A configuração das mulheres na cobertura jornalística de desastres | Alice Bianchini Pavanello e Márcia Franz Amaral


 

 

Alice Bianchini Pavanello [1]

Márcia Franz Amaral [2]

 

O contexto de vulnerabilidade nos desastres

A desigualdade entre mulheres e homens atravessa a sociedade e se manifesta em diferentes segmentos. Mesmo que se tenha conquistado avanços significativos nos direitos das mulheres nos últimos anos, Mattos (2006) aponta que existe um conjunto de valores compartilhados entre os sujeitos em uma instância pré-reflexiva, inarticulada e opaca, ou seja, que se realiza de forma inconsciente, que influencia em ações e julgamentos que estão por trás do que se entende ser o papel das mulheres na sociedade nos âmbitos privado e público.  Esse consenso diz respeito a uma dimensão objetiva de moralidade que acaba por relativizar a existência feminina ao colocá-la em oposição à masculina. A essencialização dos papéis de mulheres e homens são reproduzidos de modo imperceptível por práticas sociais e institucionais, sendo a mídia uma das instituições que colaboram para a perpetuação dessa imagem quando, por exemplo, representa reiteradamente a mulher como “repositária das virtudes afetivas e emocionais por oposição às virtudes intelectuais e racionais do homem” (Mattos, 2006, p. 156). Mesmo em ambientes em que as mulheres são maioria, elas têm a voz silenciada e tem seus trabalhos e esforços não devidamente amplificados nas notícias (Kassova, 2020). 

Vive-se em uma organização social em que a distribuição de poderes se dá em função de diferenças tidas como naturais e associadas a traços físicos e de temperamento, que relega às mulheres o espaço doméstico e familiar, enquanto aos homens cabem os espaços públicos e de prestígio (Piscitelli, 2009). A construção de narrativas que contribuem para reforçar esses estereótipos colabora com estratégias que podem, de forma consciente ou inconsciente, intervir no curso dos acontecimentos e influenciar na forma de percepção do mundo, uma vez que a produção, a transmissão e a construção de significados de conteúdos simbólicos são formas de poder. (Temer; Santos, 2016).

Desigual também é o modo como as catástrofes afetam os indivíduos na sociedade. Há uma disparidade na forma como mulheres e homens são afetados por eventos extremos. São as mulheres, crianças e idosos que sofrem mais intensamente as consequências dos desastres, tendo em vista o maior grau de vulnerabilidade no qual se encontram (Neumayer, Plümper, 2007; Enarson, Morrow, 2000; Mayer et al 2008; Siena, Valencio, 2009). Um desastre se caracteriza por um impacto seja ambiental ou tecnológico que interrompe o funcionamento de uma comunidade e causa perdas humanas, materiais, econômicas e ambientais (UNISDR, 2015), porém o que confere a dimensão de uma tragédia é a vulnerabilidade do sistema no qual o desastre incide (Valencio, 2012).

 

(Leia o ensaio completo em PDF)

 

Recebido em: 25/04/2023

Aceito em: 15/05/2023

[1] Doutoranda no Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Bolsista Capes. Email: alicebpavanello@gmail.com 

[2] Docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria. Pesquisadora do CNPq. Email: marciafranz.amaral@gmail.com 

[3] Dados disponíveis em: https://sobreuol.noticias.uol.com.br/>. Acesso em: 24 jul. 2023.

 

A configuração das mulheres na cobertura jornalística de desastres

 

RESUMO: Este artigo tem como objetivo investigar quais assuntos se tornaram pauta na cobertura jornalística de acontecimentos do tipo desastres e como as mulheres são acionadas como fontes. Sendo a mídia um importante elemento para a configuração de sentidos de um desastre, os jornalistas selecionam pautas e acionam fontes de acordo com as referências profissionais e culturais nas quais estão inseridos, podendo destacar ou invisibilizar sujeitos e situações. O poder hermenêutico dos acontecimentos foi acionado como operador analítico de 28 notícias, publicadas em três dias, no portal de notícias UOL, na cobertura de um temporal no Rio de Janeiro. Concluímos que raros assuntos associados às mulheres viram pauta e ainda, enquanto fontes de informação, quando acionadas, as mulheres são prioritariamente fontes testemunhais (94%), mas sem terem o potencial de denúncia repercutido pela cobertura.

PALAVRAS-CHAVE: Acontecimento. Cobertura de desastres. Fontes jornalísticas. Mulheres.

 


The configuration of women in disaster news coverage

 

ABSTRACT: This article aims to investigate which assignments have become the focus of journalistic coverage of happens disaster-type and how women are used as sources. Since the media is an important element in shaping the meanings of a disaster, journalists select agendas and use sources according to the professional and cultural references in which they are inserted, and can highlight or make invisible subjects and situations. The hermeneutic power of happens was used as an analytical operator in 28 news stories published over three days on the UOL news portal, covering a storm in Rio de Janeiro. We concluded that assignments associated with women were rarely on the agenda and that, as sources of information, when they are used, women are primarily testimonial sources (94%), but do not have the potential to denounce repercussions of the coverage.

KEYWORDS: Happening. Disaster coverage. Journalistic sources. Women

 


PAVANELLO, Alice Bianchini; AMARAL, Márcia Franz. A configuração das mulheres na cobertura jornalística de desastres. ClimaCom – Desastres [online], Campinas, ano 10, nº. 25. nov. 2023. Available from:  https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/a-configuracao-das-mulheres