Imagens invertidas em águas turvas | Ananda Casanova


 

Ananda Casanova[1]

 

Por uma ecologia suja

Como apresentar um convite para uma oficina que se propõe a olhar para águas poluídas? Que argumentos poderiam construir um arco narrativo com potência suficiente para mobilizar um grupo de estudantes universitários a se engajarem com uma alteridade suja, contaminada, que cheira mal? Um caminho um tanto conhecido, bastante percorrido pela Educação Ambiental, seria identificar o problema (a poluição), denunciá-lo (anunciando o que está errado) e propor uma solução (despoluir, talvez?), esperando provocar uma mudança de comportamento nos sujeitos que, então conscientes das causas e impactos do problema, transformariam suas ações em direção a melhores hábitos, idealmente orientados ecologicamente. Esse caminho, um tanto linear, não daria conta, no entanto, de abordar uma questão importante: o exercício de não apenas identificar um problema ambiental, mas permanecer com ele (Haraway, 2023). 

Percorrendo caminhos mais sinuosos, a oficina “Imagens invertidas em águas turvas”[2] propôs experimentos educativos de como ficar com o problema das águas poluídas em rios urbanos, tensionando, rasurando e sujando um pensamento ecológico que insiste em só ser possível de acontecer onde há um determinado imaginário “verde”. Dialogando com o trabalho de Anna Tsing (2019), e a “convocação ao envolvimento” com a vida feita por Ailton Krenak (2023), convidei estudantes da disciplina de Educação Ambiental do curso de Geografia da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC) para realizar experimentos de investigação e produção de imagens com as águas da bacia hidrográfica do Itacorubi, em Florianópolis. 

Estes corpos hídricos, em sua maioria, se movem pela cidade em canais retificados, com curso original interrompido ou modificado, às vezes enterrados, sempre poluídos. Uma história comum compartilhada por rios localizados em paisagens urbanas. Como consequência do projeto de modernização industrial-desenvolvimentista que caracteriza as chamadas sociedades de carbono, rios e afluentes passaram por um processo de abandono, esquecimento e desvalorização que produziu não apenas uma perturbação material nas redes hidrográficas, mas também uma ruptura simbólica nos papéis que as águas assumiam na vida cotidiana. Do rio onde se banha, se brinca, se pesca, com o qual se reza ou se transporta, passou-se ao rio que não se quer chegar perto, o que cheira mal, o que se rebela, rompe o cimento, invade e destrói. 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 15/09/2024

Aceito em: 15/11/2024

 

[1] Pedagoga e Mestre em Educação. Doutoranda em Educação no PPGE/UDESC, bolsista CAPES. Integra o grupo de pesquisa ATLAS: Geografias, Imagens e Educação (UDESC). Email: ananda.casanova@gmail.com

[2] A oficina foi realizada no primeiro semestre de 2024, no contexto das práticas de Estágio Docente do meu Doutorado em Educação no PPGE/UDESC.

Imagens invertidas em águas turvas

 

RESUMO: As águas poluídas que correm nas redes hidrográficas de áreas urbanas em canais de drenagem, arroios retificados e córregos soterrados conformam uma paisagem pouco atrativa de ser apreciada, para além de esforços de denúncia do sujo, do contaminado ou de problemas a serem resolvidos. Ao olhar para além do que o olho pode ver, com algumas câmeras artesanais sem lentes na mão, um grupo de estudantes se comprometeu a tentar perceber outras perspectivas. Caminhando com estas paisagens multiespécies (Tsing, 2019), buscamos resistir ao desencantamento através da invenção de imagens-narrativas com as águas turvas da bacia hidrográfica do Itacorubi, em Florianópolis, Santa Catarina. A intenção não foi produzir fotos-denúncia de um rio poluído, mas co-criar junto às águas fotos-envolvimento: registros do que acontece em nós quando prestamos atenção aos rios, redistribuindo e cultivando afetos com a vida (Krenak, 2023). A discussão deste trabalho se situa no processo de criação de imagens a partir de pequenos experimentos de pesquisa e produção de conhecimento situado com as águas.

PALAVRAS-CHAVE: Percepção ambiental. Paisagens multiespécies. Fotografia.


Inverted images in turbid waters

 

ABSTRACT: The polluted waters flowing through the hydrographic networks of urban areas, in drainage channels, rectified streams, and buried creeks, form a landscape that is not particularly appealing for appreciation, aside from efforts to expose the dirt, contamination, or issues in need of resolution. Looking beyond what the eyes can see, with a few handmade cameras without lenses in hand, a group of students committed themselves to perceiving other perspectives. Walking with these multispecies landscapes (Tsing, 2019), we sought to resist disenchantment through the invention of image-narratives with the turbid waters of the Itacorubi watershed, in Florianópolis, Santa Catarina. The aim was not to produce denunciatory photographs of a polluted river, but rather to co-create, alongside the waters, engagement-photos: records of what happens within us when we pay attention to rivers, redistributing and cultivating affections with life (Krenak, 2023). This paper discusses the process of image creation through small research experiments and the production of situated knowledge with the waters.

KEYWORDS: Environmental perception. Multispecies landscapes. Photography.


CASANOVA, Ananda. Imagens invertidas em águas turva. ClimaCom – Desvios do “ambiental” [online], Campinas, ano 11, nº. 27. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/imagens-invertidas/