Variações climáticas e o futuro de espécies animais e vegetais

Alterações no clima terão papel importante na reconfiguração geográfica de espécies, mas é preciso cruzá-las com outros elementos no planejamento de ações de conservação

Por Meghie Rodrigues

 

Mudanças climáticas podem ser uma das principais causas do desaparecimento de espécies nos próximos anos. Seja por seus impactos diretos ou em combinação com outros fatores, o aumento da temperatura pode elevar a vulnerabilidade de espécies de animais e plantas – ou aumentar a predisposição de elas serem negativamente afetadas por oscilações na temperatura – podendo levá-las a um risco aumentado de extinção. Dispersão geográfica limitada, baixas taxas de reprodução e alta especificidade nos hábitos alimentares e habitat são algumas das características que tornam a vida animal e vegetal especialmente vulnerável às mudanças climáticas.

As observações são de um estudo feito por pesquisadores europeus publicado no fim de fevereiro na revista Nature Climate Change. Liderados por Michela Pacifici, pesquisadora do Departamento de Biologia e Biotecnologias da Universidade Sapienza em Roma, a equipe avaliou quase uma centena de papers publicados entre 1996 e 2014 relacionando mudanças climáticas e vulnerabilidade de espécies – vulnerabilidade esta que está diretamente ligada à exposição à variação climática das áreas ocupadas pelas espécies, ao seu grau de tolerância e à capacidade de se adaptarem a variações no clima.

Eles notaram que pássaros, mamíferos e plantas foram os grupos mais estudados, em detrimento de outros, como insetos e répteis – mas outro dado chama mais a atenção: houve uma espécie de relação inversa entre número de pesquisas e áreas de maior vulnerabilidade às mudanças climáticas. Apesar de as localidades mais afetadas pelos efeitos das alterações no clima encontram-se na faixa tropical do globo terrestre – com as bacias amazônica e do mediterrâneo, norte da África e sudeste asiático entre elas – cerca de 70% dos estudos analisados tiveram o foco em três regiões: América do Norte (24%), Europa (33%) e Austrália (14%). “Como as mudanças climáticas irão agir em conjunto com outras ameaças, e a perda de habitats poderá afetar de forma severa a biodiversidade em países em desenvolvimento, é essencial que se conduzam estudos nestas áreas, onde faltam dados”, recomendam os pesquisadores. Assim, embora boa parte da modelagem feita nos estudos avaliados indique um forte cruzamento entre variação climática e extinção de espécies – e existam previsões de que animais como o lince ibérico possa desaparecer nos próximos 50 anos, por exemplo –relativamente pouco ainda se sabe sobre esta relação na bacia do Congo, Himalaias ou Caribe.

 

Coleção de desertos. Instalação montada na exposição "Aparições", em maio de 2015.  Susana Dias, Carolina Cantarino, Fernanda Pestana, Thiago La Torre, Daniela Klebis, Meghie Rodrigues, Cristiane Delfina e Tatiana Plens do Coletivo multiTÃO.

Coleção de desertos. Instalação montada na exposição “Aparições”, em maio de 2015.
Susana Dias, Carolina Cantarino, Fernanda Pestana, Thiago La Torre, Daniela Klebis, Meghie Rodrigues, Cristiane Delfina e Tatiana Plens do Coletivo multiTÃO.

Distribuição de espécies

Junto à identificação de áreas prioritárias para conservação, a alteração da distribuição potencial futura de espécies em decorrência de alterações climáticas é um tema bastante explorado em estudos de modelagem preditiva de distribuição de espécies (MPDE) ameaçadas de extinção. Esta linha de pesquisa cruza dois tipos de modelagem – a de nicho ecológico (que observa a distribuição potencial de espécies no planeta) e a de distribuição de espécies (que se aproxima da distribuição real delas). Em artigo de 2013, os pesquisadores Brenda Alexandre, Maria Lucia Lorini e Carlos Eduardo Grelle, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, analisaram cerca de 10% dos estudos em MPDE publicados até então, somando 101 papers. Eles perceberam que os estudos que abordavam variáveis climáticas tinham uma certa relação com escalas maiores, abrangendo grandes regiões e continentes, enquanto variáveis não-climáticas, como uso do solo ou topografia, geralmente se relacionavam a escalas espaciais menores, abrangendo extensões menores que dois mil quilômetros. No entanto, seria necessário cruzar estes dados a fim de obter mais pesquisas de abordagem multi-escalar e uma perspectiva mais abrangente sobre o assunto para elaborar melhores planejamentos de conservação. Para os pesquisadores, “é importante destacar que determinado incremento de área climaticamente adequada não necessariamente irá beneficiar espécies, pois alterações antrópicas na cobertura do solo podem impossibilitar a chegada de organismos nas novas áreas adequadas”.

Não basta saber onde as espécies estão e para onde têm propensão de migrar na tentativa de preservar as áreas para onde elas estão se movendo se as variáveis antrópicas não forem cruzadas com as demais neste tipo de análise. Neste sentido, Pacifici e sua equipe observam que, na impossibilidade de realizar ações de conservação para todas as espécies, “re-priorizar ou mesmo abandonar ações que beneficiam certas espécies em detrimento de outras deveria ser feito com grande cuidado”.