Vida sensível | Valéria Scornaienchi

Título | Vida sensível

Falar em fungos é sempre falar de relações. A vida fúngica desafia as separações modernas entre vivo e não vivo, entre animal e vegetal e entre organismo e meio. Suas vidas se fazem misturadas a outras vidas, eles são verdadeiros mestres das simbioses criativas. Muitas vezes, as tramas miceliais estão interligadas de tal maneira que não é possível separar um indivíduo de outros. Costuma ser difícil saber onde começa uma árvore e termina um fungo. Eles nos ensinam sobre possibilidades de coexistência, inclusive em ambientes perturbados pelas desastrosas atividades humanas capitalizadas. Encontramos esses seres profundamente e alegremente enredados a plantas, algas, minhocas, bactérias, pedras, solos, animais, gentes…. E tais relações resultam em consequências afirmativas para muitos, já que os fungos participam, por exemplo, do ciclo do carbono do solo, do crescimento das florestas e são fundamentais para manter a transformação da matéria na Terra. Ativar relações – existentes e porvir – é justamente o que busca Valéria Scornaienchi ao se dedicar ao encontro com os corpos fúngicos em Vida sensível. A convivência com os fungos – cogumelos, orelhas de pau, ferrugens, ninhos de passarinhos… – aconteceu nas matas, nos jardins, nas praças, nos livros, nas redes sociais e proliferou em desenhos, bordados, pinturas e escritas pelas mesas, paredes e telas do seu ateliê, e seguem acontecendo neste museu. Os fungos convidaram Valéria a intensificar sua aposta nas exposições como espaços abertos aos devires e a criação de mundos compartilhados. Ao invés de um projeto pronto, determinado e acabado de antemão, acessamos gestos e movimentos sujeitos à transformação e que se adaptam às circunstâncias, espaços, encontros e materialidades. A exposição é, também, uma decomposição do antropocentrismo. Um convite a sair dos sistemas centrados somente em artistas humanos e suas obras, para pensar em sistemas que dão atenção à criação e às colaborações que acontece em todas as partes, com qualquer um e todo mundo. Sistemas que criam relações abertas e móveis às colaborações multiespécies, em que todos – humanos e mais que humanos são chamados a interagir, compartilhando suas sensibilidades e potencialidades. Desde os diferentes e encantadores fungos, às pessoas que foram convidadas a compartilhar seus diversos encontros com esses seres em uma Cartografia afetiva dos fungos, até os substratos e materiais heterogêneos que Valéria convoca e disponibiliza para as criações, papéis, madeiras, tecidos, tintas, linhas… Vida sensível se apresenta como um exercício delicado e contínuo de viver com os fungos e nos mostra como esse pode ser um requisito fundamental para viver diante dos tempos de precariedade e das alterações climáticas que ameaçam muitos modos de existir. Percorrendo o caminho da fabulação, a artista nos faz ver e escutar a vida pulsante do reino fungi, onde não há lugar para o automatismo, a linearidade, a homogeneização e o progresso. O resultado não é uma exposição sobre os fungos, mas sobre como tornar-se com os fungos e abrir possibilidades para que novas colaborações aconteçam, novas histórias possam ser contadas, novos mundos possam ser criados. E, como nos lembra a antropóloga Anna Tsing, que dedicou várias obras aos entrelaçamentos interespécies com os fungos, a sobrevivência envolve sempre a alteridade: “colaborações nos transformam, seja no interior de nossa espécie ou entre espécies distintas” (Tsing, 2022, p.75). TSING, Anna Lowenhaupt. O cogumelo no fim do mundo: sobre a possibilidade de vida nas ruínas do capitalismo. São Paulo: n-1 edições, 2022.

por Susana Dias 

 

Ficha Técnica

 

Exposição no MUnA

Uberlândia – Minas Gerais

07.02.25 a 31.03.25

 

Concepção e montagem | Valéria Scornaienchi

Texto crítico | Susana Dias

Design Gráfico | Fabiana Pacola

 

Acesse aqui o PDF completo do catálogo da exposição.

 


SCORNAIENCHI, Valéria. Vida sensível. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29. jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/vida-sensivel/

SEÇÃO ARTE | EXU: ARTE, EPISTEMOLOGIA E MÉTODO | Ano 12, n. 29, 2025

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