Pombagira – gênero, crítica ao colonialismo e feminismos encruzilhados | Clairí Zaleski e Luiz Rufino


Clairí Zaleski [1]
Luiz Rufino [2]

Introdução

Pombagira é um signo próprio das macumbas brasileiras que expressa referenciais de saber interligados aos problemas de gênero, raça, classe e das dinâmicas emergentes das ruas. Dessa forma, pombagira é uma das inscrições política e poética (saber), própria das ciências encantadas das macumbas (Simas e Rufino, 2018). Assente na inscrição pombagira emerge a reivindicação de ser mulher, como afirmação estética e ética, que contraria os padrões de dominação colonial e assume o corpo como lócus de liberdade, a rua como poética e as relações como fios de suas amarrações (dramas, fabulações, feitiços, estéticas e políticas).

O primeiro argumento apresentado ao longo deste texto parte do diálogo com a proposição de Rufino (2019), que diz que a presença de Exu como saber praticados nos cotidianos marca uma não redenção do projeto de dominação colonial. Nesse sentido, sendo pombagira um signo/reivindicação/discurso que nos trânsitos e invenções brasileiras se vincula a Exu, principalmente no que tange a categoria “povo de rua”, a assumimos enquanto prática de saber e presença cotidiana que emerge contrariando as lógicas de dominação colonial. Sua emergência incide de forma afirmativa e focada na elaboração de uma crítica cruzada entre raça/racismo/gênero/sexismo/classe, uma vez que não há colonialismo sem uma motivação, lógica e padrão de dominação hétero-patriarcal.

Gonzalez (2020), importante voz no contexto brasileiro que articula a crítica cruzando raça, gênero e classe, enfatiza que o padrão de dominação colonial se estabelece tendo como suporte essas dimensões. Dessa forma, a intelectual e ativista negra brasileira nos aponta caminhos para problematizarmos como historicamente no Brasil as violências coloniais incidem nas mulheres negras um amplo e sofisticado modo de violência que incluí abuso, terror, assassinato, exploração, humilhação, subordinação, objetificação e fetichização.

Gonzalez (2020), em seus ensaios críticos traz cenas dos cotidianos, como a referência ao “lixo que vai falar”, as empregadas domésticas que são responsáveis pelo cuidado, mas são marcadas pela classificação social posta pelo racismo, e as passistas, que na festa do carnaval são tomadas com objetos de desejo masculino. Não por acaso, as cenas cotidianas acionadas na crítica de Lélia Gonzalez estabelecem diálogos com narrativas e imagens presentes nos repertórios comunicados a partir do signo pombagira. Esse signo que, de um lado ressalta a mulher como força feminina, o corpo como expressão da liberdade e a rua como plano ético e estético das suas invenções, por outro será investido de terror e violência colonial para sua contenção, controle, castração, recalque, silenciamento e interdição. Sendo pombagira uma emergência assente nas vibrações e princípios explicativos de Exu, ela será investida de fixidez nos termos da política colonial como diabo, mas em versão mulher.

(Leia o artigo completo em PDF)

 

[1] Doutoranda em Educação Comunicação e Cultura em Periferias FEBF – UERJ. clairizaleski31@gmail.com

[2] Doutor em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Docente do Programa de Pós-graduação em Educação Comunicação e Cultura em Periferias FEBF – UERJ. luizrfn@gmail.com

Pombagira – gênero, crítica ao colonialismo e feminismos encruzilhados

 

RESUMO: Esse texto se assenta nos estudos de gênero em diálogo com a crítica ao colonialismo e busca defender a tese que pombagira é um modo de invenção, cuidado e proteção das mulheres diante o contínuo de violência colonial. Nossa aposta é que pombagira se inscreve para comunicar, conectar e reafirmar a mulher como contraponto a produção do sexismo próprio do padrão de poder hétero-patriarcal. Os argumentos aqui apresentados vão se encruzilhando entre as paisagens de investigação: rua, terreiro e corpo. A rua enquanto tempo/espaço de análise considerando os saberes cotidianos das mulheres. O terreiro como invenção e sustentação de mundo, que nos disponibiliza pensar as experiências das mulheres nesse espaço/tempo. E o corpo como lócus de enunciação que atravessa o terreiro e a rua, diante das especificidades presentes no signo pombagira: dor/amor, traição/fidelidade, amarração/feitiço. Apostando numa análise teórico-metodológica a partir da encruzilhada (Martins, 2021), (Dos Anjos, 2006), e de Exu (Rufino, 2019) e das elaborações “do feminismo que não tem nome” (Zaleski, 2023), trabalhado em intersecção com as discussões sobre raça, gênero e rua (Gonzalez,2020). Buscamos compreender como as Marias atravessam o feminino enquanto modo de proteção e transgressão da violência
colonial.

PALAVRAS-CHAVES: Pombagira. Feminismos. Colonialismo.

 


Pombagira – género, crítica del colonialismo y feminismos encrucijados

 

RESUMEN: Este texto se basa en los estudios de género en diálogo con la crítica del colonialismo y busca defender la tesis de que Pomba Gira es un modo de invención, cuidado y protección para las mujeres frente a la continua violencia colonial. Nuestro argumento es que Pomba Gira está inscrita para comunicar, conectar y reafirmar a las mujeres como contrapunto a la producción de sexismo inherente a la estructura de poder heteropatriarcal. Los argumentos presentados aquí se cruzan en los paisajes de investigación: calle, terreiro (espacio religioso) y cuerpo. La calle como tiempo/espacio de análisis considerando el conocimiento cotidiano de las mujeres. El terreiro como invención y sustento del mundo, que nos permite pensar las experiencias de las mujeres en este espacio/tiempo. Y el cuerpo como locus de enunciación que atraviesa el terreiro y la calle, a la luz de las especificidades presentes en el signo de Pomba Gira: dolor/amor, traición/fidelidad, atadura/hechizo. Mediante un análisis teórico-metodológico basado en las intersecciones (Martins, 2021), (Dos Anjos, 2006) y Exu (Rufino, 2019), y las elaboraciones del «feminismo sin nombre» (Zaleski, 2023), en intersección con las discusiones sobre raza, género y calle (Gonzalez, 2020), buscamos comprender cómo las Marías transitan lo femenino como modo de protección y transgresión de la violencia colonial.

PALABRAS CLAVE: Pombagira. Feminismos. Colonialismo.

 


ZALESKI, Clairí; RUFINO, Luiz. Pombagira – Gênero, crítica ao colonialismo e feminismos encruzilhados. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método. [online], Campinas, ano 12, n. 29 dez. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/pomabagira-feminismos-encruzilhados/