Esse lugar que é nosso | Rachel Pires do Rego
Título | Esse lugar que é nosso
O presente ensaio pretende engajar com a proposta do dossiê de pensar a questão dos refugiados climáticos a partir da estreita relação entre a escassez de refúgios para aqueles que veem seus modos de existência ameaçados e a proliferação de subterfúgios para os que relutam em admitir a ruína de um mundo que se mostra impossível a partir do colapso ecológico. As imagens sugerem que leiamos os movimentos de migração forçada não como meros efeitos de “catástrofes naturais”, mas como resultado do investimento material, mas também psíquico e afetivo, da modernidade ocidental em subterfúgios – melancólicos, anestésicos e fantásticos – ou, em outras palavras, em formas de negação que sustentam o privilégio de não ter que cuidar e se importar com as condições que possibilitam a existência e sobrevivência.
As imagens ilustram as paisagens psíquicas, afetivas e desejantes dos sujeitos que persistem em mediar as suas relações com o mundo a partir de subterfúgios arraigados em práticas de negação corriqueiras, banais e cotidianas. Tratam-se de cenários repletos de agonia e êxtase, esperança e desencantamento, fugas e delírios; as mais diversas contradições que instam os sujeitos a continuar investidos em um mundo que se esvai.
A melancolia – o apego a tempos passados melhores, a um mundo que não existe mais; a anestesia – para aguentar a dor e o luto pelo fim de tudo que era familiar e benéfico, assim como para tolerar as instabilidades de uma nova era por vir; e a fantasia de manter o sonho de pé, de insistir, radicalizar e reformar o projeto da modernidade – aparecem não apenas enquanto subterfúgios que fazem proliferar os refúgios alheios, mas apontam também para a
dificuldade de olhar para os lugares incômodos que são censurados por essa modernidade aspiracional: para formas de evitar vulnerabilidades, de não ter que lidar com a perda e a dor, não ter que fazer o luto e não ter que admitir que grande parte de nós esteve o tempo todo vivendo a partir de uma terra que não existe, de relações que não se sustentam, afastados e desconectados das dimensões essenciais do mundo.
A insistência de afirmar essa terra e esse lugar como “nossos”, ou de parte de nós – aqueles organizados, elaborados, distribuídos, e vividos a partir da aspiração à modernidade – contribui para que esses lugares e territórios não sejam reconhecidos como dos outros: o não lugar do outro só é possível através da afirmação desse lugar como “nosso”. As imagens nos instam a pensar como esse projeto de mundo foi possibilitado pela negação e como o efeito disso tudo é a proliferação de refúgios, a extinção de modos de vida heterogêneos e a produção continua de não lugares e de entre-lugares pra todos aqueles que não se enquadram nesse tipo de vida moderna – inclusive a própria terra.
Assumir esse lugar como nosso é fundamental para forjarmos outros tipos de comunidade cuja medida não seja a perda de mundo, mas a possibilidade de nos sentirmos capazes diante das complexidades que nos interpelam.
Ficha Técnica |
Rachel Pires do Rego
Mestranda em Filosofia e Questão Ambiental, PUC-Rio
rachel.piires@gmail.com
(21)99227-1367
Portfólio virtual: www.cadernosvisuais.com
Título: Melancolia (não olhe para trás)
Técnica: colagem sobre papel
Dimensões: 29,7x21cm
Ano: 2022
Título: Anestesia (de olhos bem fechados)
Técnica: colagem sobre papel
Dimensões: 42×29,7cm
Ano: 2022
Título: Fantasia (o amor é cego)
Técnica: colagem sobre papel
Dimensões: 42×29,7cm
Ano: 2022
REGO, Rachel Pires do,. Esse lugar que é nosso. ClimaCom. Esse lugar, que não e meu? [online], Campinas, ano 9, n. 22. maio, 2022. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/esse-lugar/
SEÇÃO ARTE | ESSE LUGAR, QUE NÃO É MEU? | Ano 9, n. 22, 2022
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