O xamã e o cientista: conhecimentos das florestas | Rafael Monteiro Tannus e Ricardo de Almeida Marchiori
Rafael Monteiro Tannus[1]
Ricardo de Almeida Marchiori[2]
The substance of their world was not earth, but forest.
Ursula K. Le Guin, The Word for World is Forest, 1972
Planeta fora de eixo
O mundo que a ciência precisou encarar nas últimas décadas vem pressionando-a a reinventar seus olhares e pensar seus posicionamentos políticos e sociais. Há cinquenta anos, dominava a ideia de que a inovação técnica e científica era sinônimo e motor contínuo do progresso, mas a deterioração do atual equilíbrio ecológico do planeta, o aquecimento da atmosfera, a extinção da biodiversidade, a ruptura de ecossistemas, a degradação do solo, a erosão da diversidade genética, o esgotamento dos recursos naturais, a insegurança alimentar e os conflitos socioambientais decorrentes abalaram profundamente a confiança nesse modelo de desenvolvimento.
Não se pode mais dar como certo que as ciências, ao menos como as conhecemos, tenham capacidade de responder às ameaças que nos espreitam hoje e no futuro. Precisamos de novas ferramentas para, nas palavras da filósofa da ciência belga Isabelle Stengers, “resistir à barbárie por vir” (Stengers, 2015).
Para dar conta desta problemática, estudiosos da ciência e sociedade como Bruno Latour e a própria Stengers questionam premissas de uma visão da ciência centrada em procedimentos e práticas que isolam elementos em laboratório, removendo-os dos feixes de relações nos quais existem de fato. Não cabe mais uma concepção de cientista que toma o observador como ponto externo e invariável daquilo que está estudando. Tomar o ponto de vista do cientista como capaz de apreender a totalidade dos fenômenos observados como se fosse um cérebro isolado numa cuba de vidro, que acessa um mundo exterior frio e estático, é uma narrativa sobre o fazer científico que é “desumana, reducionista, legal, fria, causal, absoluta – e nenhuma dessas palavras pertencem à natureza como tal mas à natureza vista pelo prisma deformado da cuba de vidro” (Latour, 2001, p. 22)
(Leia o ensaio completo em PDF).
Recebido em: 20/03/2021
Aceito em: 15/04/2021
[1] Bacharel em Ciências Sociais pela USP e pesquisador independente. Email: mtannus.rafael@gmail.com
[2] Bacharel em Ciências Sociais pela USP. Mestre em Filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiro-USP e pesquisador independente. Email: ric.marchiori@gmail.com
O xamã e o cientista: conhecimentos das florestas
RESUMO: A crise ambiental que se desdobra coloca novos desafios às ciências modernas, sobretudo colocando a necessidade de se expandir seus registros, estabelecer e atualizar mecanismos explicativos de funcionamento de ecossistemas como a Floresta Amazônica, em um movimento contínuo de colocar elementos em relação. Este ensaio procura posicionar os conhecimentos sobre a floresta amazônica produzidos pela climatologia, em especial pelo pesquisador Antônio Nobre, em diálogo com outras formas de conhecimento a partir do xamanismo de Davi Kopenawa, explorando alianças possíveis.
PALAVRAS-CHAVE: Floresta amazônica. Xamanismo. Ciência climática.
The shaman and the scientist: knowledges of the forests
ABSTRACT: The ongoing environmental crisis poses new challenges to the earth sciences, such as the need to expand its registers and to establish and renew explanatory schemes to ecosystem like the Amazon Forest, in a continuous movement of placing elements in relation. This essay aims to put climatology knowledge, mainly the work of researcher Antonio Nobre, in dialogue with other forms of knowledge, especially the shamanism of Davi Kopenawa.
KEYWORDS: Amazon Forest. Shamanism. Climate Science.
TANNUS, Rafael Monteiro; MARCHIORI, Ricardo de Almeida. O xamã e o cientista: conhecimentos das florestas. ClimaCom – Coexistências e cocriações [Online], Campinas, ano 8, n. 20, abril. 2021. Available from: https://climacom.mudancasclimaticas.net.br/o-xama-e-o-cientista/