Cidades e mudanças climáticas: políticas públicas e governança ambiental
O tema “cidades e mudanças climáticas” ganhou maior relevância a partir da constatação de que não seria mais possível mitigar com eficiência todos os efeitos do aumento dos gases estufa na atmosfera. Neste cenário, a adaptação às mudanças climáticas globais seria indispensável, e a cidade o locus privilegiado para o desenho de políticas. A constante ampliação da concentração da população mundial nas cidades traz grandes desafios e, também, oportunidades para os planejadores e gestores públicos que vivenciam uma demanda crescente por políticas ambientais urbanas integradas e multiescalares. Cidades são grandes fontes de emissão de gases de efeito estufa e, também, concentram boa parte da população vulnerável às mudanças ambientais que vêm causando grande preocupação, a exemplo da elevação do nível do mar e da ampliação da frequência e intensidade de tempestades severas, furacões, secas, ondas de calor, entre outras. Por outro lado, a concentração populacional urbana permite que a implantação de políticas voltadas para mitigação, adaptação e redução da vulnerabilidade seja mais abrangente.
Nesse contexto, o livro Cities and Climate Change, editado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sob a coordenação de Lamia Kamal-Chaoui, Jan Corfee-Morlot e Alexis Robert, reúne uma série estudos que buscam aprofundar conhecimentos essenciais às políticas públicas e à governança dos problemas ambientais urbanos associados às mudanças climáticas. No seu conjunto, os textos demonstram que as cidades devem dar respostas efetivas às mudanças climáticas globais, contribuindo para a redução das emissões de gases estufa e, sobretudo, adotando novas estratégias de adaptação e redução da vulnerabilidade.
O desenvolvimento do livro ocorreu paralelamente à organização do quinto simpósio de pesquisa urbana pelo Banco Mundial, em 2009, na cidade de Marseille (França), com o tema “Cidades e Mudanças Climáticas: respondendo a uma agenda urgente”, que subsidiou a publicação intitulada “Cities and Climate Change: an urgente agenda” (BANCO MUNDIAL, 2010). Estas primeiras iniciativas, que marcaram a intensificação dos estudos sobre cidades e mudanças climáticas, estimularam uma série de publicações de peso[3] nos anos posteriores e a construção de um capítulo inteiro dedicado ao tema no Quinto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC (2015).
O livro é composto por dez capítulos agrupados, basicamente, em torno de três grandes temas: 1) tendências (trends); 2) políticas de competitividade (competiveness policies); e 3) governança (governance). A primeira parte discorre sobre as bases teóricas e empíricas que permeiam as relações entre cidades e mudanças climáticas. Questões associadas à concentração econômica, à morfologia urbana e ao alto consumo energético nas cidades trazem elementos cruciais, revisitados com frequência nos capítulos posteriores. Ainda, a descrição dos impactos específicos das mudanças climáticas nas cidades lança as bases para a discussão sobre os benefícios econômicos e sociais da implementação de políticas de mitigação e adaptação nas cidades. Os autores vislumbram uma realidade urbana marcada pela redução dos níveis locais de poluição e seu impacto positivo na saúde, ampliação da qualidade de vida urbana, aumento da segurança energética e melhoria na infraestrutura das cidades.
A segunda parte do livro explora as políticas de competitividade urbana para o tratamento das mudanças climáticas no nível local, com foco no zoneamento, nos recursos naturais, nos setores de transporte e construção, no tratamento do lixo e nos sistemas de distribuição de água. Ainda, traz considerações sobre o papel das cidades na construção de um novo modelo de reprodução econômica e de geração de empregos em bases sustentáveis do ponto de vista ambiental, com destaque para a geração de inovação e para as mudanças necessárias na infraestrutura, na produção e no consumo.
