Atentar aos “transparentes” multiespécies: notas sobre o filme angolano Ar condicionado | Priscila Fazio Rabelo


Priscila Fazio Rabelo[1]

 

No começo de 2022, imersa no isolamento provocado pela pandemia da Covid-19, me permiti, entre as exigências do mestrado, assistir um filme. Entre as opções escolhi o longa-metragem de ficção angolano “Ar condicionado” produzido pelo coletivo Geração 80, dirigido por Fradique (Mário Bastos) com trilha sonora original de Aline Frazão. Coincidentemente, assisti o filme em um momento de “virada epistemológica” da minha pesquisa sobre os impactos da Pandemia da Covid-19 em comunidades rurais no Litoral Sul da Paraíba. Essa virada foi marcada, sobretudo, a partir dos estudos multiespécies. Logo, elementos antes ignorados pela pesquisa passam a ganhar protagonismo. Como bem lembra Ana Tsing, seres mais-que-humanos ou não humanos tem feito história assim como nós (TSING, 2021, p. 185). Neste ensaio, busco transmitir como o contato com o filme me despertou questões que só foram possíveis a partir de uma perspectiva multiespécie. A começar pelo próprio ciclo do ar, sua relação com as florestas e, posteriormente, com o ciclo da água. Em um segundo momento, sustento que o filme pode ser lido como um importante recurso para pensar na relação entre o passado e as “urgências do presente”, como por exemplo, o aquecimento global e as mudanças climáticas, e nos indicar pistas para desacelerar o “progresso” e criar refúgios que garantam a habitabilidade no Sistema-Terra. Antes de abordar o percurso acima, é importante contextualizar o próprio filme. Ar Condicionado é um longa-metragem (72 min) de ficção angolana, que teve sua estreia em 2020 no Festival Internacional de Rotterdam. O filme narra a jornada de Matacedo (José Kiteculo) um guarda e também ex-combatente de guerra e Zezinha (Filomena Manuel) empregada doméstica, que partem em uma missão para recuperar o ar condicionado do chefe em um contexto em que os ares condicionados estão caindo misteriosamente dos prédios em Luanda, capital da Angola. O percurso de Matacedo é marcado por uma espécie de realismo mágico que o leva até a loja de materiais elétricos do Kota Mino (David Caracol) onde ele partilha seu segredo com Matacedo e Zezinha sobre a construção de uma máquina capaz de recuperar memórias. Segundo o press kit produzido pela Geração 80, o filme “é uma jornada de mistério e realidade, uma crítica sobre classes sociais e como nós vivemos em conjunto nas esperanças verticais, no coração de uma cidade que é passado-presente-futuro” (Geração 80, 2020, s/p). (Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 15/09/2022

Aceito em: 15/10/2022

[1] Mestranda em antropologia social pela UFPB. E-mail: pri.theta@gmail.com

 

 

 

Atentar aos “transparentes” multiespécies: notas sobre o filme angolano Ar condicionado

 

RESUMO: Neste ensaio busco abordar as potencialidades reflexivas presentes no longa metragem angolano Ar condicionado (2020) a partir de uma perspectiva multiespécie. Diante do cenário catastrófico atual de mudanças climáticas, desmatamento da biosfera e poluição do ar, a obra cinematográfica se apresenta como campo fértil para uma pluralidade de questões interligadas, como o “legado” da colonização e do capitalismo, as desigualdades sociais e políticas, o resgate das memórias perdidas na guerra civil e a presença ou ausência do Ar, das árvores, das plantas. A relevância da obra não se limita ao território angolano, visto que as questões apresentadas são reflexos de um projeto político da economia global capitalista que tende a estrangular territórios, biomas e ecossistemas. Ademais, procuro pontuar como as estratégias de alianças multiespécies são cruciais na luta pela restauração de biomas degradados e na consolidação da justiça climática e multiespécie.

PALAVRAS-CHAVE:  Multiespécie. Ar. Florestas

 


 

Attention to the “transparent” multispecies: notes on the angolan film Ar condicionado

 

ABSTRACT: In this essay I seek to approach the reflexive potentialities present in the Angolan feature film Ar condicionado (2020) from a multispecies perspective. Faced with the current catastrophic scenario of climate change, deforestation of the biosphere and air pollution, the cinematographic work presents itself as a fertile field for a plurality of interconnected issues, such as the “legacy” of colonization and capitalism, social and political inequalities, the rescue of memories lost in the civil war and the presence or absence of Air, trees, plants. The relevance of the work is not limited to the Angolan territory, since the issues presented are reflections of a political project of the capitalist global economy that tends to strangle territories, biomes and ecosystems. Furthermore, I try to point out how the strategies of multispecies alliances are crucial in the fight for the restoration of degraded biomes and in the consolidation of climate and multispecies justice.

KEYWORDS: multispecies. Air. Forests


RABELO, Priscila Fazio. Atentar aos “transparentes” multiespécies: notas sobre o filme angolano Ar condicionado. ClimaCom – Políticas vegetais [online], Campinas, ano 9, n. 23., dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/atentar-aos-transparentes/