História ambiental: por mais vidas na história | Carolina Marotta Capanema


Carolina Marotta Capanema[1]

A história é tradicionalmente definida como a ciência dos homens no tempo, tal qual propôs o historiador francês Marc Bloch (2001) em seu livro “Apologia da História”, uma clássica referência teórica desta área do conhecimento. A referida definição vem passando, contudo, por uma profunda revisão por parte de historiadoras e historiadores que têm como campo de estudos a história ambiental. Área de pesquisa que considera o mundo biofísico como parte constitutiva das dinâmicas histórico-sociais e não apenas como um palco ou cenário em que se desenvolvem os acontecimentos. Afinal, nem só de “homens” (ainda que estendamos o significado do termo à humanidade e não apenas ao gênero masculino) constitui-se a história.

A história se constrói, antes de tudo, nas relações. Nas relações de humanos entre si e entre a humanidade e outras espécies; entre o mundo biofísico (que nos inclui) e o mundo abiótico. A tradicional concepção de história fundamenta-se em uma separação dicotômica entre cultura e natureza – herdada da tradição judaico-cristã e reforçada pelo pensamento cartesiano – que vem sendo enfaticamente questionada nas últimas décadas por cientistas das ciências humanas e das ciências da natureza.

Plantas, animais, rochas, agentes atmosféricos e muitas outras vidas e componentes são nossos parceiros na política de habitar e transformar o mundo, como alerta a antropóloga norte-americana Anna Tsing (2019). E a história está repleta de casos que corroboram tal afirmação. Um exemplo emblemático é o resultado do contato entre europeus e ameríndios na época moderna, quando o trânsito entre o continente europeu e americano causou a dispersão de espécies entre Europa e América alterando definitivamente a biota dos dois territórios, incluindo as vidas humanas que ali habitavam (CROSBY, 2001).

Há, ainda, exemplos contundentes que mostram como as sociedades e os ambientes nas Américas estiveram imbricados em seus processos de coevolução nos últimos 12.000 anos, muito antes do contato com os europeus. Refiro-me à formação das chamadas “terras pretas de índio” da Amazônia, também conhecidas como “terras pretas arqueológicas” ou simplesmente “terras pretas”. Estudos arqueológicos, como do antropólogo estadunidense William Baleé (2009), indicam que há manchas de solo de cor preta em regiões da Amazônia que foram formadas pela decomposição de material orgânico e fragmentos de cerâmica utilizados pelos indígenas no passado. Esta interação formou um tipo de solo que apresenta grande fertilidade em lugares que foram intensamente ocupados por séculos e muitas vezes estão hoje recobertos por florestas, geralmente consideradas áreas intocadas.

 

(Leia o ensaio completo em PDF).

 

Recebido em: 20/11/2021

Aceito em: 10/12/2021

 

[1]Doutora em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professora no Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural, Paisagens e Cidadania. Departamento de História, Universidade Federal de Viçosa. E-mail: cmcapanema@gmail.com.

 

História ambiental: por mais vidas na história

 

RESUMO: A história ambiental vem colocando em pauta a tradicional concepção de história fundamentada apenas no estudo dos processos humanos no tempo, como se estes fossem descolados dos processos biofísicos que constituem o mundo tal como o conhecemos. Eventos recentes, como a pandemia suscitada pelo novo coronavírus e a emergência das mudanças climáticas, vêm corroborando a necessidade de uma revisão das teorias da história pautadas no excepcionalismo humano. Este ensaio pretende incitar reflexões sobre estas questões, buscando construir, por meio de experiências históricas concretas, outra forma de se pensar as relações entre as ciências da natureza e as ciências humanas.

 

PALAVRAS-CHAVE: História ambiental. Cultura e natureza. Teoria da história.


Environmental history: for more lives in history

 

ABSTRACT: Environmental history has questioned the traditional conception of history based only on the study of human processes in time, as if these were detached from the biophysical processes that constitute the world as we know it. Recent events, such as the pandemic caused by the new coronavirus and the emergence of climate change, have corroborated the need for a revision of the theories of history based on human exceptionalism. This essay intends to encourage reflection on these issues, seeking to construct, through concrete historical experiences, another way of thinking about the relationships between the natural sciences and the human sciences.

KEYWORDS: Environmental history. Culture and nature. History theory.


 

CAPANEMA, Carolina Marotta. História ambiental: por mais vidas na história. ClimaCom – Diante dos Negacionismos [Online], Campinas, ano 8, n. 21,  dezembro. 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/historia-ambiental/