Corpo encharcado: um manifesto das águas | Arthur Simões Caetano Cabral

Título | Corpo encharcado: um manifesto das águas

Chama-se olho d’água, em hidrologia, todo ponto de afloramento do lençol freático, seja de regime perene ou intermitente. Embora consolidado no meio científico, o uso corrente do termo tende a encerrar precocemente o alcance das metáforas nele implícitas. Em tempos de colapso climático, certos olhos d’água passam a se fechar ressequidos em desertos, enquanto outros começaram a contemplar inundações copiosas. Mesmo em condições de sobrevivência hoje improváveis, cada nascente que dá de beber à flor da Terra não seria senão um manifesto do frescor pelo qual a vida insiste em acontecer. Em meio à trama das cidades, para além de enchentes eventualmente catastróficas, encontramos manifestações dos modos de ser das águas insinuados em veios capilares.

Este trabalho resulta de um percurso realizado pelas imediações do córrego Madureira, afluente da margem esquerda do Ribeirão Bauru, na zona norte da cidade de mesmo nome. Partimos de um brejo remanescente junto à sua foz, à beira de uma avenida marginal. Caminhamos por terrenos baldios, trilhas de terra clandestinas e até mesmo um jardim cultivado à beira d’água, numa das ruas sem saída do bairro Parque Vista Alegre. Em certo ponto, o córrego se vê atravessado por uma rodovia, sem o intermédio de qualquer ponte. Deste ponto a montante, o córrego Madureira se despeja simplesmente por tubos enterrados. Em que pese todo o esforço de controle despendido ao silenciamento dessas águas, seu fluxo ainda se dá a ver e a ouvir em feridas entreabertas.

A atualidade de olhos e veios d’água imiscuídos no meio urbano, ora expostos, ora reduzidos a vestígios semienterrados, constitui o tema desta proposta. Apresentam-se imagens e sons captados durante estudos de campo dirigidos ao reconhecimento de paisagens de várzeas urbanas. As oscilações da topografia, entre uma sucessão de ladeiras, permitiram detectar sinais de um caminho decalcado no terreno pelo atrito ancestral das águas. Entre bueiros entreabertos e cachoeiras improváveis, por meio de reflexões oriundas do olhar e da escuta de um corpo poroso, disposto a encharcar-se, a proposta procura favorecer o reconhecimento sensível de um fundamento aquoso e de suas implicações em tramas de vida subjacentes às cidades.


| FICHA TÉCNICA |

Título da obra | Corpo encharcado: um manifesto das águas

Autor (direção, roteiro, edição, câmera) | Arthur Simões Caetano Cabral

Epígrafe | BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

Imagem de satélite | Google Earth (2025), editada pelo autor.

Financiamento | Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – Projeto “Várzeas urbanas: resiliência e diversidade em paisagens latentes” (processo n. 405908- 2023-7).

Grupo de pesquisa (CNPq) | Paisagem, Cultura e Imaginários da Terra – PACUI

Instituição sede | Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Câmpus Bauru Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC-UNESP)


CABRAL, Arthur Simões Caetano. Corpo encharcado: um manifesto das águas. ClimaCom – Manifesto das águas. [online], Campinas, ano 12, n. 28 jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/corpo-encharcado/

SEÇÃO ARTE | MANIFESTO DAS ÁGUAS | Ano 12, n. 28, 2025

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