A terceira parte aborda diversos aspectos relacionados à governança urbana das mudanças climáticas, destacando a governança multiescalar, a importância das articulações entre o local/regional, as políticas climáticas locais, os instrumentos de financiamento e de captação de recursos, o amadurecimento institucional e a ampliação do conhecimento local. Governança multiescalar inclui articulação vertical (diferentes níveis de governo) e horizontal (atores não ligados diretamente aos governos, e governança integrada entre cidades, a exemplo da famigerada governança metropolitana). Os editores destacam a necessidade de articulação da política local com as políticas desenvolvidas no âmbito regional e nacional. Governos nacionais não podem efetivamente executar suas estratégias climáticas isoladamente, longe dos principais protagonistas e das especificidades regionais e locais. Ademais, os editores trazem informações relevantes sobre as oportunidades de financiamento nos níveis nacional e subnacional, além de abordar o surgimento de novas formas de financiamento das iniciativas climáticas urbanas. Mais adiante, demonstram que governos nacionais devem estimular a construção de novos arranjos institucionais no âmbito local e promover iniciativas que visem o amadurecimento das instituições já existentes, envolvendo stakeholders no processo decisório.
Ao final, o livro deixa claro que, apesar do crescimento e do desenvolvimento das cidades terem dado o tom da problemática climática contemporânea, as cidades também estão associadas às possíveis soluções. Governos nacionais e regionais devem apoiar a remoção de barreiras na governança urbana local, tendo em vista que os custos no atraso das políticas urbanas são altos. A criação de redes de política urbana que reúna diversos níveis de governo, pesquisadores e stakeholders seria algo indispensável na visão dos organizadores do livro.
A publicação é bastante relevante para acadêmicos, formuladores de políticas públicas, gestores e demais interessados no tema. As principais ideias e conclusões da obra estão resumidas e disponibilizadas em linguagem acessível nas primeiras páginas da publicação, o que facilita a leitura e a divulgação do conhecimento científico. O livro é disponibilizado gratuitamente no sítio eletrônico da OCDE, que pode ser acessado através do seguinte link: <http://www.oecd.org/>.
REFERÊNCIAS
BANCO MUNDIAL. Cities and Climate Change: an urgent agenda. Washington DC: Banco Mundial, 2010.
______. Guide to Climate Change Adaptation in Cities. Washington DC: Banco Mundial, 2011. BANCO MUNDIAL. Climate change, disaster risk, and the urban poor. Washington DC: Banco Mundial, 2012.
______. Climate Change. Disaster Risk, and the Urban Poor. Cities Building Resilience for a Changing World. Ed. Judy L. Baker. Washington DC: Banco Mundial, 2012.
______. Building Resilience: Integrating Climate and Disaster Risk into Development. Washington DC: Banco Mundial, 2013.
CARMIN, J.; NADKARNI, N.; RHIE, C. Progress and Challenges in Urban Climate Adaptation Planning: Results of a Global Survey. Cambridge, MA: MIT, 2012.
UNITED NATIONS HUMAN SETTLEMENTS PROGRAMME – ONU-HABITAT. Global Report on Human Settlements, cities and climate change. Washington DC: ONU-HABITAT, 2011.
Recebido em: 1/03/2016
Aceito em: 10/03/2016
* Esta resenha contou com financiamento do CNPQ, processo 482648/2013-9 (Edital Universal – 2013) e da CAPES (Bolsa de pós-doutoramento no exterior, processo 0832-15-4.
[1] Douglas Sathler é Geógrafo (IGC/UFMG, Brasil) e doutor em Demografia (Cedeplar/UFVJM, Brasil). FIH/CeGEO, UFVJM; Professor visitante, CIESIN, Columbia University, EUA. E-mail: doug.sathler@gmail.com
[2] Saleem Khan é graduado e mestre em Life Sciences (Anna University, Índia), e doutor em Ciências Climáticas (University of Madras, Índia); Columbia University, EUA. E-mail: asaleemkhan.cc@gmail.com
[3] Ver: Global Report on Human Settlements, cities and climate change (ONU-HABITAT, 2011); Guide to Climate Change Adaptation in Cities (BANCO MUNDIAL, 2012); Climate change, disaster risk, and the urban poor (BANCO MUNDIAL, 2012); Progress and Challenges in Urban Climate Adaption Planning (2012) – ICLEI (CARMIN, J.; NADKARNI, N.; RHIE, C, 2012). Building Resilience: integrating climate and disaster risk into development (BANCO MUNDIAL, 2013).