melhoria da renda, do emprego e da qualificação profissional de produtores rurais (BRASIL, 2015, p. 2).
Figura 3 – Região geográfica de abrangência e aptidão agrícola do MATOPIBA.
Fonte: Embrapa Solos – Lumbreras, J.F et al. (2015). Disponível em:
http://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/133233/1/4613.pdf
Considerando os diversos planos de caracterização da região, acredita-se que a ênfase de um planejamento agrícola deva ser nas áreas antropizadas e, quando for o caso de expansão da área agrícola, essa deve priorizar as áreas com pastagem degradada. Ou seja, o desenvolvimento da região, no que se refere à agricultura, deve buscar mais ganhos de produtividade do que expansão da área de produção, sempre observando princípios de sustentabilidade ambiental e da intensificação produtiva (irrigação, intensificação ecológica, intensificação do capital e etc.). Há oportunidades para a agregação de valor a produtos regionais, o que pode ser estimulado via processamento local da produção e apoio ao associativismo, no caso de pequena produção. Além do processamento, o aproveitamento de resíduos agroindustriais e a identificação de princípios ativos com potencial de valorização junto à biodiversidade local são oportunidades a serem observadas.
Considerações finais
O conceito de território necessita ser compreendido a partir de conexões multiescalares – local, regional, nacional e global – no planejamento das políticas públicas. O Governo Brasileiro, ao longo das décadas, vem incorporando a dimensão espacial em suas políticas públicas rurais. Vários são os exemplos dessa preocupação.
No contexto da Embrapa, os seus 46 centros de pesquisa “espacializadas” em todo o território brasileiro já representam, por si, a importância estratégica do conhecimento das condições físico-bióticas, sociais e econômicas regionais. Esta forma de atuação confere às ações de pesquisa, desenvolvimento, inovação e transferência de tecnologias desta Empresa Pública um forte componente territorial.
Nos breves exemplos aqui relatados, Zoneamento de Risco Climático, TerraClass – Cerrado e Plano de Desenvolvimento do MATOPIBA, percebe-se o papel estratégico do uso de informações territoriais no apoio à formulação de políticas públicas rurais, e no enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas na agricultura brasileira.
O “casamento” entre informações territoriais, inovações tecnológicas e políticas públicas tem forte potencial de impacto no desenvolvimento sustentável dos territórios, principalmente no meio rural. Um dos grandes desafios da Embrapa, e de outros atores envolvidos nos processos de inovação é a efetiva articulação institucional como forma de potencializar as redes de inovação dos territórios.
Inúmeros são os fatores sociais e econômicos que podem melhorar a qualidade de vida das populações brasileiras, porém, eleva-se a importância de políticas públicas rurais de orientação imediata para a sociedade e os agentes locais. Essas políticas públicas devem ser geradas e conduzidas de forma a garantir que a expansão agrícola seja planejada e amparada em bases territoriais e legais vigentes, visando o desenvolvimento sustentável.
Referências
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Recebido em: 1/06/2016
Aceito em: 1/06/2016
[1] Pesquisador, Coordenador de Inteligência Estratégica da Embrapa. PqEB s/nº, 70.770-901, Brasília, DF. E-mail: edson.bolfe@embrapa.br
[2] Pesquisadora, Coordenadora de Macroestratégia da Embrapa. Brasília, DF. E-mail: daniela.lopes@embrapa.br
[3] Pesquisador, Chefe da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa. Brasília, DF. E-mail: elisio.contini@embrapa.br
Territórios & políticas públicas rurais
RESUMO: O Brasil tornou-se um dos líderes mundiais em agricultura nas últimas décadas em função de sua extensão, condições edafoclimáticas, pesquisas, empreendedorismo dos agricultores e da agroindústria e pela implementação de políticas públicas. Este artigo visa refletir sobre alguns conceitos de território geográfico e possíveis aplicações nas políticas públicas rurais no Brasil. Revisam-se conceitos e apresentam-se algumas das ações da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no âmbito de territórios. Espera-se contribuir com a compreensão do conceito de território e suas intersecções com questões na agricultura e suas expressões espaciais na formulação, implementação, execução e avaliação de políticas públicas rurais associadas ao uso da terra. Estudos em bases territoriais permitem a melhor compreensão dos processos de expansão, retração, transição, conversão e intensificação agrícola e podem apoiar as políticas públicas associadas às mudanças climáticas e ao desenvolvimento rural sustentável.
PALAVRAS-CHAVE: Agricultura. Clima. Planejamento Rural.
Agriculture, public policies and territories
ABSTRACT: In the last decades, Brazil has become one of the global leaders in agriculture, mainly due to its territorial significance, climate and soil conditions, entrepreneurship of growers and agroindustry, technological innovation and public policies. This article debates concepts of geographical territory and its possible uses on rural public policies in Brazil. We present a brief review and also examples of Embrapa´s experiences regarding technological innovation on territories, which may contribute to the integration of these spatial concepts into formulation, implementation and assessment of public policies related to rural development. Spatial-based studies allow a better understanding on how agricultural land-use undergoes processes of expansion, retraction, transition, conversion and intensification, and have the potential of supporting effective public policies related to climate changes and sustainable development.
KEYWORDS: Agriculture. Climate. Rural Planning.