Panema desnorteando | Gislaine Pagotto

Título | Panema desnorteando

A proposição aqui apresentada vem de uma experimentação em ser/estar Panema. Neste caso, Panema (com inicial maiúscula) refere-se ao corpo horizontal, às idas e vindas sem destino, à continuidade do gerúndio, ao looping da imagem extraída de um vídeo, estática, sem mais acontecimentos, ao mesmo tempo, sempre indo: entre início e fim, entre um lado e outro, entre humano e animal. A palavra panema é de origem tupi e faz referência à terra que não produz, ao rio que não dá peixe, à árvore que não dá fruto, a uma espécie de mau agouro. Caçador com panema, portanto, não consegue caçar para sua subsistência e de seus parentes. Ou seja, torna a pessoa com panema sem sucesso em suas atividades. O percurso de Panema, contudo, sugere algo da ordem da domesticação falha do corpo humano, neste caso desprovendo de controle, traços ocidentais e colonialidade, um corpo sendo vulnerável, sem importância e não servindo para nada. Aí reside sua força, relevância e necessidade, pois aceitar a condição de estar sendo Panema (na experimentação artística) ou estar com panema (na cultura indígena) é aceitar a pausa produtiva como condição legítima de existência. Estar sendo Panema intenciona subverter a norma do corpo humano ocidental, ereto e vertical e a ordem da alta produtividade capitalista que estimula o desejo desenfreado pelo sucesso e o alcance do topo – para além do essencial – às custas de vidas que habitam a Terra. A palavra desnortear, por sua vez, refere-se ao movimento de uma pessoa sem rumo, por exemplo, desorientada num trajeto. Se o norte indica o rumo a ser seguido, isso nos sugere o norte como a única orientação adequada, negando o sul e pressupondo certa hierarquia. A conjugação do verbo desnortear insinua negar o norte a partir de contínuo movimento entre naturezas do território latino/sul-americano, possíveis de serem notadas diante da paisagem e do corpo humano presentes na imagem. Panema desnorteando seria então quase redundante, se não fosse pela sua imanência de estar no presente e à margem. Panema existe durante uma ou mais ações por meio de práticas experimentais, crenças invisíveis e em comunhão com a natureza – ao invés de tentar dominá-la. Panemar como proposição artística seria, então, um modo possível de – panemando – ir decolonizando a lógica do Antropoceno.

 


| FICHA TÉCNICA |

“Panema desnorteando”, Gi Pagotto, câmera Luana Navarro, projeto Série Panema, Brasil, 2015.

     

           

                                                                                            

PAGOTTO, Gislaine. Panema desnorteando. ClimaCom – Territórios e povos indígenas. [online], Campinas, ano 11, n. 26. jun. 2024. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/panema-desnorteando/


 

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