Corpos em gira: descolonizar e existir [registro de uma habitação] | Kathy Fabiana Scharf e Ana Maria Hoepers Preve


Kathy Fabiana Scharf[1]

Ana Maria Hoepers Preve[2]

 

Antes de iniciar, é preciso situar o leitor e destacar que este texto, embora escrito em primeira pessoa, não se sustenta sozinho. Ele também é uma troca, pois há sempre uma segunda pessoa nele: aquela que escuta e gira junto comigo, não apenas me direcionando na escrita, mas criando comigo um modo próprio de girar e existir. Assim, ainda que a voz pareça ser apenas a minha, o que se constrói aqui é um movimento compartilhado, uma gira em conjunto.

Quando adolescente, aos sábados, debruçada na janela, ouvia os atabaques tocarem ao longe. Um dia, curiosa, perguntei à minha mãe de onde vinham aqueles sons e quem os fazia. Ela respondeu que eram de um terreiro de Umbanda próximo à nossa casa. Lembro que brinquei dizendo que queria ir até lá aprender a tocar, mas ela logo me repreendeu: “Não brinca com isso, isso é coisa séria na família. Seu avô era da Umbanda, sua tia recebia entidades. É assunto proibido.” Mesmo assim, fiquei ali na janela, imóvel, ouvindo o som daquele batuque com os pelos do braço arrepiados. Como diz a música: “Quem tem santo incorpora, quem não tem se arrepia.”

O tempo passou e eu segui pulando de galho em galho, procurando uma religião, uma crença que fizesse sentido para mim. Passei pelo espiritismo, reiki, fiz leituras, cursos… mas nada me preenchia. Acabei deixando a busca e minha fé de lado. Nas voltas da vida, de repente, ela nos coloca diante do que precisamos. Após uma separação dolorosa, cheguei ao fundo do poço. E foi nesse momento que, com a ajuda de uma pessoa, reencontrei a Umbanda. Senti um forte desejo de ir ao terreiro, e o único lugar que me veio à mente foi aquele da infância.

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

[1] Doutoranda UDESC. E-mail: kathyfabiana@gmail.com

[2] Docente UDESC . Email: anamariapreve@gmail.com

 

Corpos em gira: descolonizar e existir [registro de uma habitação]

 

RESUMO: No processo de condução de oficinas com estudantes experimentamos modos de fazer que tensionam o modelo educativo hegemônico, buscando produzir um campo coletivo de forças e afetos, onde os envolvidos deixam de ser vistos como unidades fechadas e passam a compor uma multiplicidade. Inspirada pela vivência no terreiro, pensamos uma educação rizomática, em que os saberes se conectam em movimento, criando linhas de fuga. Nesse sentido, o trabalho na oficina torna-se um território em constante desterritorialização, onde o “nós” emerge como devir coletivo, desestabilizando o “eu” e abrindo espaço para encontros, diferenças e novas possibilidades de existir. Nesse processo, apontamos para a urgência de uma descolonização que não é apenas do território, mas do pensamento e das formas de subjetivação, afirmando saberes silenciados e modos de vida que resistem à captura pelas lógicas colonizadoras. Criar um espaço onde se possa aprender e existir juntos é afirmar a potência do diverso contra as estruturas que normatizam e excluem.

PALAVRAS-CHAVE: Educação, oficinas, descolonização, terreiros.

 


Bodies in Gira: Decolonizing and Existing [record of a dwelling]

 

ABSTRACT: While facilitating workshops with students, we experiment with ways of doing that challenge the hegemonic educational model, aiming to produce a collective field of forces and affects, where subjects cease to be closed units and instead compose a multiplicity. Inspired by the experiences within the terreiro, we envision a rhizomatic education, where knowledge connects in motion, creating lines of flight. The workshop becomes a territory in constant deterritorialization, where the “we” emerges as a collective becoming, destabilizing the “I” and opening space for encounters, differences, and new possibilities of existence. In this process, we point to the urgency of a decolonization that is not only territorial but also of thought and forms of subjectivation,
affirming silenced knowledges and ways of life that resist capture by colonial logics. Creating a space where we can learn and exist together is an affirmation of the power of difference against the structures that normalize and exclude.

KEYWORDS: Education, workshops, decolonization, terreiros.

 


SCHARF, Kathy Fabiana; PREVE, Ana Maria Hoepers. Corpos em gira: descolonizar e existir [registro de uma habitação]. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29., dez. 2025. Available from: http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/corpos-em-gira/