Por Michele Gonçalves
Um garoto caminha pela amplidão branca de um grande pé direito. Lado a lado com a multidão que se reúne na sala memorial, ele anda só, fazendo alianças com as paredes altas sobre as quais se move, vagarosamente. O menino não vê a mesa de abertura nem atenta aos discursos solenes do evento em que se apresenta e se ausenta, sempre a passos silenciados. É puro feixe de luz: nem onda, nem partícula, nem humanidade. Ilha, deriva, imagem sem destino, perdida no grande espaço vazio das laterais do salão. Seria ele miragem daqueles que, distraidamente, olham para outros lados? Seria potência de sonho para os que buscam saciar-se de possibilidades? Um tipo terrano propositalmente aleatório, estranhando-se entre climas quentes e friagens docemente polarizadas?
O que faria aquele menino caminhar sorrateiro por tantos cenários de um mesmo espaço? Estaria ele conjecturando rotas de fuga para uma realidade já posta? Talvez aquela de uma educação superior pública presencial e sem cortes orçamentários? Talvez a de um país que revê, em meio a pequenos abismos de recessão, os ideais de progresso? Percorrendo as margens das paredes, as beiras de um grande evento científico, o menino transparece as fronteiras entre ciência, autonomia, crise; desenvolvimento, tecnologia, história, discursos; mudanças, futuros, públicos, solidões.
Ele caminha por espaços vagos como que buscando, em meio a tantos climas, algum mais habitável. Futuros possíveis para as ciências? Ciências prováveis em mudanças? Climas amenos em doses tempestuosas de esperança? Não se sabe, pois sua presença, desfocada, esvai-se no escuro da noite lá de fora. De concreto, além de seu chão sedimentado em blocos de tempos incertos, apenas passos desapressados delimitando diversas ciências e cenários inauditos. Não há corpo nem carne. E há, ao passo que também não há, matéria. Não é um menino que se possa tocar: é apenas uma animação projetada, por meio de uma estação multimídia móvel, nas paredes do centro de convenção que abriga a abertura da 67ª reunião anual da SPBC, realizada em São Carlos. Luz refletida entre sombras, cores, símbolos e simbologias: o movimento errante da vida a nos lembrar dos grandes e pequenos aprisionamentos a serem enfrentados.