Metodologia do envolvimento: reontologização do ser e ecologias de saberes para futuros radicais | Camila Camargo e Gabriela Neves


Camila Camargo[1]

Gabriela Neves[2]

Biopolítica colonial e a urgência de novos modos de estar no mundo
Em sociedades marcadas pela biopolítica colonial, o controle não se dá apenas pelos territórios, recursos naturais e saberes, mas pelos corpos e afetos de modo completo e profundo, operando não apenas pela força, mas também pelo medo, vergonha e raiva. Segundo Frédéric Gros (2021), em contextos em que a vergonha se apresenta, ela ultrapassa o sentimento individual: se transforma em desonra e desprezo, corroendo a autoestima e produzindo raiva sobre si. Uma forma de atestar a decepção diante da impossibilidade de corresponder aos códigos morais impostos. A desonra, por sua vez, é a degradação da imagem pública sustentada por normas de obediência e retidão, provocando a rejeição do coletivo e alimentando o ciclo da vergonha. No fundo, a vergonha nasce da imaginação da falta de amor, de não ser digno de pertencimento. Essas dinâmicas não são apenas subjetivas: elas se ancoram em mitos fundadores, códigos sociais e linguísticos com valores e hierarquias coletivos, imaginários compartilhados e transmitidos entre gerações. A moralidade sustenta projetos de sociedade, visões de ser e finalidades da vida social. Assim, essa base moral controla corpos e afetos, despotencializa todos os seres que se diferenciam da base universalizante e é perpetuada, moldando não só o presente, mas também o futuro.

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 15/09/2025

Aceito em: 15/10/2025

 

[1] Pesquisadora independente afiliada à Rede Afeta, Afrofuturar e terrenAs. E-mail: camicamargos@gmail.com
[2] Pesquisadora independente afiliada à Rede Afeta, Afrofuturar e terrenAs. E-mail: oi@gabineves.co

Metodologia do envolvimento: reontologização do ser e ecologias de saberes para futuros radicais

 

RESUMO: Em um contexto de biopolítica colonial que regula corpos e afetos pelo medo e pela vergonha, a “Metodologia do Envolvimento” propõe uma perspectiva decolonial voltada à reontologização do ser. Inspirada na “Metodologia do Afeto” (rede Afeta) e na “Pedagogia das Encruzilhadas” (ancorada em Exu e na EXUbjetividade), a proposta confronta a lógica desenvolvimentista do capitalismo, reivindicando o “envolvimento” como alternativa ao“desenvolvimento” extrativista criticado por Nego Bispo. Baseada na premissa de que o sentir constitui a comunicação original com o mundo (SODRÉ, 2017, p. 112), a metodologia propõe a descolonização de afetos e corpos. Essa abordagem visa resgatar e cruzar saberes marginalizados — como os ancestrais, orais e populares — em diálogo não hierárquico com o conhecimento produzido na academia, no que se chama de “cruzo”. Guiada pela ética de Exu, abre espaço para subjetividades plurais capazes de narrar futuros que escapam à lógica exploratória. Sua atuação se dá em três dimensões interligadas: a Mente, que substitui dualismos por ecologias de saberes; o Corpo, que rompe com a disciplinarização colonial por meio de práticas de movimento e ritual; e a Alma, que reconecta ancestralidades não hegemônicas e fortalece redes de cuidado. Ao integrar justiça cognitiva, afetiva e ecológica, a “Metodologia do Envolvimento” oferece caminhos pedagógicos para a construção de mundos onde envolver-se significa tecer vida e interdependência.

PALAVRAS-CHAVE: Aprendizagem Transformadora. Ecologias de Saberes. Pedagogia das Encruzilhadas. Reontologização. Antropoceno.


Methodology of involvement: re-ontologization of being and ecologies of knowledges for radical futures

 

ABSTRACT:Within a context of colonial biopolitics that regulates bodies and affects through fear and shame, the Methodology of Involvement emerges as a decolonial proposal for the re-ontologization of being. Drawing from the Affect Methodology (Afeta network) and the Pedagogy of the Crossroads (anchored in Exu and EXUbjectivity), it challenges the capitalist developmentalist logic by affirming “involvement” in place of extractive “development,” as critiqued by Nego Bispo. Grounded in the premise that feeling constitutes the original communication with the world (Sodré, 2017, p. 112), it seeks to decolonize affects and bodies. This approach aims to reclaim and cross marginalized knowledges — ancestral, oral, and popular — weaving them into non-hierarchical dialogue with academic knowledge, the “cruzo.” Guided by Exu’s ethics, this process destabilizes colonial epistemologies and fosters plural subjectivities capable of imagining futures beyond exploitation. The Methodology of Involvement unfolds across three dimensions: the Mind, replacing dualisms with ecologies of knowledge; the Body, resisting colonial disciplining through movement and ritual; and the Soul, reconnecting to non-hegemonic ancestries and strengthening networks of care. By integrating cognitive, affective, and ecological justice, it opens pedagogical pathways for building worlds where “involvement” signifies weaving life and interdependence.

KEYWORDS: Transformative Learning. Ecologies of Knowledges. Pedagogy of the Crossroads. Re-ontologization. Anthropocene.


CAMARGO, Camila; NEVES, Gabriela. Metodologia do envolvimento: reontologização do ser e ecologias de saberes para futuros radicais. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29., dez. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/metodologia-do-envolvimento/