Ancestralidades mais que humanas | Coletivo Arvorecer

Título | Ancestralidades mais que humanas

 

Não estamos sós. Há algo de rio, mar, bicho, rocha, vegetal… em nós. Inúmeros povos originários (indígenas de todo o mundo) pensam que plantas, montanhas, animais, rios, mares e nuvens possuem uma íntima conexão com os humanos. Reclamando a percepção de que os não humanos são parentes dos humanos e não meros recursos naturais. Entre os Yoruba, por exemplo, alguns humanos são descendentes de árvores. Olaolu Dada, líder Yoruba em Ile Ifé na Nigéria, conta que até hoje existem pessoas que descendem de árvores porque, no início dos tempos, Obàtálá (Oxalá no Brasil) transformou árvores em humanos, quando percebeu que havia uma abundância de alimento produzido por elas e poucas pessoas para usufruir. Já entre os Krenak, indígenas brasileiros, o rio Watu (também chamado de Rio Doce) é considerado avô desse povo. O líder indígena Ailton Krenak diz da potência desses parentescos com os não humanos florescerem “pessoas coletivas”, comprometidas com a defesa e proteção de seus parentes. Fazer parentes é o que nos falta, defende a filósofa e zoóloga Donna Haraway. Isso porque, ao fazer parentes, instauram-se possibilidades de pensarmos e vivermos as relações com os não humanos em bases não antropocêntricas e utilitaristas. Despertando forças compreendidas em um “nós” mais complexo, feito de miríades de emaranhamentos múltiplos entre átomos, palavras e afetos, entre moléculas, histórias e acontecimentos, que dizem respeito não apenas aos humanos. E isso é fundamental se pensamos que vivemos em um mundo danificado, como diz Anna Tsing. Habitamos o tempo do Antropoceno ou do Capitaloceno, um tempo marcado por destruições de todos tipos, em que não podemos mais negar as mudanças climáticas, e que resulta do esquecimento de que somos uma multidão de enredamentos vivos e vibrantes com muitos que precisam ser cuidados. Um tempo que exige de nós sairmos da percepção de hábito de que os não humanos são meros objetos à nossa disposição e que tem gerado a extinção em massa de povos e espécies. Um tempo que impõe a urgência de nos interessarmos efetivamente pelo mundo e nos solidarizarmos para além das oposições entre vivo e não vivo, orgânico e inorgânico, sujeito e objeto, teoria e prática, razão e emoção, matéria e espírito. Uma época que reclama aprendermos a nos engajar com a multiplicidade movente dos mundos através da criação e mobilização de novos conjuntos onto-epistemológicos, ou seja, de novos modos de ser e pensar. E é isto que fazem os artistas e a aldeia tupi-guarani Awa Porungawa Dju, do Coletivo e Projeto Arvorecer de Casa em Casa, aqui reunidos nesta exposição. Um Coletivo/Projeto que se propõe a fazer floresta através de práticas e materiais que alterem nossos modos de ver, sentir e viver, que aumentem nossa capacidade de agir e reativem nossa confiança no futuro.

Susana Dias – curadora da exposição

| Bibliografia |

DADA, Olaolu O.O. A narração de uma ideia: a criação do mundo, antes do 1º dia em Ilé Ifé. Trad. Rei Ojele Obàtálá Agbaye e Yeye Meso Obàtálá Agbaye. ClimaCom – Povos Ouvir – A coragem da vergonha [Online], Campinas, ano 6, n. 16, dez. 2019. Disponível em: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/olaolu-o-o-dada-a-narracao-de-uma-ideia-a-criacao-do-mundo-antes-do-1-o-dia-em-ile-ife

HARAWAY, D. O manifesto das espécies companheiras– cachorros, pessoas e alteridade significativa. Trad. Pê Moreira. 1a. ed. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

TSING, A. L. Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no Antropoceno. Brasília: IEB Mil Folhas, 2019.

 


| FICHA TÉCNICA |

Curadoria | Susana Dias

Artistas | aldeia Awa Porungawa Dju, Ana Piu, Coletivo multiTÃO (Susana Dias, Isilda Oliveira, Paulinha Luiz Pinto, Larissa Souza e Rayane Barbosa), Silvana Sarti e Valéria Scornainenchi

Casa da Árvore, Centro Cultural Casarão

jun-jul 2022

 

 


Esta exposição faz parte do projeto “Arvorecer de casa em casa”, que tem uma parceria com a Revista ClimaCom.

“Arvorecer de casa em casa”

O que é?

“ARVORECER de casa em casa” é um projeto permanente que possibilita a artistas e criadores atuantes nos mais diversos campos profissionais apresentarem seus saberes e invenções, oferecendo semanalmente conteúdos das artes, ciências, filosofias e técnicas às casas, lares e abrigos que habitamos.

Quem somos?

Essa iniciativa é realizada por coletivos e grupos de pesquisa que pretende criar uma atmosfera de afeto e alegria, de estudo e movimento, de liberdade e solidariedade fazendo nascer pelas vias digitais uma floresta de escritas, vídeos, fotografias, desenhos, bordados, músicas, germinando novos modos de habitar, cuidar de si, dos outros e com os outros.

Como surgiu a iniciativa?

Sabemos que a pandemia que nos assola e as circunstâncias impostas por ela causaram e continuam causando uma série de consequências e mudanças – algumas delas irreversíveis – nas vidas de muitos profissionais. Por isso, durante esta fase de distanciamento social e de seus efeitos duradouros, decidimos, num exercício de ativismo poético, movimentar o universo criativo dos espaços virtuais. Esse movimento dará a esses criadores a possibilidade de trabalharem, gerando renda e sustentando suas famílias.

O que oferecemos?

Os conteúdos do Arvorecer são artesanalmente produzidos por criadores e coletivos, buscando potencializar a diversidade de reflexões sobre o humano e gerar resiliência em tempos de emergência socioambiental e pandêmica. Torna-se urgente germinar o novo com a potência da interconexão entre saberes múltiplos, entre vida e arte.

Por que apoiar?

Para possibilitar a continuidade da produção de conteúdo e colaborar na construção de políticas de cuidado extensivas, transformando o estar em casa num espaço de bons combates. Desejamos que, por meio de redes e rizomas, as pessoas – mesmo em suas casas – possam ser raiz e nutrição desses saberes, ramificando-se, conectando-se com esses criadores e à múltiplas dimensões e possibilidades do conhecimento, da cultura e da arte. E, por que não, nos novos tempos que virão?!

Acesse o site para apoiar: https://www.padrim.com.br/arvorecer

Uma floresta que nos faz perceber que não estamos sozinhes e que, a cada material compartilhado, plantamos uma árvore de sensações – juntos, arvorecemos!

 

ARVORECER, Coletivo (DIAS, Susana; SCORNAIENCHI, Valéria; SARTI, Silvana; PIU, Ana; PINTO, Paulinha; BARBOSA, Rayane; SOUZA, Larissa) Ancestralidades mais que humanas. ClimaCom. Políticas vegetais [online],  Campinas,  ano 9, n. 23. Dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/ancestralidades


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