“Contra as elites vegetais”: a poética do chão na política (des)organizacional e (pluri)ontológica dos trabalhadores rurais no sertão | Renata Mocelin Penachio


Renata Mocelin Penachio[1]

 

Introdução

As reflexões partilhadas neste ensaio são constituídas pela temática concebida em meu projeto de tese de doutorado, que delineia uma investigação da poética dos cantos de trabalho no sertão, pela incipiente pesquisa de campo que venho desenvolvendo especificamente no sertão mineiro e também pela leitura aprofundada sobre o conceito de antropofagia nos aforismos do “Manifesto da Poesia Pau Brasil” de Oswald de Andrade (2017). No que tange o projeto de doutorado, é necessário dizer que mobilizo uma proposta de pesquisa que visa o mapeamento e análises poéticas sobre cantigas entoadas por trabalhadores rurais, a partir do que chamo de poéticas do chão, um conceito ainda em desenvolvimento que criei de modo a analisar a geopoética[2] do sertão, onde o chão é elemento fundamental da comunicação do trabalhador.

Para desenvolver minha argumentação, introduzo brevemente uma caracterização do sertanejo, do que são essas cantigas de trabalho e quais são as manifestações culturais que irei abordar. Assim, seguindo os rastros de Darcy Ribeiro (1995), identifico o povo sertanejo como um tipo particular de população com uma cultura marcada por sua especialização ao pastoreio, por sua dispersão espacial e por traços identificáveis no modo de vida, na organização da família, na estruturação do poder, na vestimenta típica, nos folguedos estacionais, na dieta, na culinária, na visão de mundo e numa religiosidade propensa ao messianismo. O antropólogo justifica esse messianismo ao articular a ideia de misticismo militante, cujo “fanatismo baseia-se em crenças messiânicas vividas no sertão inteiro, que espera ver surgir um dia o salvador da pobreza” (RIBEIRO, 1995, p. 357).

A forte crença religiosa ressoa o caráter encantatório das cantigas de trabalho: o fascínio que acontece tanto pela religião quanto pela música carrega para o povo sertanejo um sentido de salvação da condição precária a que está submetido. No encalço das questões raciais e de ancestralidade abordadas pelo antropólogo, existe a construção cultural do Brasil miscigenado. As bases afroameríndias e européias são solo de uma multiplicidade étnica aberta num vasto repertório de subjetividades, que se entrecruzam e se propagam ao passo em que essa mistura vai acontecendo. A cultura popular é um deságue da miscigenação, contemplando variantes específicas de manifestações culturais. Destaco que fortes características comuns dentre essas manifestações são a musicalidade e a oralidade, principalmente no que concerne à transmissão e reprodução de saberes.

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 15/09/2022

Aceito em: 15/10/2022

 

[1] Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras, com ênfase em Estudos Literários, pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: mocelinrenata6@gmail.com.

[2] Geopoética é, resumidamente, um conceito que inaugura uma linguagem-vegetal na qual a poesia, o pensamento, a ciência e a terra convergem em reciprocidade para romper com a frágil idealização de fragmentação e dualidade, considerando o todo ou a inteireza. Aqui, um tipo de objetivação do sensível refrata o significado para emergir a significância própria de cada individuação e seus valores éticos, que se organizam ao perceber, representar e transformar as maneiras de viver, sentir e pensar o mundo.

 

 

 

“Contra as elites vegetais”: A poética do chão na política (des)organizacional e (pluri)ontológica dos trabalhadores rurais no sertão

 

RESUMO: Este ensaio pretende estimular reflexões em torno das dinâmicas socioculturais do sertão, a partir das referências que trago na minha pesquisa de tese de doutorado em diálogo com as questões dispostas no Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade. Aqui realoco o sertão para o pensamento de encruzilhada, onde os interflúvios enveredam as poéticas do chão em (pluri)ontologia. Assim, a linguagem vegetal atualiza o antropocentrismo para uma gaiagrafia onde o “cosmocentrismo” descentraliza o ente e centraliza a relação. O sertanejo e o chão se comunicam através da poesia e é ela que, ecolírica, disponibiliza dispositivos de subversão ao sistema colonizatório. Nessas reflexões, “em comunicação com o solo” reverbera na comunicação com o povo, onde as “elites vegetais” representam uma hegemonia agro-tóxica de antibrasis.

PALAVRAS-CHAVE: Sertão. Manifesto Antropófago. Poética do chão.

 


“Against the vegetal elite”: The poetics of the soil in the (dis)organizational and (pluri)ontological rural workers’ policy in the backlands

 

ABSTRACT: The aim of this essay is to speculate about the socio-cultural dynamics of the backlands, based on the references that I started to work with in my PhD, always in a profound dialogue with the questions that Oswald de Andrade raised in his Anthropophagic Manifesto. The backlands are converted into a crossroads thought, where the interfluve goes down with the poetics of the soil in his (pluri)ontology. Therefore, the vegetal language updates the anthropocentrism to a gaiagraphy where the “cosmocentrism” decentralizes the being and focus on the relationship. The sertanejo communicates with the soil through poetry and it, by being ecolyrical, provides the devices that will be used against the colonizing system. On this idea, being “in communication with the soil” reverberates the communication with the people, where the “vegetal elite” represents an agro-toxic-anti-Brazil hegemony. 

KEYWORDS: Backlands. The Anthropophagic Manifesto. Poetics of the soil.

 


PENACHIO, Renata Mocelin. “Contra as elites vegetais”: A poética do chão na política (des)organizacional e (pluri)ontológica dos trabalhadores rurais no sertão. ClimaCom – Políticas Vegetais [online], Campinas, ano 9, n. 23., dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/contra-as-elites-vegetais/