Cosmopolíticas da polinização: uma ecologia de práticas da flor nas artes da presença | Vinicius Huggy


 

Vinicius Huggy[1] 

 

Na tradição oral, ao invés de entender a Flor você deve primeiro observar uma flor desabrochando na natureza, e depois entender isso como uma metáfora para o princípio da flor em todas as coisas. (Zeami, 2013, p. 110, tradução minha).

Partirei da seguinte hipótese: a transmissão da Flor é uma ecologia de práticas da arte da presença. Essa hipótese me parece fértil para conectar as leituras que faço sobre o conceito da Flor da atuação desde Zeami (1343-1443) com autoras(es) de filosofia do organismo, por meio de uma pesquisa-criação que tem como pergunta: o que podemos aprender com a polinização sobre o ensino da arte da presença? Para responder, mergulhamos no empirismo transcendental da transmissão da Flor, numa especulação sobre esse tema que resistiu tanto tempo à conceituação, para tratá-lo agora sem uma definição estática e determinista, mas viva, em uma orientação filosófica que pode ser chamada tanto de processual como do organismo. Para alcançar o vivo em seu movimento contínuo de devir o que a pesquisa-criação faz não é criar novos métodos, mas, segundo Erin Manning, “é pedir-nos o envolvimento direto com um processo que, em muitos casos, não será ou não pode ser articulado na linguagem” (2017, p. 30), e seu objetivo não é, portanto, nomear aquilo que resistiu em ser nomeado até aqui, mas, em suas palavras:

[…] envolve honrar a dissonância do empurra-e-puxa das texturas e movimentos de práticas que recusam ser nomeadas,  sentindo  as  reverberações  daquilo  que  não  pode  ser  colocado em palavras, ao ativar na escrita, o infrafino que ressoa em tudo o que pode ser dito. (MANNING, 2017, p. 30)

(Santos, 2023, p. 59.)

Nas palavras que escolho para tratar da Flor, todas colhidas de minha prática como ator-bailarino e como ator-pesquisador que se aventura com a filosofia, proponho relacionar diferentes modos de pensamentos em uma aventuras com as ideias de Alfred North Whitehead (1978) e outras(os) filósofas(os) contemporâneas(os) que são influenciados pelo seu pensamento processual, que podem suplementar nosso estudo sobre a Flor sem defini-la como objeto, ou limitá-la em um sujeito, mas em contraposição oferece subsídios conceituais para abri-la ao campo transcendental de um plano de imanência da Flor da atuação, ao infinito do infinito que se manifesta na singularidade de um corpo em movimento, de uma vida em cena. Gilles Deleuze diz que há imanência quando:

O Uno é sempre o índice de uma multiplicidade: um acontecimento, uma singularidade, uma vida… Pode-se sempre invocar um transcendente que recaia fora do plano de imanência ou mesmo que atribua imanência a si próprio: permanece o fato de que toda transcendência se constitui unicamente na corrente de consciência imanente própria a seu plano. A transcendência é sempre um produto de imanência. (2002, p. 14)

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 15/09/2024

Aceito em: 15/11/2024

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[1] Doutorando na linha de pesquisa Pedagogia das Artes Cênicas pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Email: viniciushuggy@gmail.com

Cosmopolíticas da Polinização: uma ecologia de práticas da Flor nas artes da presença

 

RESUMO: Apresentamos a polinização como processo de uma ecologia de práticas, como um desdobramento do gesto de transmitir uma Flor, como sugeria Zeami. Este é um Caminho feito por muitas pisadas de diferentes pés, por enraizamentos vindos de diferentes rizomas, em diversos territórios e tempos, antes e depois da pedagogia de Zeami, em forças que estendem-se na futuridade do presente e desafiam a composição do passado. A partir da pesquisa-criação tomei a transmissão da Flor como um processo de treinamento cultivado com a força transindividual de uma polinização em Artes da presença e a contraponho com os conceitos de peste/contaminação de Antonin Artaud. Ao final, relembro o que aprendi com a pedagogia da Flor em Zeami e como seu entendimento foi fundamental para expandir percepções sobre a prática que estudamos como arte da presença, no continuum do aprender com a Flor.

PALAVRAS-CHAVE: Flor da atuação. Pesquisa-Criação. Ecologia de práticas.

 


Cosmopolitics of Pollination: an ecology of practices of FLowe in the arts of presence

 

ABSTRACT: We present pollination as a process of an ecology of practices, as an unfolding of the gesture of transmitting a Flower, as suggested by Zeami. This is a Path made by many steps of different feet, by roots coming from different rhizomes, in different territories and times, before and after Zeami’s pedagogy, in forces that extend into the futurity of the present and challenge the composition of the past. From the research-creation, I took the transmission of the Flower as a process of training cultivated with the transindividual force of a pollination in Arts of Presence and contrasted it with Antonin Artaud’s concepts of plague/contamination. In the end, I recall what I learned from Zeami’s pedagogy of the Flower and how its understanding was fundamental to expand perceptions about the practice we study as art of presence, in the continuum of learning with the Flower.

KEYWORDS: Flower of acting. Research-Creation. Ecology of practices.


HUGGY, Vinicius.. Cosmopolíticas da Polinização: uma ecologia de práticas da Flor nas artes da presença. ClimaCom – Desvios do “ambiental” [online], Campinas, ano 11, nº. 27. dez 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/cosmopoliticas-da-polinização/