Educação, ecologia, o bem e o mal | Guilherme Carlos Corrêa
Guilherme Carlos Corrêa[1]
Quem manda é o bem, o mal não manda nada.
O mal não manda em nada, quem manda é o bem.
(Estamira, 2007)[2]
Começo com esta manifestação de Estamira. E é uma frase que precisa ser apresentada como ela apresentou, com um acento correto, preciso, certeiro: “Quem MANDA é o bem. O mal não manda em nada”. O sentido do que apresento aqui está ligado a isso.
Para quem não a conhece, Estamira nos foi apresentada no documentário que leva o seu nome pelo sensível diretor Marcos Prado. Sempre que assisto este documentário, sou tomado de um sentimento de gratidão dirigida a Marcos Prado pelas horas que permaneceu ao lado de Estamira estabelecendo conversas e recolhendo imagens a que nunca teríamos acesso sem sua delicadeza, persistência e amorosidade.
Depois de episódios de abuso, de várias internações psiquiátricas e tratamentos pesados, Estamira encontra seu lugar no mundo no aterro sanitário do bairro Jardim Gramacho na cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Do duro trabalho de disputar os dejetos da cidade despejados pelos caminhões de lixo, retira seu alimento, roupas e os itens com os quais compõe sua bem cuidada casa. Mulher de voz forte, decidida e palavras cortantes e precisas, Estamira nos oferece rigorosos conceitos e análises de temas como Deus, saúde e família. Antonin Artaud dizia que a loucura enuncia verdades insuportáveis. E se temos grandes enunciadores da verdade como Estela do Patrocínio na poesia, Arthur Bispo do Rosário nas artes plásticas, temos Estamira na filosofia.
Na frase que destacamos na abertura deste artigo, Estamira nos oferece uma grande oportunidade para desequilibrar a balança do grande jogo que nos coloca a medir tudo por um suposto e desejável equilíbrio entre o bem e o mal. Ao inflar o bem e sublinhá-lo como o lugar do mando, sempre coextensivo à sujeição, abre para um deslocamento da nossa automática inscrição no lado do bem. Que é bom lembrar, acaba por preservar e fortalecer nosso pertencimento à lógica da luta entre o bem o mal e a ocupar um ponto na linha que os une, como se essa lógica encerrasse todas as possibilidades de compreensão, atuação e relacionamento na vida.
Proponho, então, uma espécie de genealogia manca, desasada, desconcertada dos termos: educação, ecologia e sociedade de controle. São palavras imensas de uso cotidiano que dão a impressão de que sabemos exatamente o que se diz quando as pronunciamos: educação, ecologia e sociedade de controle. A mais tenra destas expressões é sociedade de controle, portanto, a mais límpida. Agora, ecologia já é um nó, uma complicação grande. E educação então? O que se diz quando se fala a palavra educação? É uma palavra tão imensa e nós, que trabalhamos com educação, temos por hábito falar o tempo todo sobre isso sem a mínima preocupação em relacionar essa palavra aos processos a que nos referimos.
(Leia o ensaio completo em PDF)
Recebido em: 15/09/2024
Aceito em: 15/11/2024
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[1] Licenciado em Química, Doutor em Ciências Sociais-Política, PUC/SP, professor do Centro de Educação da UFSM/RS; organizador com Ana Maria H. Preve do livro “Ambientes da Ecologia: perspectivas em política e educação”. Email: Guilherme.correa.broering@gmail.com
[2] Estamira. Marcos Prado. Brasil, 2007, DVD (120 minutos).
Educação, ecologia, o bem e o mal
RESUMO: Pensar as relações entre educação e ecologia na sociedade de controle exige problematizar as forças que concorrem para a persistência de uma educação confundida com escolarização e de uma introdução ao pensamento sobre ecologia confundido com a replicação de slogans e mensagens de comunicação. Para tanto, este artigo apresenta o intrincado caminho da consolidação da matriz escolar brasileira pela via de um trabalho educacional fundado em tarefas. Matriz que remonta aos jesuítas e suas técnicas militares de hierarquização, de esquecimento de si e de obediência e chega até nossa atualidade por meio de uma educação tomada como estratégia de segurança nacional instituída pela Ditadura Militar. Nessa mesma linha são apresentadas as condições para a emergência de uma sociedade de controle, segundo Foucault e Deleuze, e o modo como se opta por uma fórmula de tribunal para a expressão do pensamento ecológico. Fórmula em que jogam culpados, inocentes, prêmios e castigos. Fórmula que nos prende e situa nos pontos da dura linha estendida entre o bem e o mal. A pergunta por uma educação pensada e vivida para além do bem e do mal, anima essas problematizações do mando, da tarefa, da guerra, dos slogans, do pensamento de rebanho.
PALAVRAS-CHAVE: Educação. Ecologia. Sociedade de controle.
Education, ecology, the good and the evil
ABSTRACT: Thinking about the relation between education and ecology in the society of control requires questioning the forces that contribute to the persistence of an education confused to schooling, as well as an introduction to ecological thought confused to the replication of slogans and communication messages. To this end, this article presents the intricate path of the consolidation of the Brazilian school matrix through an educational approach based on tasks. This matrix traces back to the Jesuits and their military techniques of hierarchization, self-forgetfulness, and obedience, extending to the present through the education regarded as a strategy of national security established by the Military Dictatorship. The conditions for the emergence of a society of control are presented according to Foucault and Deleuze, and so are the ways a tribunal formula is chosen for the expression of the ecological thought. A formula in which there are guilty parties, innocents, rewards, and punishments. A formula that confines and situates us on the harsh line stretched between the good and the evil. The question of an education conceived and lived beyond the good and the evil energizes the discussions regarding the need for commands, tasks, wars, slogans, and herd thinking.
KEYWORDS: Education. Ecology. Society of control.
CORRÊA, Guilherme Carlos. Educação, ecologia, o bem e o mal. ClimaCom – Territórios e povos indígenas [online],, Campinas, ano 11, n. 27., dez. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/educacao-ecologia/