A psicologia indisciplinada como uma po-ética na produção de bons encontros | Vitor de Sena Moraes, Jennifer Elizabeth Vieira e André Luiz Strappazzon


Vitor de Sena Moraes [1] 

Jennifer Elizabeth Vieira[2]

André Luiz Strappazzon[3]

 

Introdução

 

Do centro da cidade à Comunidade Chico Mendes são 20 minutos percorridos em um micro-ônibus do transporte público municipal, cujas dimensões são adaptadas para transitar pelas ruelas estreitas a que se chega, pouco mais de 8 km percorridos, deixando-se no caminho os cartões postais que retratam a ilha da magia. O micro-ônibus, carinhosamente apelidado de “chiquinho”, nos deixa no coração da comunidade, estruturada por moradias em sua maioria construídas por programas habitacionais, iguais umas às outras em sua concepção estreita com paredes compartilhadas, diferentes nas contínuas adaptações que seus moradores vão efetuando sucessivamente com escassos recursos, singularizando, pouco a pouco, algumas das edificações que demarcam as ruas e os becos.

As crianças brincando na rua, o som alto ligado em algumas vivendas, gritos vindo de dentro de algumas casas, silêncios e impressões de clausura em outras, os grafites que se sobrepõem nas paredes, as fachadas dos bares avizinhadas com os frontispícios dos templos neopentecostais improvisados, que prometem salvação e prosperidade, ladeiam outros signos da intervenção humana que se compõem com a paisagem temperada pelas marcas da manutenção precária: um ambiente? As paredes rachadas, construções entornando, automóveis sustentados por pneus murchos em cuja lataria a ferrugem descansa, cachorros e gatos com marcas de sarna, convidam à cartografia nas vibrações da retina num primeiro olhar ainda não experimentado pela diversidade semântica do contexto comunitário, olhar este, territorializado na experiência médio-classista de uma psicologia ainda hegemônica que a cada nova mirada, pouco a pouco vai se desacostumando de si.

O poema em prosa da epígrafe relata o acontecimento que deu início a abertura de um corpo-cartógrafo para uma composição que já se ia apresentando como inevitável. O peso de tal ambiente foi experimentado sob o signo do quase insuportável, pois é o peso de conhecer, um pouco mais, esta faceta tão óbvia, compositiva e característica da realidade brasileira, na mesma medida em que é, paradoxalmente, ignorada: saber da desigualdade social é diferente da experiência de transitar por onde esta condição se objetiva de fato. A epígrafe, escrita na primeira semana da experiência de um estágio em psicologia, descreve uma cena — não tão idiossincrática — da comunidade que acolheu a prática curricular obrigatória à formação da(o) psicóloga(o).

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 15/09/2024

Aceito em: 15/11/2024

 

[1] Graduando em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Email: vitormoraes_pox@outlook.com

[2] Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Email: jenniferelizabethvieira8@gmail.com

[3] Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Email: andreluistra@gmail.com

A psicologia indisciplinada como uma po-ética na produção de bons encontros

 

RESUMO: Este trabalho é fruto de uma cartografia sentimental que objetivou explorar o que pode a psicologia em um contexto comunitário em situação de vulnerabilidade social. Tal iniciativa foi possível através de um estágio na ênfase de Processos Comunitários e Ações Coletivas do Curso de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina. A orientação em campo foi fundada no/pelo compromisso ético-político de inventar práticas a partir de um saber do corpo e das (des)palavras. O resultado foi a invenção de fazeres indisciplinados que reposicionaram e re-imaginaram o lugar da psicologia. 

PALAVRAS-CHAVE: Indisciplina. Psicologia. Comunidade. Encontro. Corpo.


The undisciplined psychology as a po-ethics in the production of joyful encounters

 

ABSTRACT: This work is the result of a sentimental cartography aimed at exploring the potential of psychology in a community context marked by social vulnerability. This initiative was made possible through an internship focused on Community Processes and Collective Actions as part of the Psychology program at the Federal University of Santa Catarina. The fieldwork was guided by an ethical-political commitment to invent practices based on the knowledge of the body and (un)spoken words. The outcome was the creation of undisciplined practices that repositioned and reimagined the role of psychology.

KEYWORDS: Indiscipline. Psychology. Community. Encounter. Body.


MORAES, Vitor de Sena; VIEIRA, Jennifer Elizabeth; STRAPPAZZON, André Luiz. A psicologia indisciplinada como uma po-ética na produção de bons encontros. ClimaCom – Desvios do “ambiental” [online], Campinas, ano 11, nº. 27. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-psicologia-indisciplinada/