Identidades docentes em Química na encruzilhada | Elton Bernardo Santos da Silva e Paloma Nascimento dos Santos
Elton Bernardo Santos da Silva[1]
Paloma Nascimento dos Santos[2]
Exu e ciências, Exu e o ensino de Química
O Ensino de Química tem pouco axé. Em 2011, a revista Química Nova na Escola publicou um texto inédito para a área, o artigo A Bioquímica do Candomblé – Possibilidades Didáticas de Aplicação da Lei Federal 10639/2003. Oito anos depois da implementação da referida lei, o texto sugeria a interlocução de temáticas negras a partir do conhecimento químico sobre a noz‑de‑cola (obi), o entendimento sobre as estruturas de seus alcalóides como a cafeína, e as interseções com práticas rituais e saberes ancestrais (Moreira, Rodrigues Filho, Fusconi, 2011). Em 2017 foi publicado o capítulo Química das pimentas pelos caminhos de Exu, dentro da coletânea Conteúdos Cordiais: Química humanizada para uma escola sem mordaça (Pinheiro et al., 2011). O que poderia parecer apenas mais um texto didático sobre moléculas articulado às questões raciais, revelou-se um gesto radical e, até hoje, solitário: o de inscrever Exu nas páginas da educação em Química. Esse gesto permanece único, porque Exu ainda é interditado pelo racismo religioso, e porque trazê-lo para as aulas de Química parece impossível diante do desencantamento das Ciências (Rebello, Lima e Meirelles, 2024).
A narrativa do capítulo caminha como quem percorre uma encruzilhada. De um lado, temos a tradição religiosa e cultural em que pimentas são presença fundamental nas oferendas a Exu, o princípio da linguagem (Rufino, 2019), carregadas de energia, movimento e comunicação com o sagrado. Do outro lado, encontramos a linguagem da Química, a partir dos conceitos sobre a capsaicina e a piperina, compostos responsáveis pela sensação de ardência e pelas propriedades bioquímicas das pimentas. O texto aproxima essas duas margens, mostrando que a mesma pimenta que se oferece no ritual é também a que se descreve em estruturas moleculares, reações e explicações fisiológicas. No encontro, Exu e a encruzilhada são definidos como lugares legítimos de conhecimento.
Esse caráter inédito não pode ser subestimado. No contexto da educação brasileira, Exu quase sempre foi demonizado, silenciado, expulso dos currículos por racismo. Nas Ciências, a interdição possui outra faceta: não se trata de demonização explícita, mas de uma exclusão pela via do suposto universalismo científico. A Química, tratada como linguagem desencantada, não admite axé, não admite o corpo, não admite a ancestralidade. Ao inscrever Exu no Ensino de Química, o capítulo de Pinheiro et al. (2011) pode servir como denúncia a este vazio e, ao mesmo tempo, propor um reencantamento: a Ciência pode ser aprendida a partir de mitologias, símbolos e práticas negras sem perder o rigor conceitual.
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/09/2025
Aceito em: 15/10/2025
[1] Universidade Federal da Bahia. Email: eltonbernardo1@yahoo.com.br
[2] Universidade Federal da Bahia. Email: palomans@ufba.br
Identidades docentes em Química na encruzilhada
RESUMO: Este trabalho parte da constatação do silenciamento das cosmologias afro-diaspóricas no Ensino de Química, resultado tanto do racismo religioso quanto da perspectiva desencantada de Ciências que ainda predomina na formação docente. Ao adotar a Pedagogia das Encruzilhadas como referencial, compreendemos a encruzilhada como espaço epistemológico marcado por tensões: lugar de escuta, onde determinadas vozes são evidenciadas e outras permanecem invisibilizadas. A pesquisa foi conduzida com professoras e professores da educação básica em Salvador, por meio de entrevistas biográfico-narrativas analisadas a partir do cruzo como método. Os resultados indicam que a identidade docente é constituída de forma processual e atravessada por experiências raciais que revelam tanto práticas de resistência quanto limites da branquitude. Assim, o cruzo possibilita compreender a docência como travessia crítica e como campo de produção de identidades.
PALAVRAS-CHAVE: Exu. Ensino de Química. Cruzo
Teaching identities in Chemistry at the crossroads
ABSTRACT: This work begins with the recognition of the silencing of Afro-diasporic cosmologies in Chemistry Education, a result of both religious racism and the disenchanted perspective of science that still predominates in teacher education. By adopting the Pedagogy of the Crossroads as a theoretical framework, we understand the crossroads as an epistemological space marked by tensions: a place of listening, where certain voices are made visible while others remain silenced.The research was conducted with basic education teachers in Salvador, through biographical-narrative interviews analyzed using cruzo as method. The results indicate that teacher identity is constituted as a process and is crossed by racial experiences that reveal both practices of resistance and the limits of whiteness. Thus, cruzo makes it possible to understand teaching as a critical crossing and as a field of identity production.
KEYWORDS: Exu. Chemistry Education. Cruzo.
SILVA, Elton Bernardo Santos; SANTOS, Paloma Nascimento dos. Identidades docentes em Química na encruzilhada. ClimaCom – Exu: arte, epistemologia e método [online], Campinas, ano 12, n. 29., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/quimica-na-encruzilhada/
