Guanabara, imensidão e abismo: estórias das coletas | Kauê Marcos Pereira da Silva


 

Kauê Marcos Pereira da Silva[1]

 

Prólogo

Tem dias em que as coisas parecem não funcionar muito bem, então é quase que necessário caminhar para poder respirar mais fundo. Foi assim para mim, diante de um momento tão singular como o isolamento social da pandemia de Covid-19. Naquele momento me deixei ser afetado pela Baía de Guanabara, nas caminhadas em seus entornos me interessei pelas belas paisagens, que a tornaram uma companheira para mim. Mas não pude deixar de reparar também nas paisagens manchadas pela presença de diversos resíduos que, naquele momento, estavam diante dos meus olhos e minhas mãos e eu poderia tocá-los.

Por outro lado, as pessoas apareciam diante de mim somente através de telas, eu não poderia tocá- las. Caminhar pelas praias guanabarinas me ajudou a lidar com o distanciamento físico de tantas pessoas queridas, e também com o partir de algumas delas. Em alguns dias difíceis, caminhei procurando alívio para tantas notícias tristes. Encontrei algum conforto (Fotografia 1).

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 15/05/2025

Aceito em: 15/05/2025

 

[*] Esta pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Design da Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI), Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), sob a orientação de Barbara Szaniecki e Carol Noury.

[1] Kauê Marcos Pereira da Silva é Bacharel em Desenho Industrial pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Design pela ESDI/UERJ, onde atualmente é pesquisador do Laboratório de Design e Antropologia (LaDA) e doutorando. E-mail: ksilva@esdi.uerj.br

Guanabara, imensidão e abismo: estórias das coletas[*]

 

RESUMO: A Baía de Guanabara é a primeira memória que tenho do Rio de Janeiro. Quando a vi pela primeira vez, era noite e eu estava na janela do avião: vislumbrei sua imensidão; no horizonte, uma constelação de luzes; no nadir, o abismo. Ao mergulhar na Guanabara, encontro um território manchado: em um domingo de sol, uma criança brinca na areia entre descartes. Então presto mais atenção, deixo que os resíduos desorientem meus pensamentos e me envolvo. Deparo-me com o acaso e a desordem no modo como eles conformam manchas nas paisagens, passo a coletar essas coisas, as guardo comigo. Penso que, se os resíduos moldam a paisagem, minhas práticas também poderiam delineá-la de outros modos. Assim, caminho, coleto, escrevo e experimento e, numa tentativa de formular outros sentidos sobre essas paisagens, crio objetos com resíduos. Eles evidenciam processos contínuos: algo já usado, lançado às águas, coletado, guardado, e ainda apto à reconfiguração, uma bolsa aberta para a possibilidade de coletar. Chamo esses processos de coletação, ela pode tornar visível as relações que compõem esse corpo d’água, mais especificamente como me relaciono com a Guanabara, apontando para outras possibilidades de mundos para além dos terrores do antropoceno.

PALAVRAS-CHAVE: Baía de Guanabara. Antropoceno. Resíduos. Coletação. Arte e Design.

 


Guanabara, vastness and abyss: stories from the collections

 

ABSTRACT: The Guanabara Bay is my first memory of Rio de Janeiro. When I saw it for the first time, it was night and I was at the airplane window: I glimpsed at its vastness; on the horizon, a constellation of lights; at the nadir, the abyss. As I dive into Guanabara, I find a patchy territory: on a sunny Sunday, a child plays in the sand between discards. So I pay more attention, letting the waste disorient my thoughts and getting involved. I come across chance and disorder in the way they shape patches in landscapes, I start to collect these things, I keep them with me. I think that if waste shapes landscapes, my practices could also shape them in other ways. So I walk, collect, write and experiment and, in an attempt to formulate other meanings about these landscapes, I create objects with waste. They show continuous processes: something that has already been used, thrown into the water, collected, stored, and still able to be reconfigured, a bag open to the possibility of collecting. I call these processes coletação. It can make the relationships that make up this body of water visible, more specifically the way I relate to Guanabara, pointing to other possibilities of worlds beyond the terrors of the Anthropocene.

KEYWORDS: Guanabara Bay. Anthropocene. Waste. Collection. Art.

 


SILVA, Kauê Marcos Pereira da. Guanabara, imensidão e abismo: estórias das coletas [online], Campinas, ano 12, n. 28., jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/guanabara-imensidao-e-abismo/