Semeando mundos-Cerrado para que não findem: cultivando as roseiras de minha avó | Mayra Nascimento Fonseca


Mayra Nascimento Fonseca[1]

 

Introdução: de volta ao fim de mundo[2]

Fonte: desenho feito por minha mãe[3].

Em oficinas, rodas de conversas, plantios e entrevistas que fazem parte do meu campo de pesquisa desde 2023, aprendi com as raizeiras [4] do Cerrado [5] a iniciar reflexões pensando em/com uma planta que, no momento, me faz bem. E cresci ouvindo a expressão fim de mundo em referência a lugares geograficamente distantes, sem acesso via transporte público, onde era frequente dizer que o “desenvolvimento”, ou ocidentalização do mundo (Acosta, 2016), ainda não tinha chegado. Minha família tem origens nesses fins que borram fronteiras epistemológicas, roças no Cerrado norte-mineiro onde eu visitava parentes na infância e escutava histórias sobre a precariedade de serviços básicos como saúde e educação, como também sobre a fartura gerada a partir do manejo de plantas e do trabalho para celebrar festas. Foi de lá que minha avó paterna trouxe roseiras que cultivava, em sua migração para a maior cidade da região, quando foi necessário acompanhar seus filhos em idade escolar.

Além de delimitar o perímetro da casa, aprendi com minha avó que as roseiras também são usadas para o cuidado com o corpo, como é o caso do preparo de infusões das pétalas das rosas para a cicatrização da pele e para banhos calmantes. Ademais, a planta contribui para a energia do lar, já que beleza e perfume atraem outras vidas e energizam refúgios (Haraway, 2023). Minha mãe zelou pelas roseiras da minha avó e, delas, fez mudas que renderam a que hoje está em meu quintal. Escrevo este texto olhando para a roseira que herdei das mulheres da minha família, já que cultivá-la com a atenção que essa planta pede é um de meus modos de, ao mesmo tempo, voltar para casa (Bispo dos Santos, 2023) e semear mundos-Cerrado. Logo, como fizeram minha avó e minha mãe, de me reinventar diante das urgências, mas mantendo minhas raízes.

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 15/09/2025

Aceito em: 15/10/2025

 

[1] Doutoranda em Antropologia Social na Universidade de Brasília (UnB). ORCID ID: 0009-0001-8347-5727. E-mail: maynfonseca@gmail.com
[2] As palavras e expressões em itálico são categorias êmicas.
[3] Para cultivar os conhecimentos da família, como parte da minha pesquisa, minha mãe e meu pai estão realizando atividades que consistem em desenhar, escrever, conversar, enviar fotos e áudios sobre plantas medicinais e seus usos. Para preservar a identidade, aqui não menciono seus nomes.
[4] As raizeiras são mulheres das classes populares, conhecidas pelo preparo de remédios caseiros a partir de conhecimentos sobre os usos de “raízes”, ou seja, de cascas, ramos, pedaços de tronco, sementes, frutos (Fleischer e Sautchuk, 2012). Ademais, elas fazem parte do grupo reconhecido pelo estado brasileiro como Povos e Comunidades Tradicionais com direitos consuetudinários (D’Almeida, 2018) que se baseiam em valores e cosmovisões transmitidas entre as gerações de uma mesma família.
[5] Segundo Pires (2019), o Cerrado é o bioma mais antigo do país. 70% da sua biomassa está concentrada dentro da terra, por isso é popularmente chamado de floresta invertida. Embora suas árvores não sejam muito grandes, as raízes são profundas e podem passar de 50 metros.

Semeando mundos-cerrado para que não findem: cultivando as roseiras de minha avó

 

RESUMO: O ensaio tem como ponto de partida a experiência de mediação de mesa com o tema Mulheres do Cerrado, durante o segundo Seminário Agenda 2030 e os Povos do Cerrado, realizado em julho de 2025, na Universidade de Brasília. Com a noção de fim de mundo como uma encruzilhada que pode simultaneamente ser entendida como origem e destino, o texto tem a intenção de contribuir para pensar futuros ou retomadas no Cerrado.

PALAVRAS-CHAVE: Antropologia. Cerrado. Fim de mundo. Futuros. Mulheres.

 


Sowing worlds-Cerrado so they don’t end: cultivating my grandmother’s rose gardens

 

ABSTRACT: The essay takes as its starting point the experience of moderating a panel on the theme Women of the Cerrado during the second Agenda 2030 and Peoples of the Cerrado Seminar, held in July 2025 at the University of Brasília. With the notion of the end of the world as a crossroads that can simultaneously be understood as origin and destination, the text aims to contribute to thinking about futures or renewals in the Cerrado.

KEYWORDS: Anthropology. Cerrado. End of the world. Futures. Women.

 


FONSECA, Mayra Nascimento. Semeando mundos-cerrado para que não findem: cultivando as roseiras de minha avó. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/semeando-mundos-cerrado/