O invisível coração Guarani | Beá Meira
Título | O invisível coração Guarani
Nascidas de fenômenos telúricos da Era Mesozoica, as águas subterrâneas do Aquífero Guarani foram confinadas em rochas sedimentares, sob uma espessa camada de formações vulcânicas, há milhões de anos. Presentes no ciclo de toda vida que tem habitado o sudeste da América do Sul, estas águas são invisíveis.
Os cientistas prospectam, medem, investigam, analisam, desenham uma geografia, mas se limitam a descrevê-lo:
• Os aquíferos são as maiores fontes de água potável do mundo.
• O Aquífero Guarani ocupa parte do subsolo do Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina, atravessando aproximadamente 1,2 milhão de quilômetros quadrados, alcançando os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
• Ele se estende por 2000 km de comprimento e 800 km de largura, em uma depressão alongada na direção norte-sul, em sua área de abrangência vivem 90 milhões de habitantes.
• Nas partes centrais da bacia sedimentar do rio Paraná, o Aquífero Guarani pode atingir espessuras de até 450 metros e situar-se a profundidades superiores a 1000 metros.
• Estima-se que nesse vasto território, exista cerca de 2 mil quilômetros cúbicos de água.
• Apenas uma porção da água da chuva se infiltra para o subsolo na área de afloramento, se movendo a uma taxa de poucos centímetros por ano. A recarga lenta explica a antiguidade das águas. No Paraná, foram datadas em 720 mil anos.*
• O Estado de São Paulo consome cerca de 80% de toda água extraída do reservatório, em poços para abastecimento urbano e sobretudo para irrigação agrícola.
Encontrei o Aquífero Guarani em visita ao MAGMA – Museu Aberto de Geociência, Mineralogia e Astronomia, em Botucatu. Diante de um exemplar do Arenito Botucatu, formação rochosa que aflora nas bordas do aquífero, a curadora do museu, Berenice Balsalobre, explicou o papel fundamental dessa rocha porosa e permeável na dinâmica entre as águas pluviais e subterrâneas, promovendo recarga do reservatório, ao absorver as águas da chuva. Neste momento percebi que estudar o aquífero era mais uma maneira de interrogar Gaia, produzindo visibilidade para os processos históricos e políticos que repercutem e afetam a nossa Terra viva.
Como fazer o invisível se tornar visível?
Na tapeçaria procuro dar uma forma para esse coração da Terra. Um coração líquido, ancestral, aprisionado e puro, nascido nas areias brancas de um deserto, soterrado pela geo-história, atravessou um tempo profundo, silencioso e lento, por milhões de anos. Esteve sob os pés dos Guaranis, quando estes povos em um processo de expansão de sua cultura, na busca por uma Terra sem males, se estabeleceram há cerca de mil anos, nesse território, ainda seu. Um coração que pulsa alimentando um farto ciclo de vida que abarca das nascentes da bacia do rio Paraná até o estuário do Rio da Prata.
Quanto vale um Guarani?
Embora confinado e invisível, esse coração da Terra encontra-se ameaçado de várias formas: pela superexploração no consumo (bombeia-se água a taxas muito maiores que sua capacidade de recarga); pelo crescente número de poços clandestinos (cerca de 70% dos perfurados no Brasil) que contaminam e poluem as águas e pelo crescimento da taxa de evaporação nas áreas de superfície, devido ao aumento da temperatura média do planeta. Irresponsabilidades radicais têm sido cometidas, como a utilização dessa água pura, para irrigação misturada a agrotóxicos no cultivo da cana ou para consumo em processos industriais brutos e altamente poluidores.
Urge monitorar o uso das águas subterrâneas, cuidar e proteger este valioso patrimônio geológico hoje, pois ele poderá ser uma possibilidade de sobrevivência para os que viverão o futuro que se anuncia catastrófico.
* Artigo do Didier Gastmans.
Obs. Trabalharam na tapeçaria as crianças: Benício Campos de Albuquerque César, 9 anos; Francisco Figueiredo Moura, 11 anos; Catarina Figueiredo Moura, 9 anos; João Cerdena Torres Modenese, 9 anos.
| FICHA TÉCNICA |
Legenda das imagens | na ordem de visualização
1. Evento Conversar e bordar sobre o Aquífero Guarani, na Pinacoteca Fórum das Artes de Botucatu.
Fotografia, outubro de 2024.
2. Guarani
Detalhe da tapeçaria.
3. O invisível Coração Guarani
Tapeçaria. 100 x 80 cm.
4. Ribeirão Preto e Botucatu
Detalhe da tapeçaria
5. Encontro dos rios Paraguai e Paraná
Detalhe da tapeçaria
6. Arenito Botucatu, infiltração e recarga.
Ponta seca, gumprint e monotipia. 55 x 40 cm
7. Pedra e água, umidade na cuesta. Dinâmica entre as águas pluviais e subterrâneas.
Gumprint, ponta sêca e chine collé. 55 x 40 cm
8. O tempo profundo. Um passo, uma vida.
Ponta seca e chine collé
9. Quanto vale um Guarani?
Gumprint 55 x 40 cm
MEIRA, Beá. O invisível coração Guarani. ClimaCom – Manifesto das águas. [online], Campinas, ano 12, n. 28 jun. 2025. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/o-invisivel-coracao-guarani/
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