Cointuindo com plantas e mais-que-plantas[1] | Anais-karenin
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Quais linhas podemos seguir em busca de construir outros modos de interação com o existir? Como tornar-se semente e plantar a si mesma para falar com o mundo a partir do fundo da terra? Trata-se de desdomesticar a presença da planta, ativando a escuta. Para além da intuição humana, perceber a intuição que nasce dentro da planta. Cointuir, multi-intuir, interligando-se ao mundo por meio da erva.
Meus antepassados cultivavam algodão no solo seco do sertão cearense. Com os tufos, faziam os fios, com os fios teciam suas roupas, a rede em que dormiam. Com as flores e folhas, faziam chás. A linha do algodão criou esse laço de ciclo em seus gestos cotidianos, em que tudo o que faziam era regido por planta. Esse fio chegou a mim intuitivamente.
A intuição muitas vezes é compreendida como um sistema interno de percepção. No entanto, se apresenta como qualidade relacional, meio de comunicação transespacial, transtemporal e interespécies (Haraway, 2016). Ao comunicar-nos com as plantas, elas fornecem uma capacidade de transmutação, modificando todo o corpo, vibração e condição existencial no mundo. Geram uma abertura mental e cardial a partir do aprendizado de uma linguagem menos humana. Esse aprendizado não é homogêneo e muito menos simples, pois as plantas não estão aqui para oferecer, mas para se unir, produzir vínculos e aberturas que vem e vão por várias vias.
Elas acionam, acima de tudo, uma possibilidade dialógica de cuidado cíclico e de modificação contínua de todas as existências envolvidas. Essa condição de variação fica evidente pelos diferentes efeitos que uma mesma planta pode fazer em diferentes corpos. Ou pelas diferentes experiências, para além da física, que é possível acessar nesse relacionamento. Por isso, aprender a se comunicar com elas, falar e principalmente ouvir, é uma prática essencial que proporciona uma relação íntima e de mútua afetação. (Leia o ensaio completo em PDF).
Recebido em: 15/09/2022
Aceito em: 15/10/2022
[1] O termo mais-que-planta é introduzido brevemente neste ensaio, no entanto, pertence a uma pesquisa extensa, sendo este o conceito principal de minha tese de doutorado.
[2] Anais-karenin é artista, escritora e pesquisadora. Doutoranda no PPGAV-USP, Pesquisadora Visitante na Universidade Waseda (JP), situa sua prática no engajamento íntimo com as plantas, incorporando sistemas de conhecimento tradicionais, mitologia e animismo para refletir sobre história, linguagem, território e ciência. Atualmente pesquisa as paisagens de Satoyama, no Japão. E-mail: anaiskarenin@gmail.com
Co-intuindo com plantas e mais-que-plantas
RESUMO: O seguinte ensaio discorre sobre as relações entre plantas e intuição, sugerindo a existência de um modo de comunicação e saber específico que é apreendido com as plantas, especialmente as ervas medicinais. A autora narra brevemente suas experiências no aprendizado com as plantas, as quais afetaram sua produção artística e acadêmica, bem como suas relações com as mulheres que preservam os saberes populares sobre plantas medicinais, chamadas “erveiras”, e sua ancestralidade dos sertões cearense e mineiro.
PALAVRAS-CHAVE: Plantas. Intuição. Mitologia.
Co-intuiting with herbs and beyond
ABSTRACT: The following essay discusses the relationship between plants and intuition, suggesting the existence of a specific mode of communication and knowledge that is apprehended with plants, especially medicinal herbs. The author briefly narrates her experiences in learning about plants, which have affected her artistic and academic production, as well as her relationships with the women who preserve the popular knowledge about medicinal plants, called “erveiras”, and her ancestry from the dry lands of Ceará and Minas Gerais, called “sertões”.
KEYWORDS: Plants. Intuition. Mythology.
KARENIN, Anais. Cointuindo com plantas e mais-que-plantas. uma educação pelas plantas. ClimaCom – Políticas Vegetais [online], Campinas, ano 9, n. 23., dez. 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/cointuindo-com-plantas