Impulso involutivo: ecologias afetivas e a ciência dos encontros planta/inseto | Carla Hustak e Natasha Myers
Carla Hustak[*]
Natasha Myers[**]
Tradução: Fabiana Maizza[***]
Naturalistas há muito tempo, são fascinados pelas práticas em que plantas atraem seus polinizadores insetos e animais. As orquídeas são uma grande família de plantas que acumulou muita atenção pelas técnicas que usam para garantir a fertilização. Charles Darwin foi um dos diversos naturalistas do século dezenove que investiu tempo e atenção extraordinária documentando encontros entre orquídeas e insetos.
Depois de anos de trabalho intensivo, seu tratado, em 1862, “Os diversos artifícios pelos quais Orquídeas são fertilizadas por insetos” (On the Various Contrivances by Which Orchids Are Fertilised by Insects) dizia: “Quão numerosos e belos são os artifícios para a fertilização das Orquídeas”. Em sua descrição das espécies Orchis máscula, insistia, “Em nenhuma outra planta, ou nem mesmo em quase nenhum animal, podem as adaptações de uma parte à outra, e do todo a outros organismos amplamente remotos na escala da natureza, serem nomeadas mais perfeita do que as apresentadas por esta Orquídea” (28). Pelo ponto privilegiado de sua teoria da seleção natural, corpos de orquídea e inseto eram perfeitamente articulados um ao outro, servindo tanto para a reprodução da orquídea como para a nutrição do inseto. Darwin se encantou com sua habilidade de discernir a utilidade e funcionalidade mecânica das flores de orquídea e tomou isso como uma demonstração de que até formas belas tinham um valor utilitário e adaptativo. Neste sentido, seu livro de orquídeas deveria ser lido como a prova da seleção natural e adaptação, certamente, como um estudo de caso mais difícil (Browne, Charles; Desmond & Moore).
Recebido em: 15/02/2025
Aceito em: 15/10/2025
[*] CARLA CHRISTINA HUSTAK é uma historiadora independente dos estudos de gênero e sexualidade na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos do final do século XIX e início do século XX. Seu trabalho foi publicado em diversos periódicos, dentre os quais: o Journal of the History of Sexuality, o Journal of Transnational American Studies, Subjectivity, and Gender, Place, & Culture: A Journal of Feminist Geography. Ela também é autora de The Politics of Love: Sex Reformers and the Nonhuman, recentemente publicado pela University of California Press.
[**] NATASHA MYERS é uma artista, ativista, jardineira e professora associada de Antropologia na York University. Ela utiliza dança, desenho, e fotografia como mídia experimental para explorar a cinestésica do encontro em seus trabalhos etnográficos sobre sentir e corporificar (sensing and embodiment) nas ciências da vida e ecologia. Ela continua explorando o conceito de “impulso involutivo” através do Becoming Sensor (http://becomingsensor.com), uma colaboração pesquisa-criação com a dançarina e cineasta Ayelen Liberona, que experimenta com formas de desafinar o senso comum dos colonos e despertar nossos corpos e imaginações para senciências mais-que-humanas e estórias que habitam o parque colonial em terras Dish With One Spoon em Toronto. Ela é autora de Rendering Life Molecular: Models, Modelers and Excitable Matter (Duke University Press, 2015), e co-editora de Reactivating Elements: Chemistry, Ecology, Practice (com Maria Puig de la Bellacasa e Dimitris Papadopoulos, Duke University Press, 2022).
[***] FABIANA MAIZZA é professora de Antropologia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Agradeço à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pelo apoio à esta publicação através do processo n˚ 2025/01822-1. Agradeço enormemente à Natasha e Carla pela gentileza e comunicação atenciosa durante a tradução deste texto de criatividade feminista. Agradeço à Susana Dias pela ajuda na publicação, e à Duke University Press pela autorização à publicação da versão em português.
Impulso involutivo: ecologias afetivas e a ciência dos encontros planta/inseto
RESUMO: Este ensaio apresenta a teoria “ecologia afetivas”, que envolve interações entre planta, animal e humano. A formulação das autoras de “involução” favorece a coevolução de organismos que agem não com base em pressões competitivas, mas em relações afetivas. Se baseando, e desafiando, em particular relatos darwinistas e neodarwinistas do contato orquídea-inseto, e pesquisas controversas sobre comunicação de plantas, Hustak e Myers demonstram a interdependência de formas de vida aparentemente não relacionadas. Nesta estrutura, a entidade em evolução não é um organismo individual, mas uma comunidade de organismos em comunicação uns com os outros, exemplificado pela transmissão de informação através de sinalização química entre plantas, o que obriga os/as leitores/as a questionarem o que significa comunicar. Esta relacionalidade também pede uma reconsideração da dinâmica entre um sujeito humano que conduz um experimento e um animal ou planta objeto de estudo, que o ensaio aborda ao mostrar como Darwin se tornou um participante em seus próprios experimentos com orquídeas. Tomadas em conjunto, essas leituras feministas dos fenômenos ecológicos e evolutivos resultam na dissolução das fronteiras de espécies e até mesmo de reinos.
PALAVRAS-CHAVE: Encontros planta-inseto-pesquisador. Involução. Ecologias afetivas. Feminismo.
Involutionary momentum: affective ecologies and the sciences of plant/insect encounters
ABSTRACT: This essay puts forth a theory of “affective ecologies” encompassing plant, animal, and human interactions. The authors’ formulation of “involution” favors a coevolution of organisms that act not on competitive pressures but on affective relations. Drawing in particular from—and challenging—Darwinian and neo-Darwinian accounts of orchid-insect contact and controversial research on plant communication, Hustak and Myers demonstrate the interdependence of seemingly unrelated life forms. The evolving entity within this framework is not an individual organism but a community of organisms in communication with one another, exemplified by the transmission of information through chemical signaling among plants, which forces readers to question what it means to communicate. This relationality also begs a reconsideration of the dynamic between a human subject who conducts an experiment and an animal or plant object of study, which the essay approaches by showing how Darwin became a participant in his own orchid experiments. Taken together, these feminist readings of ecological and evolutionary phenomena result in the dissolution of species and even kingdom boundaries.
KEYWORDS: Plant-insect-researcher encounters. Involution. Affective ecologies. Feminism.
HUSTAK, Carla; MYERS, Natasha; MAIZZA, Fabiana (Tradução). Impulso involutivo: ecologias afetivas e a ciência dos encontros planta/inseto. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [Online], Campinas, ano 12, n. 29., dez. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/impulso-involutivo
